«Passou um ano. Todos nos lembramos da cara patibular do presidente de então, da raiva incontida dos que se sentiram desapossados, das dúvidas nacionais e internacionais suscitadas pelo regresso à esfera parlamentar do poder, quatro décadas e um "muro" a menos depois, dos derrotados no 25 de novembro. O país nunca vira nada igual, o conceito de "frente popular" passeou-se pelas colunas dos jornais, os socialistas foram olhados como a "quinta coluna" de um golpe institucional de Esquerda. António Costa, o construtor da "gerinçonça", foi acusado de tudo, desde irresponsabilidade a oportunismo.
A Direita, sem um candidato presidencial que desse garantias cumulativas de poder ganhar e proceder, logo que possível, à dissolução de um Parlamento que gerara tão estranha solução, entrou em estado de negação. Nem no debate orçamental de 2015 quis participar. A sua aposta, confessada ou não, tinha duas componentes. Uma interna, que tinha a ver com a difícil compatibilidade entre as ambições dos parceiros do PS e o grau de abertura deste à acomodação dessa agenda. Outra externa, que se prendia com o previsto incumprimento pelo novo Governo das metas macroeconómicas exigidas por uma Europa de sobrolho carregado perante uma fórmula política que contrastava, de forma quase provocatória, com os equilíbrios no Eurogrupo. A nossa Direita pode dizer tudo o que quiser, mas não conseguirá nunca convencer o país de que não estava à espera de que aquela "quadratura do círculo" fosse impossível.
Mas não foi. As forças que estiveram no Governo entre 2011 e 2015 mediram muito mal o receio que o PCP e o Bloco de Esquerda - que os tinham praticamente colocado no poder, ao ajudarem a derrubar José Sócrates - tinham de vir a confrontar-se com o respetivo regresso. António Costa pressentiu isso e soube desenhar um caminho muito estreito, onde investiu todas suas indiscutíveis credenciais democráticas e europeias, para além da transparência negocial que demonstrou junto dos seus parceiros internos (...)
(...)
É sustentável, a "geringonça"? Não sei, ninguém sabe. Se as taxas de juro dispararem, como pode vir facilmente a acontecer por virtude de efeitos externos, a questão coloca-se. Mas, nesse caso, talvez valha a pena lembrar que isso afetaria qualquer outro Governo que estivesse em funções.»
(Francisco Seixas da Costa. Na íntegra: aqui)
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