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Li nos jornais que António Lobo Xavier (jurista, conselheiro de Estado, militante do CDS, administrador do BPI e comentador político) levou ao Presidente da República as mensagens de telemóvel que o seu amigo António Domingues trocou com o ministro Mário Centeno. É mesmo assim? Domingues partilhou com Xavier as mensagens que recebeu de Centeno? E pediu autorização a Centeno? E Xavier pediu autorização a Centeno para mostrar ao PR as mensagens que o ministro escreveu a Domingues? Das duas, uma: a) isto não é verdade, na verdade, Xavier só mostrou ao PR mensagens escritas por Domingues, autorizado por este; b) isto é verdade e então estaremos perante comportamentos tão absolutamente vergonhosos que me falta o campo semântico para os qualificar. Como é possível que isto aconteça? Como é possível que não haja por aí um clamor de indignação contra Domingues, Xavier, Marcelo - e até António Costa, que depois de se saber disto foi tranquilamente trocar larachas num jantar com Xavier? Uma coisa - embora de legitimidade altamente duvidosa (...) - é uma comissão parlamentar de inquérito ordenar a Centeno e a Domingues que mostrem todas as comunicações trocadas entre si, em todas as plataformas, sobre a CGD. Mas outra completamente diferente é o procedimento divulgado na imprensa. Não é só algo de uma profunda falta de ética. É algo que, tendo em conta a generalizada indiferença que suscitou, nos faz pensar como as indignações diárias nas redes sociais são fenómenos mais de socialização dos indignados entre si do que verdadeiramente de indignação. Se nos indignamos com tudo e mais alguma coisa, porque não com o que verdadeiramente importa? Isto calhou tudo na mesma semana em que Cavaco Silva publicou a primeira parte das suas memórias presidenciais, memórias em que partilha inconfidências sobre conversas supostamente privadas com José Sócrates. Outro procedimento altamente condenável e que, como no caso CGD, deriva diretamente da vitória da emoção sobre a razão e do ressentimento sobre o sentido de Estado.
Depois não se queixem os políticos - nomeadamente os protagonistas destas histórias - da degradação das condições para fazer política e do distanciamento dos eleitores. Pelos vistos, estar na política implica a mesma nobreza (ou falta dela) do que concorrer a um qualquer Big Brother televisivo. Isto, na verdade, não é política - é pornografia. Nada contra. Mas prefiro-a desempenhada nos canais adequados e por profissionais do ramo. Não é o caso.»
(Pornografia política, o novo normal; João Pedro Henriques. Na íntegra: aqui)
1 comentário:
Excelente crónica e parabéns pelo destaque,
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