A propósito do recente "Apagão" e apreciando a actuação do governo Montenegro durante o evento, João Miguel Tavares publica hoje no "Público" (edição impressa) uma crónica que leva como título "É fascinante a forma como este país engole a incompetência", crónica da qual tomo a liberdade de extractar o que segue:
«Há coisas que eu percebo (...)
Depois vem a longa lista das coisas que eu não percebo. Não percebo quem acha que até na resposta a um apagão a avaliação do que aconteceu deve ser feita em função de linhas ideológicas, como se a competência ou a incompetência fossem exclusivos da esquerda ou da direita. Não percebo que o apagão eléctrico do país tivesse causado um apagão na comunicação do Governo. Não percebo que não se tenha transmitido logo ao início da tarde uma estimativa do tempo de reposição da energia, mesmo que optando pela máxima prudência - a REN e o Governo tinham uma noção de quanto iria demorar, e bastaria dizerem-no para acalmar o frenesim. Não percebo que não se perceba que aquilo que levou as pessoas a correrem para as lojas não foi a falta de luz, mas a falta de informação. Não percebo aqueles que acham que devemos ficar calados porque não somos especialistas na matéria, como se um cidadão estivesse obrigado a emudecer só porque não tirou um curso de Engenharia Electrotécnica, ou estivesse proibido de se indignar por ter ficado sem luz só por desconhecer o preço do kWh no Mibel. (...)
Sim, o Governo foi incompetente a gerir a informação e a comunicar. As estações de rádio estavam no ar; as pessoas estavam nos carros; podiam ouvir informação oficial hora a hora; e essa informação não chegou. O Obervador publicou um texto intitulado "Os bastidores do Governo na crise do apagão", e a primeira história é sobre a Maternidade Alfredo da Costa (MAC), cujos geradores têm apenas cinco horas de autonomia. O combustível estava no fim e houve um brainstorming no Palacete de São Bento, de onde surgiu esta ideia brilhante: "os motoristas dos ministros usariam as viaturas oficiais para se deslocarem até à maternidade", oferecendo à MAC "o combustível que tinham nos carros". A ideia só não foi para a frente porque os novos carros "têm mecanismos de segurança para impedir o roubo de combustível, o que tornaria toda a operação impraticável" (...) Note-se que a fonte do Governo que contou esta história estava cheia de vontade de mostrar o heroísmo, a resiliência e a criatividade do executivo. Não terá reparado que a única coisa que mostrou foi o mais inacreditável amadorismo e a inexistência de um plano de contingência para alimentar geradores de hospitais, o que é pura e simplesmente inconcebível. Enfiam-nos a incompetência pela goela, e ainda querem que a malta se cale por falta de "conhecimento técnico".
Não compro. Não aceito. Não engulo.»
Eu também não.
(Imagem supra recortada do exemplar do Público, edição citada)