segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Uns lançam os foguetes e outros levam com as canas!

Durante a campanha eleitoral os partidos da coligação PàF fartaram-se de deitar foguetes: ele era a devolução de 35% da sobretaxa do IRS; ele era a economia em crescimento. Enfim, navegávamos em mar de rosas.
Foram-se as eleições e agora temos a realidade: a devolução da sobretaxa foi um ar que lhe deu e no que respeita à economia, diz o INE, o crescimento do PIB foi nulo entre o segundo e o terceiro trimestre deste ano. ou seja, em vez do crescimento sustentado que nos foi anunciado e prometido, passámos a ter estagnação.
Eles lançaram os foguetes, agora, depois da "festa", somos nós (todos os portugueses) a levar com as canas.
Espera-se que, nos tempos mais próximos, o novo Governo não se esqueça de as devolver à proveniência. Senão todas, pelo menos, algumas, 

sábado, 28 de novembro de 2015

Um Outono glorioso*








[Hoje, na Fonte da Telha: vistas da Arriba Fóssil da Costa da Caparica e fêmea de Cartaxo-comum (Saxicola rubicola)]
* Glorioso, a vários títulos.

"Acabou!!!! Acabou. Acabou?"*

«Acabou!!!!

Experimentem dizer “acabou” junto de uma das inumeráveis vítimas destes anos de “ajustamento” e vão ver como é a resposta. Eu já experimentei várias formas e têm todas um ponto de exclamação no fim ou outro qualquer expletivo. Ou é um suspiro fundo de quem atravessou um trajecto complicado e, chegado a outro lado, respira longamente de alívio; ou é um alto e sonoro “acabou” como antes do 25 de Abril se chegava ao “às armas” da Portuguesa e de repente toda a gente gritava a plenos pulmões; ou é uma espécie de vingança saborosa em ver na mó de baixo aqueles que sempre entenderam que têm o direito natural de estar na mó de cima.

Ou há mesmo uma variante irónica, como se o “acabou” fosse semelhante ao do episódio dos Monty Python em que uma personagem num pub dizia para um eleitor circunspecto do PAF ao lado “you know what I mean?” e tocava-lhe nos braços numa cumplicidade admitida. Wink, wink. No episódio, depois queria vender-lhe fotografias pornográficas: “you know what I mean?” Aqui, era uma fotografia de Cavaco Silva a “indicar” António Costa, wink, wink. Até eu fico da escola do engraçadismo, imaginando alguns personagens que andaram a insultar a nossa inteligência, a mentir-nos descaradamente, e a atacar o bolso dos que não se podiam defender, culpando-os de “viverem acima das suas posses” e de serem “piegas”.

“You know what I mean?”. Piu-pius governamentais que vivem no Twitter; irrevogáveis de geometria variável; o “impulsionador jovem” que aos saltos no palco dizia à assistência “ó meu, isso da história não serve para nada”; os “justiceiros geracionais” que queriam tirar as reformas aos pais e avós para em nome de uns abstractos filhos e netos as darem a “outros” pais e avós, bem vivos e presentes, em nome da “estabilidade do sistema financeiro”; os neo-malthusianos que nos encheram de simplismos gráficos em que se escolhiam os parâmetros e se excluíam outros para concluir que “não há alternativa”; os arrojados ultra-liberais, que queimam o valor dessa bela palavra de liberdade, e que proclamam que nunca, jamais e em tempo algum quereriam “casar” com as “esganiçadas” do Bloco, sem sequer perceber o que lhes diz o espelho; as mil e um personagens ridículos cuja desenvoltura vinha de terem poder, estarem encostados ao poder e entenderem que tinham impunidade para pisar os outros porque eram mais fracos e tinham menos defesas. Vamos todos dançar a tarantela para expulsar o veneno.

Acabou!!! Sabem ao que me refiro? Sabem, sabem. Bem demais.

Acabou.

Acabou. Percebe-se no ar que chegou ao fim uma época, um momento da nossa vida colectiva e que existe um desejado ponto sem retorno. E, na verdade, para “aquilo” já não é possível voltar, pode ser para outra coisa pior ou para outra coisa diferente, mas para o mesmo já não há caminho.

O modo como “acabou” conta muito, porque é diferente dos modos tradicionais da vida política portuguesa. Se o governo PSD-PP tivesse acabado nas urnas por uma vitória do PS mesmo tangencial, o efeito de ruptura estaria muito longe de existir, mesmo que o governo PS não fizesse muito de diferente do que o actual governo minoritário vai fazer. Foi a ecologia da vida política portuguesa que mudou, com o fim da tese do “arco de governação” e, mais do que qualquer solução, que pode ser precária, não durar ou acabar mal, acabou a hegemonia de uma das várias construções que suportavam a ideologia autoritária que minava a democracia nestes dias, a do “não há alternativa”.

Acabaram os votos de primeira e os de segunda, com o escândalo de também os votos de um torneiro numa oficina de reparações, que faz todas as opções erradas e tribunícias, é sindicalizado nos metalúrgicos, vive na margem sul, e vota na CDU, também valer para que haja um governo de pacíficos funcionários públicos e professores que votam no PS, ex-membro do “arco da governação”. Não é por amor ao governo de Costa, nem ao PS, é outra coisa, é porque não queriam os “mesmos” e foi essa força que os fez acabar. Vem aí o PREC? Se a asneira pagasse multa podíamos enviar os asneirentos num pacote para pagar a dívida e ainda ficávamos com um superavit.

Pode até não mudar muito, porque já mudou muito.

Acabou?

Não. Há muita coisa que não acabou. Há um rastro de estragos, uns materiais e outros espirituais, que não vão ser fáceis ou sequer possíveis de superar numa geração. Sempre que um jornalista fizer a pergunta pavloviana de “quem paga?” ou “quanto custa?” só sobre salários, pensões e reformas, ou seja aquilo que interessa aos que tem menos e nunca faça a mesma pergunta em primeiro lugar, e muitas vezes único lugar, para tudo o resto, benefícios fiscais, impostos sobre os lucros, “resolução” de bancos, PPPs, swaps, etc. ainda não acabou. Sempre que alguém “explicar”, com um encolher irónico dos ombros e completa e absoluta indiferença, a ineficácia da fiscalidade sobre a riqueza, porque os capitais “deslocam-se” como água para outros sítios, para offshores, e podem sempre fugir, e por isso “não vale a pena” sequer admitir tentar taxá-los, ainda não acabou. Sempre que se considera como normal que quem manda em nós, eleitores, portugueses, Portugal, são uns burocratas de Bruxelas e uma elite de governos europeus, que nos governam por “instruções”, “directivas”, “regras”, interpretadas rigidamente para países como Portugal e com ampla folga para países como a França, ainda não acabou. Sempre que o dolo, a violação da confiança e dos contratos com os de “baixo” e a inviolabilidade com os de “cima”, continuar a ser a prática de um estado de má-fé, ainda não acabou. Sempre que se cultive, dissemine, impregne, envenene a vida pública com a indiferença com a pobreza, o desemprego, a quebra de qualidade de vida, a perda de dignidade quando se vê a casa penhorada , ou se perde o carro na frágil classe média que criamos depois do 25 de Abril, retirando da pobreza muitas famílias para lhes dar outros horizontes pelo trabalho e, aos seus filhos, pela educação, e se vê tudo isto como efeitos colaterais não se sabe de quê, embora se saiba para quem, ainda não acabou. Sempre que se despreza os que vivem com dificuldades do seu trabalho e se valorize a esperteza e o subir na vida, ainda não acabou. Sempre que se violam direitos sociais, protecções aos que menos força têm, reivindicações de gerações inteiras, ainda não acabou.

Sempre que se acha que isto é radicalismo e não decência, ainda não acabou.»
(José Pacheco Pereira)

* Publicado aqui. Reproduzido na íntegra, porque suponho que não é acessível a quem não seja assinante do Publico on line.

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Avisem o homem que ele julga que ainda é pres(id)ente !

Cavaco Silva já só tem passado. A posse de António Costa como primeiro-ministro encerra um mandato fracassado. Não pôde, ou não soube, ser elo de compromisso. Dividiu o país à medida que se centrou mais e mais em si próprio. Desvalorizou-se e desvalorizou o papel do Presidente. Revelou-se um Presidente sem perfil presidencial.
(António José Teixeira: via Estátua de Sal)

Até os "mercados" ajudam à festa!

"Os juros da dívida pública portuguesa no mercado secundário estão a cair em todos os prazos. A dez anos, os juros negociaram nos 2,269% o valor mais baixo desde 23 de Outubro." (fonte)

«UM TEMPO NOVO PARA PORTUGAL E PARA OS PORTUGUESES»

Discurso de tomada de posse do Primeiro-Ministro do XXI Governo Constitucional*

«Senhor Presidente da República
Senhor Presidente da Assembleia da República
Senhor Presidente do Tribunal Constitucional
Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça
Senhor Primeiro-Ministro cessante,
Demais Autoridades civis, militares e diplomáticas,
Minhas Senhoras e meus Senhores

É com muita honra, mas é sobretudo com profundo sentido de serviço ao País e à República, que hoje assumo, diante de todos os portugueses, meus concidadãos, a exigente tarefa de liderar o Governo de Portugal.

Num tempo que todos sabemos ser de muitas incertezas e enormes desafios - para o nosso País, mas também para a Europa e para o Mundo - não ignoro, e portanto não minimizo, as muitas dificuldades que temos pela frente, nem as restrições que limitam o nosso leque de opções e condicionarão a nossa ação.

Mas quero que o País saiba que o Governo que hoje aqui toma posse não é um Governo temeroso do futuro, angustiado com o peso das suas competências ou preso de movimentos ante a dimensão das suas tarefas. Que não fique a mínima dúvida: este é um governo confiante. Confiante, antes de mais, no seu projeto mobilizador do País e na solidariedade da maioria parlamentar que lhe manifestou apoio e lhe confere inteira legitimidade.

O resultado das eleições legislativas do passado dia 4 de outubro confronta todos os agentes políticos com uma dupla responsabilidade.

Por um lado, a todos exige um esforço adicional de diálogo e compromisso, de modo a que seja possível assegurar um governo coerente, estável e duradouro.
Por outro lado, o respeito do sentido claro da votação popular exige que o Governo assuma como sua linha de orientação a mudança das políticas, dando prioridade ao crescimento económico, à criação de emprego, à redução das desigualdades, assim permitindo em bases mais sãs e sustentáveis a consolidação orçamental e o equilíbrio das contas públicas.

O Governo que hoje aqui se apresenta está precisamente à altura dessa dupla responsabilidade: por um lado, é fruto de um compromisso político maioritário alcançado no novo quadro parlamentar, correspondendo assim à vontade genuinamente democrática que se expressa no Parlamento diretamente eleito pelos cidadãos; por outro lado, perfilha um programa claramente apostado no virar de página da austeridade, e orientado para mobilizar Portugal e os Portugueses num triplo propósito: mais crescimento, melhor emprego e maior igualdade.

Vale a pena lembrar que o Parlamento livremente eleito pelo povo é tão plural quanto quem o escolheu. Da mesma maneira que numa eleição todos os votos contam, também contam todos os mandatos parlamentares, quer para efeito de representação, quer para efeito de governação. A democracia portuguesa ficou demasiado tempo refém de exclusões de facto, que limitavam o leque de soluções políticas possíveis e defraudavam o sentido do voto de boa parte dos nossos concidadãos.

A solução politica que viabiliza este Governo valoriza o pluralismo parlamentar, diversifica as alternativas ao dispor dos portugueses e por isso enriquece a nossa democracia.

O Governo provém da Assembleia da República - e é perante a Assembleia que responde politicamente. É preciso, por isso, que a formação e a orientação programática do Governo respeitem a sua composição e realizem os compromissos que essa composição ao mesmo tempo exige e permite.

Com a entrada em funções deste Governo, termina um momento político, certamente complexo e delicado, mas inteiramente normal numa democracia parlamentar. Através de um processo de diálogo político transparente e democrático, formou-se uma maioria estável que assegura, na perspetiva da legislatura, o suporte parlamentar duradouro a um Governo coerente.

Hoje empossado por Vossa Excelência, senhor Presidente, o XXI Governo Constitucional torna-se o Governo de Portugal.

É agora tempo de assumirmos todos, por inteiro, as nossas responsabilidades, o que quer dizer, no que respeita ao Governo, a máxima lealdade e cooperação institucional com o Presidente da República, no respeito escrupuloso pelas competências próprias do Presidente da República, do Parlamento e do poder judicial, no apreço pelas autonomias regionais e o poder local, na cultura do diálogo e da concertação social, na modernização e dignificação da administração pública, na transparência e prestação de contas face ao conjunto dos cidadãos.

Este é um Governo de garantia.

Da garantia fundamental e primeira de um Estado de Direito Democrático, o respeito pela nossa lei fundamental, a Constituição da República Portuguesa.

Da garantia da continuidade do Estado nos seus compromissos internacionais e no quadro da União Europeia.

Da garantia da estabilidade do quadro das opções estratégicas que a geografia, a história e a vontade soberana do povo português definiram como o novo lugar que o 25 de Abril abriu ao Portugal democrático.
O lugar de Portugal na União Europeia e na zona euro. O lugar de Portugal na Comunidade de Países de Língua Portuguesa. O lugar de Portugal na grande ligação atlântica, incluindo na Organização do Tratado do Atlântico Norte. O lugar de Portugal na comunidade internacional, no sistema das Nações Unidas e demais organizações multilaterais. Portugal afirma-se em todos estes domínios através das comunidades portuguesas espalhadas pelo Mundo, da qualidade da sua diplomacia, bem como na cooperação para o desenvolvimento e na segurança cooperativa, designadamente através das Forças Armadas.

Todos sabemos que o País atravessou momentos muito duros ao longo destes últimos anos. Ninguém tenha dúvidas, o trajeto que seguimos deixará marcas, e marcas profundas, ainda por muito tempo. Alguns dirão que tinha de ser, outros dizem que havia alternativas. Por mim, confio à História esse debate, porque julgo ser meu dever e dever do Governo que lidero, centrar-se no que lhe é exigido hoje para construirmos o futuro.
Mas o que em qualquer caso não podemos ignorar é que, infelizmente, e depois de tantos sacrifícios, a nossa sociedade está hoje mais pobre e desigual a nossa economia mais enfraquecida no seu potencial de crescimento e o País mais endividado.

O aumento e proteção do rendimento disponível das famílias, o alívio da asfixia fiscal da classe média, o desendividamento e condições de investimento das empresas, o combate à pobreza, a garantia de serviços e bens públicos essenciais são necessidades do tempo da urgência social e económica, condição de relançamento da economia e da criação de emprego.

Mas a satisfação das necessidades do País não se basta neste tempo da urgência, antes exigindo a continuidade que permite enfrentar os bloqueios estruturais à competitividade, que tanto têm dificultado a adaptação da economia nacional ao novo quadro resultante da globalização, do alargamento da UE e da participação no euro.

Como comprovámos dolorosamente, não recuperamos competitividade por via do empobrecimento coletivo, da precarização do trabalho ou do sacrifício da qualidade e proximidade de serviços públicos. A austeridade não gera crescimento, nem a desvalorização interna prosperidade.

As reformas que temos de fazer são outras e exigem persistência e continuidade no investimento no conhecimento e na inovação, na modernização do tecido empresarial e da administração pública, na valorização do território e dos seus recursos, na promoção da saúde, no reforço da coesão e na redução das desigualdades.

Só assim será duradouramente sustentável um novo impulso para a convergência com a União Europeia e o objetivo essencial de qualquer boa governação de assegurar finanças públicas equilibradas, que este Governo prosseguirá através da exigente trajetória de redução do défice orçamental e da dívida pública no ciclo desta Legislatura.

Esta é matéria para a discussão do Programa do Governo que faremos no órgão de soberania que detém a competência exclusiva para a sua apreciação - a Assembleia da República.
Mas a estrutura do Governo hoje empossado é também expressão desta visão estratégica.

Daí a centralidade atribuída à Cultura, à Ciência e à Educação como pilares da sociedade do Conhecimento. Ou à política do Mar, esse enorme manancial de recursos que o País tarda em valorizar devidamente. Ou a dimensão transversal da Modernização Administrativa, fator-chave de desenvolvimento.


Este Governo nasceu da recusa da ideia de que não haveria alternativa à política que vem sendo prosseguida e a sua posse por V. Exa. é a prova que a democracia gera sempre alternativas.

Não viemos, portanto, nem com uma atitude de resignação ante as pretensas fatalidades do destino - seja o destino nacional, seja o destino do projeto europeu -, nem para trazer aos portugueses, e sobretudo aos jovens portugueses, palavras inaceitáveis de demissão e desistência, como se não restasse aos nossos jovens qualquer alternativa senão ir procurar lá fora os sonhos que, sabe-se lá porquê, aqui seria impossível cumprir.

O espírito que anima este Governo é outro - e bem diferente. O que desejamos é construir aqui, passo a passo, projeto a projeto, medida a medida, um tempo novo para Portugal e para os portugueses.

Um tempo novo - é essa, verdadeiramente, a nossa ambição.

Um tempo novo para a vida das famílias, dos trabalhadores e das empresas; um tempo novo para a economia e para o emprego; um tempo novo para o Estado e para os serviços públicos; um tempo novo para o combate à pobreza e às desigualdades; um tempo novo para a aposta nas chaves do futuro - a Ciência, a Educação e a Cultura; um tempo novo, enfim, de oportunidades e de esperança, que assinale, de uma vez por todas, o reencontro das prioridades da governação com os projetos de vida dos portugueses que têm direito a ser felizes aqui.

Houve ao longo deste tempo - fruto de diversas contingências, mas também por força de um certo discurso político sobre os nossos problemas e a natureza da crise que atravessámos - uma grave degradação dos valores e dos laços que unem a comunidade nacional e que são imprescindíveis para fazer de nós uma sociedade coesa e solidária.
São falsas, demagógicas e perigosas as dicotomias simplistas que pretendem pôr em confronto os interesses e os direitos de jovens e velhos; de activos e pensionistas; de empregados e desempregados; de trabalhadores do sector público e trabalhadores do sector privado. Tal como são inaceitáveis, erradas e, além do mais, inconstitucionais, as pretensões que pretendem pôr em causa os alicerces em que assenta o nosso contrato social, tornado possível pelo regime democrático, e que garante a solidariedade entre as gerações, em particular no sistema público de segurança social, ao mesmo tempo que proporciona o acesso de todos aos serviços públicos, sem os quais não poderá haver uma sociedade mais justa.

Para acudir aos verdadeiros problemas, todas as Portuguesas e todos os Portugueses são necessários. Ninguém é dispensável. Pelo diálogo, pela concertação e pelo compromisso, temos de chegar, a partir dos interesses legítimos das partes, a uma plataforma comum de vontade e mobilização.

Este é, portanto, o tempo da reunião. Não é de crispação que Portugal carece, mas sim de serenidade. Não é altura de salgar as feridas, mas sim de sará-las. O bom conselheiro desta hora não é o despeito ou o desforço, mas a determinação em mobilizar as vontades para vencermos os desafios que temos pela frente.

Não progrediremos com radicalizações. A conduta do XXI Governo pautar-se-á, pois, pela moderação. Moderado será o seu programa, realizando uma alternativa à vertigem austeritária, que só agravou os problemas económicos, sociais e mesmo orçamentais; mas será uma alternativa realista, cuidadosa e prudente. E moderada será a sua atitude.

Senhor Presidente
Minhas Senhoras e meus Senhores
Permitam-me, ainda, duas palavras antes de concluir.

A primeira, para dirigir uma cordial saudação democrática ao Primeiro-Ministro cessante, Dr. Pedro Passos Coelho, e a toda a sua equipa. As nossas divergências políticas, naturais e até salutares em democracia, que são bem conhecidas, não me impedem de prestar aqui público reconhecimento à dedicação e esforço empenhados pelo Primeiro-Ministro cessante na sua ação governativa, num período tão crítico e de grandes dificuldades, em prol da sua convicção do interesse nacional.

Uma palavra, também, de sentido agradecimento a todos aqueles, mulheres e homens, que, de forma tão generosa, aceitaram o meu convite para integrarem este XXI Governo Constitucional.

Foi para um projeto entusiasmante que vos convidei. E é com a vossa dedicação e o vosso entusiasmo que conto, para que o XXI Governo ajude Portugal a triunfar nos desafios do século XXI.

É para servir Portugal que aqui estamos. Essa, aliás, é mesmo a nossa única razão de ser: Portugal.»

(*Já disponível no sítio do Governo de Portugal)

"Eu é que sou o presidente da junta"!*

«O Governo que hoje toma posse foi formado na sequência da crise política aberta pela rejeição do Programa do XX Governo Constitucional. Nos termos da Constituição, tal implicou automaticamente a sua demissão, ficando o Executivo limitado à prática dos atos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos.

Ao Primeiro-Ministro cessante, que chefiou o Governo de Portugal durante mais de quatro anos, bem como aos membros dos seus governos, expresso público reconhecimento pelos serviços prestados ao País em circunstâncias muito difíceis, e desejo os maiores sucessos pessoais e profissionais.

Em resultado da demissão do Governo, e tendo presente que se vive um tempo em que o Presidente da República não dispõe da faculdade de dissolver o Parlamento e convocar novas eleições, decidi auscultar a opinião dos parceiros sociais e de instituições e personalidades da nossa vida pública conhecedoras da realidade económica, social e financeira do País.

Nessas audiências, obtive informações relevantes sobre as opções de política económica que devem ser seguidas em ordem a preservar a trajetória de crescimento e de criação de emprego, a estabilidade do sistema financeiro e o financiamento do Estado e da economia, assim como sobre a importância do cumprimento das regras de disciplina orçamental e de sustentabilidade da dívida pública.

Entretanto, quatro forças políticas assinaram três documentos de diferente alcance, designados “posições conjuntas”, com vista à apresentação de uma solução governativa alternativa.

Os referidos documentos são omissos quanto a alguns pontos essenciais à estabilidade política e à durabilidade do Governo, suscitando questões que, apesar dos esforços desenvolvidos, não foram totalmente dissipadas.

Trata-se de uma solução inédita na história da nossa democracia, suportada por uma maioria parlamentar que se comprometeu a não inviabilizar a entrada em funções de um novo Executivo, o que confere às forças políticas envolvidas a responsabilidade pelo Governo que hoje é empossado.

Senhoras e Senhores,

A entrada em funções do XXI Governo Constitucional inicia um novo ciclo político.

No entanto, os objetivos estratégicos do País permanecem. Como afirmei no passado dia 30 de outubro, «o superior interesse nacional é muito claro: devemos consolidar a trajetória de crescimento económico e preservar a credibilidade externa. Não podemos regredir num caminho que foi árduo, em que foram pedidos muitos sacrifícios aos Portugueses.»

Nesse sentido, e como referi então, e cito «exige-se ao Governo que agora toma posse que respeite as regras europeias de disciplina orçamental aplicáveis aos países da Zona Euro e subscritos pelo Estado português, nomeadamente o Pacto de Estabilidade e Crescimento e o Tratado Orçamental, de modo a que Portugal saia rapidamente do Procedimento por Défice Excessivo, reduza o rácio da dívida pública e alcance o objetivo de médio prazo fixado para o défice estrutural.»

Trata-se de compromissos de Estado que a Assembleia da República sufragou por esmagadora maioria.

No momento histórico que atravessamos, é uma ilusão pensar que um país como Portugal pode prescindir da confiança dos mercados financeiros e dos investidores externos e, bem assim, do apoio de instituições internacionais.

Importa, a este propósito, ter presente algumas verdades elementares de política económica que, por serem lembradas por entidades independentes e credíveis, um Governo não pode deixar de ter em conta.

Já este mês, a OCDE, referindo-se às perspetivas económicas para Portugal, afirmou: «o não cumprimento dos objetivos orçamentais afeta negativamente a confiança e aumenta os juros dos empréstimos».

Por outro lado, no seu último relatório, o Conselho de Finanças Públicas advertiu, e cito: «o País precisa de um modelo de crescimento estável da economia e do emprego, assente no aumento da produtividade e na competitividade da economia e não no seu endividamento e no aumento das despesas públicas».

Referindo-se a uma política que pusesse em causa as medidas necessárias para sair do Procedimento por Défices Excessivos a que Portugal ainda se encontra sujeito, o Conselho de Finanças Públicas acrescenta que o impacto de uma política em que o crescimento seria impulsionado pelo consumo privado e pela quebra da poupança seria insustentável, em resultado do aumento das importações e da deterioração do saldo das contas externas.

O Conselho de Finanças Públicas deixa ainda, no seu recente Relatório, um aviso muito sério: «uma política virada para o curto prazo e assente num grau minimalista de consolidação orçamental não só não cumpriria as atuais regras europeias como teria implicações negativas sobre o endividamento do País e a produtividade».

Na mesma linha, o Banco de Portugal, no seu Boletim Económico de outubro de 2015, afirma, de forma inequívoca: «O cumprimento dos compromissos das autoridades nacionais no âmbito das regras orçamentais europeias é essencial para assegurar a redução do nível da dívida pública em percentagem do PIB, que constitui uma vulnerabilidade latente da economia portuguesa».

Há que prestar uma atenção particular à defesa da estabilidade do sistema financeiro, dado o seu papel fulcral no financiamento da economia portuguesa. Há que estimular e respeitar os nossos empresários e trabalhadores, verdadeiros heróis do aumento da atividade exportadora. Há que combater o desemprego através do crescimento da economia.

É neste quadro de grande responsabilidade que o novo Executivo inicia funções.

Perante os desafios que tem pela frente, podem contar, este Governo e o seu Primeiro-Ministro, com a lealdade institucional do Presidente da República para a salvaguarda dos superiores interesses nacionais.

Não abdicando de nenhum dos poderes que a Constituição atribui ao Presidente da República – e recordo que desses poderes só o de dissolução parlamentar se encontra cerceado – e com a legitimidade própria que advém de ter sido eleito por sufrágio universal e direto dos Portugueses, tudo farei para que o País não se afaste da atual trajetória de crescimento económico e criação de emprego e preserve a credibilidade externa.

Sendo o Governo minoritário, e não resultando inteiramente claro dos documentos assinados entre os partidos a garantia de durabilidade no horizonte temporal da legislatura, a tomada de posse e entrada em funções do novo Executivo constitui uma prova para a capacidade de diálogo não só com as demais forças políticas mas também com os parceiros sociais e as instituições da sociedade civil.

É fundamental que a concertação social seja valorizada enquanto elemento decisivo para o desenvolvimento do País e para a coesão da sociedade portuguesa. Esvaziar o papel dos parceiros sociais teria um custo muito elevado para o nosso futuro.

Desejo a Vossa Excelência, Senhor Primeiro-Ministro, e aos membros do XXI Governo Constitucional, os maiores sucessos nas exigentes funções que agora iniciam.

Muito obrigado.»

(* Discurso de Cavaco na tomada de posse do XXI Governo Constitucional)

Movido a ódio

(...)
Em todo este processo, o Presidente da República teimou em fazer “bluff” com os poderes presidenciais, simulando uma autoridade política que nem a Constituição lhe confere, nem o desempenho do cargo lhe granjeou. Confrontado com os resultados eleitorais, que deram lugar ao único cenário que não lhe tinha ocorrido estudar, começou por querer distinguir, como se isso fosse possível, entre os partidos autorizados ou proibidos de apoiar o Governo; depois, ao arrepio do desenho constitucional do sistema de governo, optou por ignorar a posição maioritária dos partidos com assento parlamentar para insistir na nomeação de um governo minoritário da direita, que sabia não ter qualquer viabilidade; rejeitado esse governo pela maioria de esquerda, não escondeu a tentação de se constituir como força de bloqueio da solução governativa proposta pela maioria parlamentar: foi dois dias para a Madeira, enalteceu as virtudes dos governos de gestão, sugeriu até que podia prolongar a situação meses a fio sem inconvenientes de maior e promoveu um caricato corropio de audiências a um público seleccionado, mas sempre sem fazer o que faria um verdadeiro institucionalista se tivesse realmente dúvidas: ouvir o Conselho de Estado. 

Depois da sugestão de alternativas políticas que nunca existiram e da encenação de exigências que nunca foram feitas, o Presidente ainda inventou a figura exótica da “indicação” do primeiro-ministro para, finalmente, dar a entender que fazia uma espécie de “avaliação curricular” dos novos membros do governo, cuja “aceitação”, por sorte, viria a anunciar. Tudo acabou, porém, como tinha que acabar: com o Presidente da República a nomear António Costa como primeiro-ministro, a dar posse a um governo socialista e a submeter-se à vontade democrática da maioria do Parlamento.

Se foi preciso dar tantas voltas para chegar ao óbvio, é apenas porque o Presidente é um fingidor. E finge tão completamente que chega a fingir que é rancor o rancor que deveras sente.»

(Pedro Silva Pereira: "A grande encenação". Na íntegra: aqui. Destaque meu)

"Ontem, Cavaco tomou posse da sua ida embora"

 «O tom intratável não foi bonito porque o assunto era nosso, país em crise e confuso que merecia cortesia. Mas o tom tinha justificações e ele próprio as deu: este governo eu não o quero, só o tolero porque não tenho alternativa e vou tê-lo debaixo de olho! Eis o Presidente, ontem. Compreende-se a indisposição. Mas de quem a culpa de não procurar novo governo? Dele, pois os prazos estão esgotados para marcar novas eleições... Então, porque não pensou nisso quando marcou as anteriores tão tarde e sem tempo de retificar com outra ida às urnas? É que o resultado geral de 4 de outubro nem foi surpresa, foi mesmo o mais provável: nenhum dos dois candidatos a governar, Passos e Costa, teve maioria absoluta. Decorria desse facto esperado que seria prudente arranjar uma almofada à crise. António Costa perante a tal probabilidade de não haver maioria absoluta, já antes da campanha eleitoral foi dizendo que não desdenhava alianças com ninguém - e, de facto, ele procurava alternativa ao beco. Já Cavaco Silva meteu-nos a todos num problema - e com ele sem mestria para o resolver. Costa assume-me político e talvez seja bom porque encontrou uma solução para Portugal. Cavaco diz sempre que não é político, mas é-o, há 35 anos, e mau, e comprou uma azia para ele. Agora estrebucha com arreganhos que são só conversa. A política às vezes é como a natureza que gosta de simetria: a dois meses sem governo vão seguir-se dois meses sem Presidente

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Eu confio!

Hoje foi, sem dúvida, um dia feliz para muitos portugueses. Mas não só. Foi também, e seguramente, um dia que no futuro será lembrado como um momento importante na consolidação do regime democrático português. 
Temos, hoje, por mérito de António Costa, Catarina Martins, Jerónimo de Sousa e de todos os que com eles colaboraram, uma democracia mais madura e mais completa, em que deixou de haver lugar para partidos e/ou cidadãos de primeira e de segunda.
Saúdo-os a todos eles, por isso e estou-lhes grato.
Com a tomada de posse  do XXI Governo Constitucional liderado por António Costa não foram removidas automaticamente as dificuldades que, ao contrário do propagandeado pela direita, ora remetida para a oposicão, são hoje maiores do que quando a direita tomou conta do poder, pois a pobreza e a desigualdade aumentaram, o número de portugueses forçados a emigrar cresceu exponencialmente, e se é verdade que, graças à intervenção do BCE, os juros da dívida pública têm vindo a decrescer, a dívida em si, em vez de diminuir, como era suposto, cresceu e de que forma. Portugal está hoje mais endividado do que nunca.
Os problemas a resolver e as dificuldades serão, pois, mais que muitas, mas sinceramente espero que os partidos  da esquerda (PS, BE, PCP e PEV) que foram capazes de dar passos enormes e de fazer esforços que até há pouco ninguém se atreveria a supor como possíveis, para se alcançar a convergência que tornou possível a formação do Governo liderado por António Costa, continuarão a ter inteligência, a lucidez e a capacidade para chegar a entendimentos e consensos para ultrapassar as dificuldades. Assim o exige a necessidade de consolidar uma política alternativa em que o mais importante seja o bem-estar e a felicidade (não necessariamente a riqueza) das pessoas.
Eu confio.

O discurso proferido por  António Costa na tomada de posse foi um bom começo, discurso que pode ser lido aqui e ouvido aqui.
(reeditado)

Dobrado o Cabo das Tormentas

Subscrevo, como não poderia deixar de ser, todas as razões de queixa tão brilhantemente expressas neste texto, cuja leitura se recomenda vivamente, a que o seu autor o Embaixador Francisco Seixas da Costa deu o título "Não lhes perdoo!")
Eu também tenho muita dificuldade em perdoar tanta mentira, tanta insensibilidade social; tanta incompetência e tanta arrogância, mas tenho de reconhecer que a minha alegria pela formação do Governo de gente decente liderado por António Costa não seria a mesma e tão esfuziante se não tivéssemos passado pela dolorosa experiência do mais abominável dos governos pós 25 de Abril, o governo da direita (PSD/CDS) ou, dito de outro modo,  o governo Passos/Portas apadrinhado por Cavaco. 
Apesar dos muitos escolhos que tiveram de ultrapassar, os partidos da esquerda (PS, BE, PCP e PEV) foram capazes de dobrar o Cabo das Tormentas. Se assim foi, justifica-se inteiramente que olhemos para o futuro com esperança. 
Disse.

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

O que tem de ser tem muita força!

«(...)
Terminaram os 51 dias de uma crise motivada pela mesquinhez institucional e pela irritação com os resultados das eleições. Terminou o jogo de Cavaco Silva e vamos chegando ao fim do seu mandato, já só basta esperar pela consoada. Como era evidente que não havia nenhuma alternativa, a pura perda de tempo só pode ser entendida pelas pessoas como um fracasso institucional. O alívio é e vai ser evidente.


Entretanto, alguns comentadores, diversos como são, parecem perdidos no nevoeiro em que preferiram mergulhar. João Miguel Tavares exigia ontem ao Presidente que se leve a sério, que fosse duro e constuitisse mesmo o seu governo. E qual seria esse governo tão garboso?

Rui Ramos e a invencível armada do Observador, perplexa e indignada, apelam a que o país se levante contra o golpe. E onde está essa turba que vai esmagar o parlamento?

Manuel Villaverde Cabral, elegantemente, invectiva Costa por causa dos “papeluchos” que assinou com a esquerda, concluindo que “o Presidente tem motivos de sobra para não reconhecer os «papeluchos» assinados por cada um dos partidos de «esquerda» como base de um governo credível e estável na presente conjuntura nacional e internacional”. E Cavaco porque é que não o ouviu?

A conclusão desta revolta é a indignação transformada em boicote. Explica Paulo Rangel: fogo contra o quartel general, será uma “oposição de princípio”. Terra queimada, votamos contra tudo.

Excelente notícia para António Costa. Não podia ser melhor, pois ao fazer um acordo com a esquerda, fora da tradição do PS, arriscou-se a alienar uma parte do eleitorado de centro, que é o lugar que o PS disputa. Mas que dirão essas pessoas se virem o PSD e o CDS perdidos numa política destrambelhada a oporem-se mesmo a decisões com as quais concordam? Jogatana política, desprezo pelo país, partidarite excessiva, uma prenda para o novo primeiro-ministro.
(...)»
(Francisco Louçã: "E se de repente lhe oferecerem um governo?". Na íntegra: aqui.)

(Não há que duvidar: a crispação da direita vai levá-la por "bom" caminho. Ao extremar posições, ao mostrar-se incapaz de reconhecer que não tem, como não teve, maioria no Parlamento que lhe permitisse viabilizar o seu governo e ao não reconhecer que, após o derrube do governo da PàF, era inevitável a formação de um novo Governo liderado por António Costa, Governo que é não só legal como inteiramente legítimo de acordo com todas as regras democráticas e constitucionais, a direita acaba por favorecer António Costa e por contribuir para consolidar os acordos celebrados com o PCP, BE e PEV. António Costa, por certo, agradece. E o país também.)

Por montes e vales (28)



 
(Coordenadas do local: 39.8587; -7.3335. Na segunda foto é perfeitamente visível um curioso moinho inteiramente construído com materiais existentes no local, usados inclusive na cobertura.)

terça-feira, 24 de novembro de 2015

O G maiúsculo está de volta*

Um Governo de gente decente. Indiscutivelmente.
Há mais de quatro anos que não havia disto.
Os meus votos: longa vida; eficaz trabalho; muita sorte, em prol deste povo que, por vezes, bem mal escolhe. 
Não é este o caso, claro está.
(* Falta o regresso do "P")

Mãos à obra, minha gente!


Novo comunicado do "Presidente da Junta"

«Na sequência da audiência hoje concedida pelo Presidente da República ao Secretário-Geral do Partido Socialista, Dr. António Costa, a Presidência da República divulga a seguinte nota:

“As informações recolhidas nas reuniões com os parceiros sociais e instituições e personalidades da sociedade civil confirmaram que a continuação em funções do XX Governo Constitucional, limitado à prática dos atos necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos, não corresponderia ao interesse nacional.

Tal situação prolongar-se-ia por tempo indefinido, dada a impossibilidade, ditada pela Constituição, de proceder, até ao mês de abril do próximo ano, à dissolução da Assembleia da República e à convocação de eleições legislativas.

O Presidente da República tomou devida nota da resposta do Secretário-Geral do Partido Socialista às dúvidas suscitadas pelos documentos subscritos com o Bloco de Esquerda, o Partido Comunista Português e o Partido Ecologista “Os Verdes” quanto à estabilidade e durabilidade de um governo minoritário do Partido Socialista, no horizonte temporal da legislatura.

Assim, o Presidente da República decidiu, ouvidos os partidos políticos com representação parlamentar, indicar o Dr. António Costa para Primeiro-Ministro.»

(O "presidente da junta" fez questão de deixar bem claro, de novo, que a indigitação de António Costa como primeiro-ministro é uma solução que se viu forçado a aceitar, porque não tinha alternativa. A secura do comunicado, em contraponto com a discursata proferida por Cavaco aquando da indigitação de Passos Coelho é significativa nesse sentido. Até a substituição da palavra "indigitar" usada na Constituição, pela palavra  "indicar", revela que Cavaco fez questão de se desmarcar acintosamente do Governo do PS que António Costa se prepara para formar a partir de agora e que contará com o apoio no Paralamento por parte do PCP, Bloco de Esquerda e PEV. Felizmente já não teremos que aturar o azedume, a parcialidade e as birras deste "presidente da junta". Que parta em breve, porque não deixa saudades e ontem já era tarde.)

"De absurdo em absurdo"

«1 O presidente da República (PR) não dispõe de qualquer alternativa à nomeação do Governo de António Costa: deixar o Governo que foi demitido em funções seria, para além de rotundamente inconstitucional, caótico, e um Governo de iniciativa presidencial não tem condições de passar na Assembleia da República. Logo, se o PR não dispõe de alternativa, todo o dia que passe sem nomear o novo Governo (com ou sem mais audições, com ou sem mais garantias) é só mais um dia de incumprimento dos seus deveres como presidente, a juntar a todos os dias perdidos sem préstimo e com o maior prejuízo para o interesse público desde que se soube, com plena segurança, que o Governo Passos Coelho chumbaria na AR.

2 Exigir ou pedir a António Costa quaisquer garantias de estabilidade governativa ou de cumprimento de objetivos programáticos, para além de absurdo, numa situação em que não dispõe de alternativa, só evidencia a parcialidade e o preconceito ideológico do PR. Evidencia-o pela simples razão de que o mesmo presidente acabou de nomear um Governo minoritário, sem quaisquer condições de governabilidade, sem qualquer possibilidade de aprovar orçamentos ou moções de confiança e, todavia, fê-lo sem audição de forças vivas ou semivivas e sem prestação das garantias que agora exige a um Governo que, ao contrário, tem manifesta viabilidade.

(...)

4 Em qualquer democracia europeia, António Costa teria sido nomeado imediatamente a partir do momento em que se soube que havia uma maioria parlamentar absoluta que inviabilizaria qualquer outra solução. Por que razão não foi nomeado nessa altura? Para os mais ignorantes, "porque a Constituição não o permite". Para os igualmente ignorantes, mas mais sofisticados, "porque a tradição não o permite". Para a maioria dos comentadores, "para não queimar etapas". E toda a gente em Portugal sabe que queimar etapas é do pior que há. Melhor, sim, é estar sem Governo, sem Orçamento e a brincar à política»
(Jorge Reis Novais. Na íntegra: aqui)
.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

"A sombra dos nossos pesadelos"

«(...)

As delongas que o dr. Cavaco tem feito à indigitação do dr. António Costa para primeiro-ministro é um dos episódios mais repulsivos da Segunda República. O dr. Cavaco é homem de verdetes e de pequenas vinganças, já se sabia; mas este ressabiamento ultrapassa todas as paciências. (...)


A demora em nomear António Costa faz parte da sua estrutura política e moral. Mas a atitude, por absurdamente deseducada, atinge toda a nação. Sabemos que o dr. Cavaco nunca foi o "Presidente de todos os portugueses", e que a sua presença nos cargos que desempenhou caracterizaram-se por um total e absoluto desdém pelos outros. O que está a provocar, com este adiamento, é uma cisão desnecessária entre todos nós. A ferida que rasgou nos portugueses dificilmente sarará. 

(...)
Com um suspiro de alívio aguardamos o dia próximo em que este senhor irá para casa e deixará de ser a sombra dos nossos pesadelos

(Baptista Bastos. Na íntegra: aqui)

Comunicado do "Presidente da Junta"*

«Face à crise política criada pela aprovação parlamentar da moção de rejeição do programa do XX Governo Constitucional que, nos termos do artigo 195 da Constituição da República Portuguesa, determina a sua demissão, o Presidente da República decidiu, após audição dos partidos políticos representados na Assembleia da República, dos parceiros sociais e de outros agentes económicos, encarregar o Secretário-Geral do Partido Socialista de desenvolver esforços tendo em vista apresentar uma solução governativa estável, duradoura e credível.

Nesse sentido, o Presidente da República solicitou ao Secretário-Geral do Partido Socialista a clarificação formal de questões que, estando omissas nos documentos, distintos e assimétricos, subscritos entre o Partido Socialista, o Bloco de Esquerda, o Partido Comunista Português e o Partido Ecologista “Os Verdes”, suscitam dúvidas quanto à estabilidade e à durabilidade de um governo minoritário do Partido Socialista, no horizonte temporal da legislatura:

a) aprovação de moções de confiança;
b) aprovação dos Orçamentos do Estado, em particular o Orçamento para 2016;
c) cumprimento das regras de disciplina orçamental aplicadas a todos os países da Zona Euro e subscritas pelo Estado Português, nomeadamente as que resultam do Pacto de Estabilidade e Crescimento, do Tratado Orçamental, do Mecanismo Europeu de Estabilidade e da participação de Portugal na União Económica e Monetária e na União Bancária;
d) respeito pelos compromissos internacionais de Portugal no âmbito das organizações de defesa colectiva;
e) papel do Conselho Permanente de Concertação Social, dada a relevância do seu contributo para a coesão social e o desenvolvimento do País;
f) estabilidade do sistema financeiro, dado o seu papel fulcral no financiamento da economia portuguesa.

O esclarecimento destas questões é tanto mais decisivo quanto a continuidade de um governo exclusivamente integrado pelo Partido Socialista dependerá do apoio parlamentar das forças partidárias com as quais subscreveu os documentos “Posição Conjunta sobre situação política” e quanto os desafios da sustentabilidade da recuperação económica, da criação de emprego e da garantia de financiamento do Estado e da economia se manterão ao longo de toda a XIII legislatura.»

(Não faço ideia de qual poderá vir a ser a resposta do PS às exigências apresentadas por Cavaco. Do que não tenho dúvida é  que Cavaco merece que lhe seja dada uma resposta em que, pelo menos, lhe seja dito que se trata de exigências descabidas e tanto mais despropositadas quando é certo que o governo entretanto demitido, presidido por um seu companheiro de partido, foi por ele nomeado apesar de lhe ter sido comunicado, em devido tempo, que o programa que tal governo iria apresentar na Assembelia da República iria ser rejeitado. Cavaco, pelos vistos, faz questão de deixar bem claro que no exercício das suas funções será parcial até ao fim. )

*Sem ofensa e, pelo contrário, com toda a consideração pelos presidentes de junta de freguesia que não se poupam a esforços para melhorar as condições de vida das respectivas  populações.
(imagem do site da P.R.)

domingo, 22 de novembro de 2015

Sob o signo da fraude

Como é sabido, o governo Passos/Portas inseriu no Orçamento para 2015 uma norma estabelecendo que caso a receita conjunta de IRS e IVA cobrada durante o corrente ano viesse a ser superior à prevista no Orçamento, os contribuintes teriam direito a receber de volta a totalidade ou parte do que tivessem pago com base na sobretaxa de 3,5% incidente sobre os rendimentos tributados em IRS.

Sabe-se igualmente que durante a campanha que antecedeu as eleições que tiveram lugar em 4 de Outubro, a tríade formada por Passos Coelho, primeiro-ministro, Paulo Portas, vice-primeiro-ministro e Maria Luís Albuquerque, ministra das finanças, anunciaram, em vários locais e em diversos  momentos da campanha eleitoral que, face aos dados da execução orçamental, a restituição do imposto pago por força da aludida sobretaxa andaria à volta de 35% .

Uma vez realizadas as eleições e alcançado o resultado pretendido com a propaganda eleitoral baseada naquele anúncio, eis que a devolução fica reduzida a zero. Pelo menos, é esse o resultado para que apontam os dados da execução orçamental referentes ao mês de Outubro, resultado que o trio não refuta.

A propósito deste caso de manifesta manipulação de dados para efeitos eleitorais, justamente qualificado, por vozes de todos quadrantes, como fraude, trapaça ou embuste, o Expresso na sua edição do último sábado conta-nos uma "estória" onde Paulo Portas, um dos elementos da tríade, não entra, mas onde aparecem referidos os outros dois: Passos Coelho, é- nos dito, está "incomodado" e Maria Luís Albuquerque, imagine-se, mostra-se "incrédula".

Estamos, claramente, perante uma operação de branqueamento da imagem destes dois elementos, mas destinada ao fracasso, porque a surpresa pretensamente manifestada por Passos Coelho e por Maria Luís, soa completamente a falso.

De facto, nem é preciso fazer grandes indagações para o provar. A inclusão no Orçamento da norma onde se prevê a devolução, não só contraria as boas regras a observar na elaboração dos orçamentos de Estado, instrumentos de previsão das receitas e despesas do ano a que cada Orçamento respeita, como é inédita. Nunca, de facto, um governo se tinha lembrado de incluir uma medida de igual natureza. Ora, é evidente, a todas as luzes que a inovação introduzida pelo governo de Passos Coelho só pode ser explicada com base em motivos eleitoralistas. Não há outra explicação possível. 

Mas há mais: a medida, uma vez que a devolução do imposto estava dependente da evolução futura da execução orçamental, foi concebida e desenhada por forma a poder ser usada, em caso de necessidade, de modo fraudulento. Como veio a acontecer.

De forma que não será muito ousado afirmar que, se é certo que a fraude só foi concretizada nas vésperas do acto eleitoral, ela foi pensada muito antes. Precisamente, na altura da elaboração do Orçamento do Estado.

E, sendo assim, é evidente que os retratos de Passos Coelho e de Maria Luís apresentados pelo Expresso não têm, pelo que fica dito, qualquer correspondência com a realidade. Eles, juntamente, com Paulo Portas são, sem sombra de dúvida, os primeiros e principais responsáveis pelo embuste, ainda que, para a sua concretização, tenham certamente contado com a conivência de outros responsáveis a nível do governo, como Paulo Núncio e com a indispensável colaboração da Administração Central do Estado.

Os últimos dias do governo de Passos Coelho ficaram assim marcados por mais uma fraude, esta levada a efeito através da manipulação de dados com vista a criar nos eleitores expectativas com fins eleitoralistas, expectativas logo goradas, após as eleições.

Diga-se, porém, em abono da verdade, que os últimos dias da governação de Passos Coelho até não diferem grandemente em relação ao que se passou ao longo de toda a governação de Passos Coelho, no que respeita a falsidades. Toda ela decorreu sob o signo da fraude. Esta começou ainda antes da entrada em funções do governo por ele liderado. Quem não se lembra das promessas feitas durante a campanha eleitoral em 2011, logo quebradas após as eleições?

sábado, 21 de novembro de 2015

"A geringonça e a avantesma"*

«A caracterização do eventual governo do PS como uma “geringonça” foi feita por Vasco Pulido Valente e repetida com evidente gozo por Portas, dando o mote para vários deputados do CDS que costumam repetir o chefe. Muito bem, não me parece que haja qualquer problema em aceitar a classificação, tanto mais que ela não é tão pejorativa como eles pensam. Mas proponho outra simétrica para o governo PSD-CDS, muito menos ambígua e que não há imaginação criadora que lhe encontre qualquer sentido positivo: a avantesma. A geringonça apareceu para que não nos assombre a avantesma.


Geringonça não é uma designação tão má como isso. É verdade que é “coisa mal feita, caranguejola, obra armada no ar”. Mas perguntem ao MacGyver e dêem-lhe um canivete suíço. A primeira máquina a vapor, a primeira lâmpada, o avião dos irmãos Wright podiam ser designadas como geringonças, mas as máquinas a vapor, as lâmpadas e os aviões que vieram a seguir já não eram geringonças. O governo minoritário do centro-esquerda do PS com a apoio parlamentar do BE e do PCP ainda é uma geringonça, mas quanto mais baixas forem as expectativas mais a geringonça se pode transformar numa máquina a sério. Ou talvez não.

Mas, o governo tombado na Assembleia não é uma geringonça, é já uma máquina a sério, com quase cinco anos de experiência, e é por isso que a continuidade da direita no poder foi sentida como sendo tão assustadora que conseguiu que o MacGyver invisível da esquerda, à pressa, construísse com o seu canivete suíço, a geringonça.

É que, para uma maioria dos portugueses, que votou “contra o governo” – insisto a única interpretação sólida dos 62% de votos –, ficarem lá “os mesmos”, seria o pior dos pecados e é essa força invisível e visível que permitiu a geringonça. É também por isso que o cimento da geringonça não está nos acordos, nos “papéis” como diz pejorativamente a direita, mas no que permitiu que eles se fizessem.

Vamos à avantesma. Os nossos dicionários são inequívocos “aparição de uma pessoa morta”, “pessoa ou objecto assustador, disforme ou demasiado grande”. Morto está, mas o Presidente da República ainda lhe permite que mexa, para ainda maior susto dos portugueses. Mete medo? Mete e ainda devia meter mais. Todo o processo da avantesma, o seu “conceito” como agora se diz, está bem explícito na história da devolução dos 35% da sobrecarga do IRS, que agora se verifica ser zero. Porque é que a história da devolução do IRS fantasma está na massa do sangue da avantesma? Porque foi isso que reiteradamente semana sim, semana sim, a coligação fez nestes últimos quatro anos e continua a fazer como quem respira.

É a mentira muito comum na esfera pública e política? É. Há uns especialistas na mentira que estão agora a contas com a justiça e que vinham do lado da geringonça. Mas isso não justifica o uso sistemático da mentira como mecanismo de governação, com a agravante de que uma comunicação social que nunca esteve tão perto do poder, em particular no chamado jornalismo económico, mas não só, dá uma amplificação enorme a estas mentiras. Transformaram-se naquilo que é o mais próximo que já alguma vez conhecemos, do “pensamento único”. E o “único” tem muita força, mas é do domínio dos “objectos disformes”, “demasiado grandes”, das avantesmas.

Denunciei várias vezes que se estava a criar artificialmente um panorama paradisíaco da situação económica portuguesa para efeitos eleitorais, e que iriamos ter um despertar abrupto depois do dia 4 de Outubro. Assim foi. Não o disse porque tinha qualquer varinha mágica ou informação privilegiada para o afirmar. Bastava somar dois e dois e verificar que não davam quatro e as coisas não encaixavam. A pergunta certa é por que razão não se fazia a soma a ver o que é que dava?

Mas a voz do governo e dos interesses que com ele se fundiam, funcionavam como um megafone ensurdecedor. Hoje, que se começa a perceber melhor qual era a verdadeira situação orçamental, os números preocupantes sobre a evolução da economia portuguesa, as prevenções do Banco de Portugal, o que está a acontecer com o Novo Banco e com a TAP, a censura dos números sobre a emigração, ainda vamos ver culpar retrospectivamente a esquerda pelos números negativos. Aliás, não é “vamos ver”, é “já vimos”, porque já vi o desplante de um jornalista da área económica de um grande jornal, dizer que a culpa destes números, no caso do IRS que fugiu, foi “das eleições”.

Foi, aliás, por estas e por tantas outras que me surpreendeu que o Presidente da República, na sua nova e inventada Câmara Corporativa, se tenha esquecido de ouvir os jornalistas de economia que, salvo honrosas excepções, se comprometeram a fundo nos últimos anos na interpretação do “ajustamento” que fez a coligação PSD-CDS. Eles lhe diriam certamente que o maior crime que se pode fazer à economia é aumentar o rendimento das pessoas e das famílias, em vez das empresas. Eles lhe diriam que a “reversão” da legislação laboral, um dos terrores dos empresários que acompanham Passos e Portas, tornará as empresas ingovernáveis e dificultará essa maravilhosa opção que é despedir. Eles lhe diriam que tentar no meio de muitos constrangimentos, olhar de forma dedicada e voluntariosa, para medidas moderadas destinadas a melhorar a qualidade de vida dos portugueses, é um projecto comunista. E eles lhe diriam, como aliás já li, que Hollande pode – como um mau exemplo a exorcizar – dizer que não vai cumprir o Tratado Orçamental, para gastar mais em defesa da França, mas nem pensar pôr em causa as “orientações”, como lhe chama o Presidente, da “Europa” a Portugal. E eu a pensar que o único senhor das “orientações” era o povo português, votando. Mas isso já não se usa.

Por isso, a queda do governo foi também a queda do “seu” governo, com ele perderam a face e a independência, e reflectem também muita da raiva que anda por esses lados.

A geringonça é um frágil meio de combater a avantesma, mas hoje não há outro para reequilibrar o sistema político puxado violentamente à direita. Talvez o melhor exemplo dessa viragem à direita esteja no número de vozes que afirmam alto e bom som que preferem um governo de gestão sabendo bem de mais os estragos que isso trará à economia, à paz civil e à legalidade democrática. É que a avantesma alimenta-se do “único”, do “não há alternativa”, do direito natural e irrevogável de governarem, para si e para os seus.

Se gosta de ser enganado, junte-se ao exército dos mortos vivos, mas não se esqueça em Janeiro de 2016 de ir lá buscar a reposição dos 35%. Sim, porque para si, nem Passos, nem Portas, nem Albuquerque, iriam fazer essa coisa socratista de mentir para ganhar eleições.

É que a avantesma, mete medo e deve meter medo. Não me canso de dizer, é perigosa, muito capaz na defesa dos seus interesses, com enormes recursos, com muitas contas a ajustar, e muitas velhas e novas mentiras para dizer.

E deve-se ser implacável com a geringonça, para que não se parta por dentro, já que por fora vai respirar ácido sulfúrico.

Ou que esperam da avantesma que é do domínio do enxofre? Sim, daquele enxofre que vem na Bíblia.»

(Autor: José Pacheco Pereira )

* Publicado aqui. Reproduzido na íntegra, porque considero que se trata de um texto de leitura imprescindível e suponho que não é acessível a quem não seja assinante do Publico on line.

"De cabeça perdida" *

(...)
4.É evidente que muitos poderão ter dúvidas sobre a solidez da solução apresentada pelo PS e pelos partidos à sua esquerda. Muitos poderão não gostar da solução. E todos têm o direito de manifestar a sua discordância. Mas as intervenções a que temos assistido não são uma simples manifestação de discordância ou de debate democrático sobre soluções alternativas. Têm sido insultuosas, catastrofistas, histéricas e alarmistas, lançando o pânico e invocando todos os demónios, como quem quer, antes de sair, atear fogo e deixar a casa a arder. Expressões como "geringonça", "golpista", "fraudulenta", "monstruosa" revelam falta de argumentos substantivos. Revelam que quem as usa está de cabeça perdida perante a iminência de perder o poder. Revelam desrespeito pelo debate e pelas instituições democráticas, bem como pelos portugueses que não votaram na PAF.

5. A situação que estamos a viver deve ser encarada com normalidade, sobretudo por quem tem responsabilidades políticas. Porém, instalar uma passadeira vermelha no Palácio de Belém para que as corporações façam eco ampliado da retórica da coligação, e criar a ideia de que em Portugal todos pensam daquela forma, não só não ajuda, como subverte as regras de funcionamento do nosso regime democrático. Em primeiro lugar, porque foram ouvidas sobretudo corporações patronais, agentes empresariais e economistas, seleção que não respeita o pluralismo institucional. Em segundo lugar, porque as corporações e os agentes empresariais não representam o povo. Representam apenas os seus interesses particulares ou os dos seus membros. Admite-se que seja importante conhecer a sua leitura da situação, mas não lhes cabe pronunciarem-se sobre quem deve governar. É em eleições que se escolhe quem decide quem governa e é aos partidos políticos que está constitucionalmente atribuída a responsabilidade central neste processo. As corporações não podem ser colocadas no mesmo plano, sob risco de estarmos a substituir o nosso regime democrático parlamentar por um regime corporativo sem caução constitucional.
[Maria de Lurdes Rodrigues (v. imagem supra) Na íntegra: aqui]

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Olhem para a almofada e, se puderem, durmam bem!

Cavaco, durante a sua recentissima digressão pela Madeira, afirmou que “o Tesouro português tem hoje uma almofada financeira de dimensão substancial”, afirmação feita, alegadamente, com o propósito de "descansar os portugueses sobre as possíveis consequências da actual crise política do país"
O menos que se pode dizer a respeito é que é verdadeiramente surpreendente que Cavaco tenha feito uma tal declaração quando é certo que ele sabe que a almofada é feita unicamente de papel de dívida. E mais estranho se torna o caso se repararmos que o volume da dívida aumentou de novo e ganhou mais um pico
Finalmente, não se compreende como é que alguém com as responsabilidades de Cavaco consegue dormir descansado com uma almofada feita de tal material e com um tal formato.
Aqui fica o desenho. Se puderem, durmam bem!


"Um triste espectáculo"

«(...) chamar “usurpador”, “golpista” e “fraudulento” a Costa não é uma oposição séria. Nem propor uma revisão constitucional para repetir eleições imediata ou indefinidamente, como Bruxelas costuma fazer. Nem organizar reuniões com “reputados” constitucionalistas, politólogos, personalidades sem descrição exacta e um triste séquito partidário. Nem, sobretudo, permitir que lunáticos da seita continuem a destemperar na televisão e nos jornais, coisa que só beneficia António Costa e o autoriza a tomar, por contraste, o arzinho de estadista responsável e tranquilo, coisa que evidentemente impressiona o povo e o solidifica a ele.
Claro que se compreendem as pressões de um eleitorado enraivecido e revanchista. E os problemas que levantam as manobras agressivamente dilatórias do madeirense Cavaco. Ou a agitação e a ignorância de uns presuntivos “notáveis” como Vítor Bento que andam por aí, citando Lenine, a comparar a triste “frente” de Jerónimo, Catarina e Costa com o PREC e a revolução de Outubro (palavra de honra). Mas, pondo essas puerilidades de parte, do que a coligação precisa é de um programa e de um método de oposição, de um governo sombra, de uma maquinaria eficaz (dentro e fora da Assembleia da República) e principalmente de uma política de informação pública (quem fala sobre o quê e onde). O espectáculo que a direita está a dar é o caminho mais curto para uma nova derrota
(Vasco Pulido Valente. Na íntegra: aqui

Até tu, Vasco?

E então os juristas, senhor?

Ouvidos os representantes das (pequenas, médias, grandes e micro) associações patronais e das 2 centrais sindicais;  de 7 banqueiros; e de outros tantos economistas, Cavaco prepara-se agora, ao que parece, finalmente, para ouvir os partidos.
Se atentarmos no comando constitucional, era por aqui, ou seja, pela audição dos partidos representados no Parlamento que Cavaco deveria ter começado as suas diligências, se é que estava interessado e preocupado com a resolução do impasse político que o país atravessa. 
A passeata pela Madeira e o arrastar das audiências com a chamada a Belém de todo e qualquer bicho careta que lhe tenha caído no goto, indiciam que Cavaco, depois de ter visto o governo por ele acarinhado ser mandado às urtigas, está mais interessado em encanar a perna à rã, do que em dotar o país de um governo em plenitude de funções.
Sendo isto mais que evidente, não é a displicência cavaquista em relação ao "superior interesse nacional" tão amiúde invocado por Cavaco, que me traz aqui. A intenção, confesso, é muitíssimo mais modesta. Trata-se simplesmente de protestar contra o facto de  S. Exª não ter ouvido pelo menos tantos juristas quantos os economistas que achou por bem acolher em Belém.
O protesto tem, note-se, inteiro fundamento. De facto, é desde logo mais que evidente que Cavaco carece muito mais de aconselhamento jurídico do que aconselhamento em matéria de economia, pois enquanto dizem que ele é um "eminente economista", nunca ouvi ninguém chamar-lhe jurista. Aliás, basta olhar para as decisões por ele tomadas durante os seus longuíssimos  mandatos (que até parece que nunca mais acabam) para qualquer mediano jurista concluir que Cavaco percebe tanto de direito e, em particular, de direito constitucional quanto eu de lagares de azeite.
Fica o protesto e o meu lamento porque, sendo também jurista, embora pouco praticante,  alimentava a vaga esperança de poder vir a ser um dos vários convidados a conhecer o interior do Palácio de Belém. Ainda não foi desta. Hélas

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Quem fala assim, não é gago

Não há nenhuma razão para que o Presidente da República, perante a inequívoca e pública afirmação dos quatro partidos que dispõem de uma maioria de deputados na Assembleia da República, venha exigir condições e garantias que manifestamente não só exigiu como sabia não existirem para impor a indigitação de Passos Coelho” (Jerónimo de Sousa)
Como se diz, no título, quem fala assim não é gago. O mais interessante, confesso, é que, não sendo constitucionalista, nem tendo pretensões a sê-lo, Jerónimo de Sousa (deduz-se das suas afirmações), conhece melhor as nomas constitucionais do que grande parte dos pretensos constitucionalistas que se prestaram a fazer um frete aos dirigentes dos partidos da coligação de direita - Pàf! -, ao aceitarem participar numa encenação/reunião para, pretensamente, discutir a revisão da Constituição, reunião que os próprios promotores classificaram, no final, como inconclusiva. Como não podia deixar de ser, visto que se sabia, à partida, que a ideia da revisão constitucional, nesta altura, não tem tem pés nem cabeça. )
(imagem e citação do Público)

Sim. "Onde é que já se viu uma maioria de deputados servir de suporte a um Governo?"

« (...)
Se não é ilegal, tem de passar a ser, dizem Passos Coelho e Paulo Portas. Onde é que já se viu uma maioria de deputados servir de suporte a um Governo? Não tarda e os portugueses ainda se convencem que vivem numa democracia parlamentar. Um absurdo. Repor a normalidade é urgente e nada melhor do que usar a Lei Fundamental para substituir o voto pela tradição, verdadeiro pilar de um país decente. Para isso, PSD e CDS contam com a colaboração dos conselheiros de Cavaco Silva. Nada mais adequado, posto que também ao presidente desagrada o que lá está escrito. Não sendo um constitucionalista, atrevo-me a fazer um modesto contributo, propondo que se reformulem pelo menos dois artigos. Entre parêntesis retos está o que se acrescentaria ou alteraria à formulação atual. Assim, no artigo 108.º, passaria a ler-se: "O poder político pertence ao povo e é exercido nos termos da Constituição [cujo articulado pode ser adaptado em função do resultado eleitoral]". E no artigo 172.º: "A Assembleia da República não pode ser dissolvida nos seis meses posteriores à sua eleição e no último semestre do mandato do presidente da República [exceto em casos de emergência, como o de uma tentativa golpista de formar um Governo apoiado apenas por partidos de Esquerda]. O articulado da lei ficaria um pouco maior, reconheço, mas isso pode ser uma coisa boa. Como se vê pelas bananas.»
[Rafael Barbosa (na imagem supra). " A almofada e a Constituição". Na íntegra: aqui]

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Palavras sensatas

«O Presidente da República (PR), Cavaco Silva, enfrenta neste momento a decisão provavelmente mais difícil do seu decénio no Palácio de Belém. Como cidadão português, prof. de Direito Público e seu eleitor, sinto o dever de dar o meu modesto contributo para o equacionamento dessa decisão. Na certeza, porém, de que a decisão é da sua exclusiva competência; e não pode nem deve ser objeto de quaisquer pressões ou ameaças. A meu ver, Cavaco Silva tem de resolver cinco dilemas.


1. Deve o Presidente decidir livremente, sondando apenas a sua consciência, ou de acordo com os princípios e normas da Constituição da República (CR)? Quaisquer que sejam as suas opiniões, preferências e intuições pessoais, o PR tem sempre de decidir de harmonia com a letra e com o espírito da Constituição. Só em monarquia absoluta ou em ditadura é que o Chefe decide exclusivamente segundo a sua vontade. Num regime constitucional, o PR é o mais alto órgão de aplicação da CR, a qual, ao tomar posse, jura “cumprir e fazer cumprir”. Ele é, pois, o primeiro executor e garante da Constituição.

2. É possível manter em funções de mera gestão, por quatro meses ou mais, um Governo cujo programa foi rejeitado por maioria absoluta dos deputados? Entendo que não, porque a rejeição do programa na Assembleia da República (AR) é considerada pela CR como “demissão” do Governo. O princípio da continuidade do Estado exige, pois, dada a limitação de competência dos governos de gestão, a formação de outro Executivo. Em Monarquia diz-se: “rei morto, rei posto”; em República, a fórmula equivalente é: “governo demitido, novo governo”.

3. Pode ou não o PR optar por formar um governo de iniciativa presidencial? Poder, pode, em minha opinião. Mas como Cavaco Silva sempre quis afastar essa hipótese, só ele sabe se tem condições para mudar de orientação.

4. Deve o Presidente indigitar, nomear e empossar António Costa sem reservas ou exigências, ou pode pôr- -lhe determinadas condições? Por mim, acho que, demitido pela AR o governo da maior força política, e assinados, pelo segundo partido mais votado, os acordos que se conhecem com os restantes partidos da esquerda parlamentar, o Presidente deve aceitar o governo do PS nos termos que lhe são propostos. O “perigo do PCP” existiu, a meu ver, em 1975, mas foi sobretudo devido aos fortes apoios recebidos do bloco soviético. Não havendo hoje URSS nem Pacto de Varsóvia, tendo terminado em 25 de Novembro de 1975 a ação revolucionária de uma parte do MFA (que aliás deixou de existir) – e, sobretudo, tendo em conta o exemplar comportamento democrático, desde 1976, das nossas Forças Armadas e de todos os partidos políticos com assento parlamentar –, não é legítimo, e podia ser contraproducente, excluir quem quer que seja do acesso ao Governo ou a uma maioria parlamentar de apoio. A política faz-se no presente e a olhar para o futuro, e não com base em retrospetivas ou traumas. Ter presentes as lições da História é bom; mas é errado pensar que a História se repete sempre, e da mesma maneira. O futuro não está escrito em parte nenhuma.
Por outro lado, o PR não tem qualquer base constitucional para pôr condições ideológicas, políticas ou programáticas a um partido político que lhe apresente uma proposta de governo com apoio parlamentar maioritário: tinha-a quando os governos nasciam da confiança política do Presidente, e podiam morrer por falta dela; desde 1982, porém, os governos só são politicamente responsáveis perante o Parlamento.

5. Num sistema semipresidencialista, como o nosso, o PR não deveria poder recusar-se a nomear um Governo de cujo programa, ou de cuja base parlamentar de apoio, discorde profundamente? Penso que não, pelas mesmas razões enunciadas em 4). Cabe ao Presidente “propor” governos à AR, mas só este é que pode “decidir” a quem se dá em definitivo o direito de governar. É assim em todos os países onde o Governo responde perante o Parlamento.

(...)
(Diogo Freitas do Amaral (na imagem); "Os cinco dilemas do Presidente". Na íntegra: aqui)

(Sobre a justeza do escrito de Freitas do Amaral não tenho a mínima dúvida. Não tenho, porém, a certeza sobre se o destinatário ainda conserva alguma réstia de lucidez e de sensatez para agir em conformidade. Olhando para o seu comportamento nos últimos tempos, temo bem que não.)