quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Coragem, precisa-se!

«É cada vez mais provável que 2015 venha a representar um ano de viragem para o futuro da Europa.

(...)

O desemprego jovem atinge 54% em Espanha, 50% na Grécia, 34% em Portugal. A pobreza, absoluta e relativa, tem alastrado a um ponto que julgávamos já impossível na Europa. A crise eterniza-se, sem fim à vista, enquanto os direitos dos cidadãos não param de reduzir-se.

Toda esta devastação e todo este sofrimento eram e são evitáveis. Não são o resultado de um qualquer deus ex-machina, mas de escolhas políticas.

A escolha de implementar, ao longo de anos, sucessivas rondas de "reformas estruturais" destinadas a promover a "competitividade", que mais não constituem do que uma corrida para o fundo em matéria fiscal e de regulação laboral, a qual tem deixado todos atolados no pântano da desigualdade, da precariedade, da financeirização e da escassez de recursos à disposição dos Estados.

A escolha de abdicar da autonomia cambial e monetária, confiando numa mágica convergência real que faltou ao encontro e enviou em seu lugar endividamento externo galopante e divergência.

A escolha de, em face de crises de dívida pública, salvaguardar os direitos adquiridos dos credores, penalizar os cidadãos e substituir gradualmente os credores privados por empréstimos internacionais públicos de modo a que os inevitáveis defaults, quando ocorrerem, penalizem novamente cidadãos e não instituições financeiras.

A escolha de vedar institucionalmente a possibilidade do Banco Central eliminar, por via da inflação, o endividamento privado acumulado, que constitui hoje o fardo maior que pesa sobre a economia europeia.

Não são escolhas fáceis de inverter. Mas são as questões decisivas nos dias que correm e o centro político nem sequer tenta, nem sequer quer invertê-las. (...)

Mas não há mal que sempre dure nem bem que nunca acabe, como diz o ditado. Seria sempre uma questão de tempo até que esta economia política da estagnação e da subjugação começasse a ser posta em causa. Ao que tudo indica, isso poderá suceder em primeiro lugar na Grécia, com a possível eleição iminente do primeiro governo que promete começar a enfrentar seriamente estas estruturas de dominação .

São ainda muitas as barreiras que o Syriza tem pela frente : terá de vencer as eleições; terá de conseguir formar governo; terá de manter-se fiel, não obstante todas as pressões nacionais e internacionais em contrário, aos compromissos que o terão feito eleger. E depois disso terá de saber enfrentar as represálias das instâncias políticas e económicas que não estarão dispostas a assistir de braços cruzados a que seja posta em causa a ordem em que assenta a sua dominação.

Um tal governo, e o povo que o eleger, precisarão sobretudo de muita coragem - como outros, nós incluídos, mais cedo ou mais tarde precisarão também. E isso faz com que não seja certo que seja para já, como não é certo que a Grécia seja bem sucedida desde já. Mas nalgum momento, nalgum local, acontecerá. Porque a roda da história não pára e, mais cedo ou mais tarde, há sempre quem decida viver corajosamente.»
(Alexandre Abreu; "O ano de viver corajosamente". Na íntegra: aqui. Destaques meus.)

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Antes fosse a última



"Mensagem [de Ano Novo] de Cavaco Silva será a penúltima do seu mandato, que termina em 2016.
Uma pena que seja apenas a penúltima. Bem melhor fora que fosse já a última.
(Notícia e foto daqui)

"Bom Ano Novo"

«(...)

Neste fim de 2014, queremos que muitas coisas mudem. Não para que fique tudo na mesma, mas para que tudo mude.

Naquela espécie de maldição radiodifundida no Dia de Natal por Pedro Passos Coelho, o primeiro-ministro tratou de convencer os mais crédulos de que já vivemos no país do leite e do mel. Disse-nos que fizemos tudo bem e que correu tudo bem. Que sofremos mas atravessámos as dificuldades. Que está tudo bem agora e que tudo vai ficar ainda melhor. Que o futuro está aberto diante de nós. Disse-nos que não há nada mais a desejar do que este presente e que este presente é bom. Orwell teria ficado em pânico se o tivesse ouvido, aterrado com a presciência de “1984”. Mau é bom, pobre é próspero, desigualdade é igualdade.

Passos Coelho apostou, como faz sempre, no medo. No medo do desconhecido, no medo do futuro. Ameaçou em voz suave que, se os portugueses não fizerem a escolha certa nas próximas eleições, podem deitar tudo a perder. Tudo? A dívida crescente? A pobreza crescente? A desigualdade crescente? A educação e a ciência no caos? Não importa o conteúdo. A mensagem do medo não exige racionalidade e foge da verdade como o diabo da cruz. Sabemos que não queremos isto.

Neste fim de 2014, dizer “Bom Ano Novo” tem um significado especial porque significa que desejamos algo muito diferente e que temos a coragem de o escolher, em Portugal e noutros países. Sabemos que temos de ter a coragem de escolher algo que não existe pré-fabricado e que vamos ter de o fabricar com as nossas mãos. Sabemos que a política entrou num beco sem saída, com partidos capturados por lógicas clientelares e transformados em centrais de corrupção. Sabemos que a governação entrou num beco sem saída, com o Estado capturado por interesses privados. Sabemos que a democracia entrou num beco sem saída, reduzida a eleições que pouco ou nada mudam. Sabemos que a União Europeia entrou num beco sem saída, couraçada com tratados jurídicos antidemocráticos que instituem a regra dos mais fortes. Sabemos que a economia entrou num beco sem saída, com a acumulação de capital em cada vez menos mãos.

E sabemos que a única maneira de sair deste becos é com imaginação e arrojo, com a coragem de fazer diferente.

Bom Ano Novo.»
(José Vítor Malheiros - "Mudar tudo para que tudo mude". Na íntegra: aqui)

domingo, 28 de dezembro de 2014

"Um fracasso monumental e trágico"

«É preciso muita desfaçatez da direita para se apresentar como "salvadora do descalabro financeiro da pátria".


O atual Governo de direita gosta de se apresentar como tendo recebido o país à beira da bancarrota e tendo tido, desde então, de aplicar várias medidas de extraordinária dureza numa espécie de operação patriótica de salvamento do país do colapso financeiro. Todavia, exceção feita à pressão dos mercados de capitais e das agências de rating sobre a dívida portuguesa, do ponto de vista dos fundamentais da economia a situação é hoje muito mais problemática do que em 2011. Mais, para alcançar tais míseros resultados foram cometidos vários atropelos à democracia, à Constituição e aos direitos fundamentais dos cidadãos; e foram alienados muitos recursos estratégicos do país.

Tudo isto torna pertinente e oportuna a questão: para que terão servido tantos sacrifícios e tantos atropelos? Aliás, não há melhor indicador do fracasso monumental que estamos a viver do que o facto de, em ano eleitoral, um Governo de direita se preparar para baixar impostos só às empresas, mas continuando (tudo somado) a aumentar a carga fiscal dos assalariados, pensionistas e consumidores (ver os cálculos do economista Eugénio Rosa a partir dos números do OE), já para não falar na permanência (aqui ou ali suavizada por pressão do TC) das "medidas extraordinárias" (quatro ou cinco anos depois da primeira implementação...). 


Comecemos pelo fracasso nos resultados. Primeiro, temos a cavada e prolongada recessão económica: o PIB estagnou em 2008, 0,0%, decresceu -2,9% em 2009, -1,7% em 2011, -3,2% em 2012, e -1,4% em 2013. Com estas taxas negativas dificilmente a dívida do país é reembolsável e o Estado social é sustentável. Segundo, temos o fortíssimo crescimento do desemprego: 8,5% da população ativa em 2008, 10,6% em 2009, 12,0% em 2010, 12,9% em 2011, 15,7% em 2012, cerca de 16,5% em de 2013. Ou seja, temos aqui um problema social e politicamente intolerável, por um lado, e que coloca uma pressão insustentável nas contas da Segurança Social, por outro. Finalmente, temos a evolução muito preocupante e dificilmente sustentável e reembolsável da dívida pública: 71,7% do PIB em 2008, 83,7% em 2009, 93,5% em 2010, 108,1% em 2011, 123,6% em 2012, e cerca de 129,0% no final de 2013; este ano estima-se que se quede acima dos 130% do PIB. Aliás, como demonstra João Cravinho no seu livro sobre A Dívida Pública Portuguesa – O Manifesto dos 74 e as Propostas Europeias para a Reestruturação (Lx, Lua de Papel) antes da crise e até 2009-2010 Portugal tinha um rácio entre a dívida pública e o PIB praticamente igual à média da zona euro (2008) ou apenas um pouco acima desta (2009 e 2010); desde então a trajetória de divergência é cavadíssima e cifrou-se, em 2013, numa brutal distância: 129%, para Portugal, 92,6%, para a zona euro. E, por outro lado, teve lugar num período em que se cortaram salários e pensões, muito além do previsto (no programa original da troika) e daquilo que tinha sido dito aos eleitores em 2011, e em que se efetuaram extensos programas de privatizações de empresas públicas, muitas delas muito lucrativas para o Estado (CTT, restos da EDP e da Portugal Telecom, etc.). Claro que houve os défices e dívidas mais ou menos inesperados nas empresas públicas e na Região Autónoma da Madeira, mas, mesmo assim…
(...)»
(André Freire. Na íntegra: aqui)

domingo, 21 de dezembro de 2014

Pondo o dedo na ferida

"É um escândalo que um juiz que devia ser o juiz das liberdades entenda como aceitável que a par do acesso irrestrito dos pasquins à investigação a defesa não possa decentemente opor-se e contraditar porque não lhe é permitido aceder a todos os documentos e dados do processo.
"Gostaria muito de ter metade da facilidade do jornal Correio da Manhã para conhecer o processo."
(Comentários de João Araújo, advogado de José Sócrates a propósito do despacho do juiz Carlos Alexandre recusando o acesso da defesa a todos os dados que constam do processo em que é arguido o seu constituinte.) (fonte)

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

"O Rambo das privatizações"


«(...)
2. Claro que ninguém trava Passos Coelho de vender a TAP. E tudo o resto. (...).
A TAP é apenas mais um capítulo da fantasia liberal apregoada por este PSD. Foi votada e, portanto, o líder segue a eito, qual Rambo das privatizações. Talvez, no entanto, a imagem mais certa seja a de um Vasco Gonçalves ao contrário. Tal como em 1974, nem ficam os "donos disto tudo", nem outros, novos, com capital nacional. Ficam os mexilhões. Pequeninos, endividados e sem nada para vender
Daniel Deusdado; "Passos, Angola e Vasco Gonçalves". Na íntegra: aqui)


Psicopatas, diz ele. Bem me parecia...

Segundo o investigador criminal Barra da Costa houve em Portugal "nos últimos anos, momentos assumidos pelos políticos profissionais e seus acólitos, que são de matriz psicopata, atentas as consequências gravosas para as populações mais desfavorecidas em termos socioeconómicos".
"Um primeiro-ministro ou um ministro das finanças não se ralam se condenam uma população à fome ou se estimulam uma guerra", afirmou, acrescentando: a "um ministro da educação que não se importa de despedir milhares de professores apenas para poupar uns tostões - esquecendo-se que um seu colega optou pela compra de um submarino, gastando nisso uma quantia que daria para pagar os vencimentos desses professores e dos efetivos, durante cinco anos - nada preocupa, desde que as suas necessidades pessoais e partidocráticas sejam satisfeitas". (Fonte)

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

No reino da arbitrariedade

A manutenção de José Sócrates na situação de preso preventivamente a que vem agora somar-se a decisão de o proibir de dar a entrevista que lhe foi pedida pelo "Expresso",  sem outro fundamento que não seja a oposição por parte do senhor juiz C. Alexandre e do senhor procurador R. Teixeira, significa que, em Portugal, no que respeita ao funcionamento da justiça, estamos já no reino da pura arbitrariedade. Mas não só. Quando se corta ao detido o direito à expressão do seu ponto vista sobre o processo e se permite diariamente, na mais completa impunidade, a violação do segredo de justiça, é manifesto que os direitos de defesa consignados e assegurados pela Constituição estão a ser violados perante a passividade dos ditos magistrados. Digo passividade, mas, atendendo à natureza das informações, onde se incluem transcrições de alegadas escutas, não é de excluir, a serem verdadeiras tais informações, que em vez de passividade, se possa falar em cumplicidade, quiçá, em autoria. Como diz o povo, "quem não quer ser lobo não lhe veste a pele" e é evidente que, neste caso, atendendo a tudo o que se tem visto desde o momento da detenção até ao presente, a pele de lobo assenta-lhes que nem uma luva.
Direi mais: com magistrados destes, sorte tem José Sócrates em não existir já uma instituição que dava pelo nome de Inquisição. Gente predisposta a servi-la, parece que há.
(Imagem: daqui)

Ora toma!...



Ora toma que é para aprenderes! 
Será que aprendes?

O Professor Pal Erma


Sabe-se que o professor Pal Erma é uma personagem ficcionada que aparece com alguma frequência nas "Cartas Abertas" do "Expresso" assinadas pelo Comendador Marques de Correia, pseudónimo do jornalista Henrique Monteiro, se não estou em erro.  
Se o professor Pal Erma é para aqui chamado é porque estou convencido que o Comendador se inspirou na figura do pregador dominical da TVI para criar a personagem,  Para chegar a uma tal conclusão bastou-me assistir às duas últimas homilias proferidas pelo Professor Marcelo. De facto, o homem é capaz de agora dizer uma coisa e no momento seguinte afirmar o contrário. E, pelos vistos, também não se ensaia nada para enfeitar os seus sermões com umas mentiras pelo meio.
Tudo visto e ponderado, se calhar, dizer que o Professor é simplesmente Pal Erma é pouco. 

domingo, 14 de dezembro de 2014

A propósito de suposições

Conto-me entre os que se revêem em muitas das políticas prosseguidas por José Sócrates enquanto primeiro-ministro e que, por isso, têm por ele admiração e respeito.  Sócrates não só tinha uma visão, a meu ver, correcta para o futuro do país, como, de facto, tudo fez para a concretizar no domínio da educação, da cultura, da ciência e inovação, das novas tecnologias e das energias renováveis. Os efeitos da sua política, enquanto primeiro-ministro, não se limitaram, porém, ao desenvolvimento económico, cultural e científico do país. Em boa verdade, até no plano dos costumes se fez sentir a sua acção e essa é, porventura, uma das razões que levam a que a direita retrógrada continue empenhada em atacá-lo furiosamente e de todas as maneiras e feitios. 
Não sei se a sua recente detenção se enquadra ou não no ataque continuado que a direita lhe tem movido a partir da altura em que José Sócrates assumiu o cargo de secretário-geral do PS e se apresentou, enquanto tal, a disputar eleições legislativas fazendo frente a Santana Lopes. Não sei, mas não descarto essa hipótese. De facto, a crer no que tem vindo a ser publicado em vários jornais, incluindo o "Correio da Manhã ", que (justa ou injustamente, goza da fama e, quiçá, também do proveito de contar com informadores fidedignos junto dos operadores de justiça) a constituição de José Sócrates como arguido e a sua consequente detenção, baseiam-se, não em indícios, mas em simples suposições. O que se escreve, de facto, é que os responsáveis processuais por aqueles actos (constituição de arguido e detenção) supõem que o dinheiro e os bens sob suspeita, se bem que titulados em nome de terceiro, são pertença de José Sócrates.
Custa a crer que actos de tal gravidade sejam praticados por agentes da justiça, com base em suposições. mas a ser verdadeira a informação veiculada pelos meios de comunicação social, tal significa que a justiça em Portugal, já de rastos, desceu a um nível tão baixo que só com uma vassourada será possível o retorno a um patamar de decência.
A confirmar-se a veracidade da informação, a detenção e o encarceramento de José Sócrates não só são motivo de perturbação individual e colectiva, como impõem que se reflicta com profundidade sobre o funcionamento  da justiça em Portugal e que se tirem dessa reflexão todas as consequências. 
Não estou à espera, como é evidente, que uma tal reflexão se faça enquanto este governo, com esta ministra da justiça, se mantiver em funções. Teremos que esperar que políticos com outra dimensão, com outras vistas (mais largas e diferentes) e com sentido de Estado, tomem conta dos destinos do país. Mais uma razão para despacharmos os anões que nos desgovernam, quanto antes. Ontem já era tarde.

Quem se "lixa", afinal?

"(...)
Como pano de fundo há que acrescentar que vigora hoje em Portugal uma política fiscal injusta, que reforma o IRC, para que as empresas paguem menos impostos, e que reforma o IRS, para que os trabalhadores por conta de outrem e os pensionistas paguem mais. Antecipa-se o fim da cláusula de salvaguarda no pagamento do IMI, ao mesmo tempo que se institui uma taxa autónoma reduzida de 28% para quem possui rendimentos prediais. As isenções patrimoniais dadas aos fundos de investimento mantêm-se e isentam milhares de prédios, pertencentes a instituições financeiras, enquanto se penhoram casa[s] de habitação de cidadãos com dívidas de 1900 euros. Os mais fracos equilibram assim as contas públicas que as instituições financeiras e as grandes empresas desequilibram (...)"
(Paulo Ralha, Presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos; "A devolução da sobretaxa de IRS e o combate à fraude e evasão", in "Público", edição impressa de hoje. Destaques meus).

De regresso...

Não tenho qualquer ilusão sobre o escassíssimo interesse dos textos que aqui vou deixando. Ainda assim, estou de volta depois de um interrupção de algumas semanas. Por uma razão bem simples: por muito modesta que seja uma voz, como a minha, ninguém está dispensado de fazer o que esteja ao seu alcance para desalojar a corja que desde há mais de três anos tudo tem feito para destruir o país. 
Cá estou, pois, a responder à chamada. De novo.