sábado, 28 de fevereiro de 2015

Super-azelha, ou super-hipócrita ?


Se, como se infere da notícia do "Expresso" que a fotografia supra reproduz, o juiz C. Alexandre tem a possibilidade e a capacidade de "fechar o processo" que impende sobre José Sócrates et. al., então não há dúvida de que o advogado João Araújo tem toda a razão quando, reportando-se à constante violação do segredo de justiça de que o referido processo tem sido objecto, afirma que "não há fugas de informação, o que há é transmissão de informação a partir de quem controla o processo", numa alusão, segundo o referido semanário, aos magistrados do Ministério Público e ao juiz Carlos Alexandre. Alusão que, atento o teor da notícia, tem toda a justificação, pelo menos, em relação ao juiz.
Não sofre contestação que o processo tem sido objecto de autêntica devassa, desde a primeira hora, pelo que o juiz, pelos vistos, responsável pela sua guarda, ainda que, eventualmente, possa não ser directamente responsável pela "transmissão de informação", não tem forma de se livrar da responsabilidade de não ter sido capaz de evitar a persistente violação do segredo de justiça. Como lhe competia. A esta luz, ter-se-á de concluir que, no mínimo dos mínimos, o chamado "super-juiz" não passa de um super-azelha. 
"Casa roubada, trancas à porta" é um ditado popular que se pode aplicar com inteira justeza à alegada decisão de C. Alexandre, pois é evidente que a decisão chega tarde. Se no processo existia algum facto, cuja divulgação fosse do interesse da investigação ou dos responsáveis pela sua guarda, três meses foi tempo mais que suficiente para tais factos terem sido posto à disposição dos meios de comunicação social e divulgados, pelo menos, nas páginas do trio de pasquins com avença junto dos responsáveis pelo processo. Não é menos certo, por outro lado, que, graças à devassa do processo, o efeito pretendido pela investigação: a condenação na praça pública dos arguidos - foi já plenamente atingido. Como não ver, pois, na decisão do juiz C. Alexandre uma enorme dose de hipocrisia.
 E aqui chegados, falta a pergunta: super-azelha ou super-hipócrita?. A escolha é sua. 

Um caloteiro em ano de eleições

Passos Coelho desculpa-se de não ter pago à Segurança Social o que devia ter pago, ao longo dos anos de 1999 a 2004, alegando que não foi notificado para pagar a dívida. Tal alegação não pode deixar de ser vista como uma desculpa de mau pagador. Ou de caloteiro, como diz o povo.
Não sei se Passos Coelho foi ou não notificado para pagar, nem curo de saber, porque esse facto não tem a mais pequena relevância na apreciação do caso. Na verdade, Passos Coelho, tal como qualquer outro contribuinte, tinha a obrigação de pagar o que devia, independentemente de notificação. Aliás, como é patente e notório, a  notificação só tem lugar quando o contribuinte está em falta. Era, nem mais nem menos, o caso do faltoso Passos Coelho. 
O gabinete do primeiro-ministro que, pelos vistos, está ao serviço não do primeiro-ministro, mas do cidadão Passos Coelho, vem dizer em comunicado que este "manifesta (...) a sua perplexidade para a circunstância de terceiros estarem alegadamente na posse de dados pessoais e sigilosos relativos à sua carreira contributiva, os quais nunca lhe foram oportunamente transmitidos pelas vias oficiais, e para o facto destes serem agora manipulados e objecto de divulgação pública em ano eleitoral".
Supondo que o dito gabinete, embora se exprima em português pouco escorreito, transmite fielmente o pensar e os sentimentos do sujeito, o comunicado leva-nos a estranhar a perplexidade de quem, sem o menor sobressalto. tem assistido impávido ao vasculhar da vida de alguém que já ocupou funções idênticas às dele. 
Ah! Já me esquecia: o fulano diz agora que já pagou. Ainda que assim seja, o pagamento só terá sido feito depois de ser questionado pelo PÚBLICO, o que, a ser verdadeiro, demonstra que, "em ano eleitoral", até o caloteiro mais renitente acaba por pagar, logo que tornada pública a dívida.
Ó "pote", a quanto obrigas!

Schäuble e a melhor amiga

(No "Expresso" de hoje. Para mais tarde recordar. De preferência, lá para Setembro/Outubro)

Um fulano com muitas qualidades, incluindo a de caloteiro


Caloteiro, mas não só. Recomenda-se, por isso, a leitura da notícia. De facto, a "lata" do sujeito (na imagem infra) é tanta que, só lendo e conferindo, se acredita.

(notícia: aqui)

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

"Ridendo castigat mores"

«(...)
No pós-refrega, o ministro grego das Finanças prometeu dizer sempre a verdade mas, quando lhe perguntaram sobre a posição de Portugal e Espanha, preferiu dizer que há "uma coisa chamada boas maneiras" que não permitia que se alongasse na resposta. Isto demonstra que se pode ser cavalheiro mesmo não tendo cheta. Varoufakis, que já viu quase tudo, estava pela primeira vez visivelmente incomodado com a Maria Luís. Impressionante. Dá para ver o que temos sofrido. O único problema, aqui, é que o incómodo dele é a minha vergonha.

Maria Luís era vista como alguém que queria ir além da troika e ser mais alemão do que os alemães, e quem melhor do que os alemães para o afirmarem. A edição online do jornal alemão Die Welt não deixava dúvidas e, numa tradução mais fácil do que a de grego, afirmava que "Maria Luís Albuquerque terá pedido, pessoalmente, a Schäuble, para ser duro com os gregos". Ou seja, chegámos ao ponto em que a nossa Maria Luís chamou piegas aos alemães - "ai, se eu estivesse no lugar dessa coração de manteiga da Merkel...". Um dia destes, o síndrome de Estocolmo vai dar lugar ao síndrome de Massamá.


(...)


A nossa presença na UE faz lembrar o tempo da monarquia francesa, quando havia um indivíduo cuja única função era limpar o rabo ao rei, depois de o rei fazer as necessidades. Era um lugar de prestígio, dentro dos mais desprestigiados. Feita a comparação, isto do bom aluno e do exemplo, no fundo, é como se Schäuble dissesse à UE: "Fiquem sabendo que Portugal limpa esfíncteres como poucos".


Infelizmente, tanto passar de pano, de nada serviu. A Comissão Europeia resolveu pôr Portugal sob vigilância. A Comissão Europeia colocou Portugal sob vigilância provavelmente porque acha que ninguém pode ser assim tão bom aluno. Parecendo que não, os professores desconfiam, sempre, de quem engraxa muito


(João Quadros; "Grécia, último episódio - Maria Luís Uber Alles". Na íntegra: aqui)

Por terras de Portugal # 1



Para começo de uma nova série de fotografias fomos até lá bem ao Norte:  Vinhais
(E não, não fomos à famosa Feira do Fumeiro)

Interpretação autêntica


Todo enorme alarido criado à volta das declarações de António Costa a que já me referi aqui, não faz o mínimo sentido. Será que a direita e a "esquerda da esquerda" têm alguma dúvida sobre o pensamento de António Costa relativamente à desgraçada situação do país? Não creio. Tudo não passa, pois, duma encenação.

Se alguma destas bem (?) intencionadas almas continua com dúvidas sobre o pensamento de António Costa, só tem que se dar ao trabalho de ler esta declaração: "Aproveito a ocasião para manifestar como estou perplexo que pensem que, por fazer oposição ao Governo, isso me impede de defender o país. E que, perante uma assembleia de investidores estrangeiros e no exercício de funções institucionais, em vez de valorizar os factores positivos de Portugal, me concentrasse no fracasso da política do Governo e nos seus resultados, como o aumento brutal da pobreza, o desemprego, a estagnação económica, os cortes de pensões e de salários
(imagem e citação daqui).

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Sob as vestes dum pretenso "bom aluno"

Não se trata propriamente duma revelação, pois, na verdade, já se sabe, de há muito, que o governo passista/portista/cavaquista, que gasta boa parte das suas poucas energias em esconder-se sob a capa de bom aluno, não passa, afinal de um governo de "delinquentes". Pelo menos, aos olhos da Comissão Europeia, que acaba de o sujeitar a uma vigilância reforçada. Com bons motivos. Ora ouçam!

Em desespero de causa

Para ser franco, também teria preferido que António Costa (AC) não tivesse proferido perante a comunidade chinesa, a propósito da celebração do ano novo chinês, a declaração posta a circular pelo eurodeputado Nuno Melo (um melro com frequência armado em esperto).
Digo que teria preferido, não pelo facto de tal declaração ser politicamente infeliz do ponto de vista dos interesses do partido que lidera, mas apenas e tão só porque, dada a sua aparente ambiguidade, permitiu às hostes da direita (e às da chamada "esquerda da esquerda" que, pelos vistos, fazem questão de continuar a seguir o padrão historicamente comprovado de se aliarem à direita contra a esquerda moderada) o seu aproveitamento para dizer que António Costa (AC) teria implictamente reconhecido que a situação do país era, actualmente, melhor do que a verificada em 2011.
Como é evidente, AC, em momento algum, afirma que a situação do país está melhor e, em boa verdade, uma tal declaração não só colidiria com a realidade dos factos, como não faria sentido na boca de quem, não uma, mas repetidas vezes, tem afirmado que a situação do país é, hoje, em quase todos os aspectos, bem pior do que a existente antes do governo desta gentinha ter entrado em funções. 
AC, disse, e sem reparo da minha parte, que a situação do país é "bastante diferente daquela em que estava há quatro anos atrás". Sem reparo da minha parte, insisto, porque a afirmação é inteiramente verdadeira, uma vez que o país  não está hoje com a corda na garganta, no que diz respeito ao acesso aos mercados financeiros e à elevada taxa de juros, taxa que tem, efectivamente, vindo a baixar sucessivamente, devido, não à acção do governo passista/portista/cavaquista que, em tal matéria, não meteu, nem prego nem estopa, mas apenas e tão só devido às medidas que, entretanto, o BCE tem vindo a tomar, ponto que não admite sequer contestação. Na verdade, se atentarmos no facto de que a dívida pública portuguesa tem vindo a aumentar sucessivamente desde que este governo (de aldrabões) entrou em funções, torna-se óbvio que o risco de crédito não só não teria diminuído como teria aumentado, se não existissem os "escudos" criados pelo BCE. Temos, aliás, neste caso, a contraprova. De facto, por alguma razão a notação atribuída pelas principais companhias de rating, continuam a remeter a divida pública portuguesa para a categoria de "lixo", o que significa que, se os "escudos" instalados pelo BCE  forem ao chão, ou se os mercados chegarem à conclusão que tais "escudos" são inoperacionais, as dificuldades de acesso aos mercados financeiros voltarão a galope.
Dizer-se que a situação do país é diferente não significa, pois, que seja melhor. E, de facto, qualquer que seja o ângulo de análise, com a ressalva antes enunciada, todos os indicadores apontam para uma deterioração da situação do país. Os números fornecidos pelas entidades oficiais, (INE e BdP) não deixam margem para dúvidas: a dívida pública, em vez  de baixar, como era suposto, aumentou de 94% em 2010, para 128,7% em 2015;  o desemprego quase duplicou, afectando mais de um milhão de trabalhadores; o PIB é actualmente inferior em pelo menos 5% em relação ao final de 2010, o que significa que a riqueza produzida, em vez de aumentar, como era desejável, tem vindo a decrescer; a emigração, em particular de  pessoas jovens e altamente qualificadas, aumentou exponencialmente, atingindo números alarmantes, pois contam-se já por várias centenas de milhar as pessoas forçadas a sair do país à procura de meios de subsistência no estrangeiro, realidade sem paralelo desde os tempos do salazarismo-caetanismo; a pobreza é hoje uma realidade bem mais dolorosa do que há quatro anos; a desigualdade aumentou (os ricos estão mais ricos e os pobres mais pobres); a classe média foi severamente atacada, com uma boa parte a ser lançada na pobreza.
Perante este factos que demonstram à saciedade que o resultado da acção deste execrável governo se traduziu num verdadeiro desastre nacional, não admira que a direita, em desespero de causa, use em seu proveito, qualquer pretexto real ou inventado, como neste caso, e lance mão de todos os meios para se defender. A direita usa, pois, este e outros expedientes em verdadeiro estado de necessidade, o que se compreende.
Que a "esquerda da esquerda" siga pela mesma via, já me custa um tanto a compreender. Se calhar, é assim, porque a tradição, neste caso, ainda é o que era. Será?

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

A Grécia não é Portugal

De facto, ao contrário de Portugal, não se encontra em situação de "desequilíbrio excessivo".

"Coprolábia" # 2

«Segundo o Banco de Portugal, que é a entidade responsável pelo apuramento da dívida pública oficial, o rácio ficou em 128,7% do produto interno bruto (PIB) em 2014 em vez dos 127,2% inscritos no OE/2015. Em 2013, o rácio da dívida ficou em 128%.
Ou seja, voltou a piorar em vez de ter caído. A inversão de tendência fica assim, adiada por mais um ano. Tem sido assim há vários anos.». (Fonte).
Um bom exemplo, diria eu, demonstrativo de que o discurso deste governo não passa de "coprolábia".

"Coprolábia"

«Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, chega ao proscénio e diz que a Troika exagerou na imposição da austeridade, por desnecessária, e roubou a decência aos povos de Portugal, Espanha e Irlanda. Surge, afobado, o dr. Passos Coelho, e desmente Juncker, quase declarando que a Troika trouxe consigo felicidades inauditas. As aldrabices, mentiras e omissões deste cavalheiro atingem as zonas da coprolábia. Ou, então, pior do que tudo, usa os óculos de Pangloss, e vê um Portugal abençoado pelos deuses, embora esses deuses sejam desconhecidos, e o país seja absolutamente outro.
Um milhão e quinhentos mil desempregados; dois milhões na faixa da miséria: cento e quarenta mil miúdos que vão diariamente em jejum para a escola; quase duzentos mil jovens que abandonaram o País por carência de futuro; dezenas de doentes que morrem nos corredores dos hospitais por falta de assistência; velhos a quem foi subtraído todo e qualquer meio de subsistência; funcionários e outros aos quais cortaram todos os escassos salários – isto não terá como consequência a perda da decência e da dignidade? E perda da decência e da dignidade não consistirão nos constrangedores actos praticados por membros do Executivo, e pelo dr. Cavaco, relativos ao governo e, decorrentemente, ao povo grego?, com a torpe recusa em apoiar as propostas de quem foi legitimamente eleito, e colando-se, vergonhosamente, à estratégia da política alemã?
(...)»
(Baptista-Bastos; "Há sempre solução". Na íntegra: aqui. Destaque meu.)

(Haja quem inove! Coprolábia, o termo que faltava para designar, com todo rigor e não menor propriedade,, o discurso deste governo abominável. Baptista-Bastos está de parabéns.) 

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Quem te manda a ti, sapateira, ir além da chinela?

«(...)
A jornalista do Jornal de Negócios Eva Gaspar escreveu há dias um artigo ("A grande falácia grega... ") no qual procura denunciar como falaciosa a ideia da insustentabilidade da dívida grega e da necessidade da sua reestruturação. Sendo que, como sempre nestas coisas, quem em Portugal fala da Grécia está também, e sobretudo, a falar de Portugal. A estratégia argumentativa da autora assenta em dois eixos: o argumento moral habitual sobre a necessidade de honrar as dívidas independentemente das consequências, por um lado; e uma comparação com o caso japonês, país cuja dívida pública anda pelos 250% do PIB (bem mais que os 177% da Grécia) mas que, como assinala a autora, nem por isso se queixa que está falido ou reclama uma reestruturação.

Pela minha parte, não vejo grande interesse em tratar o estafado argumento normativo, mas a comparação com o caso japonês - que é, ela sim, falaciosa - merece ser chamada a esta coluna devido ao seu interesse pedagógico, pois é especialmente útil para explicar porque é que nem toda a dívida pública é igual ou tem as mesmas consequências.

A diferença fundamental entre as dívidas públicas grega (ou portuguesa, já agora) e japonesa consiste em quem a detém. No caso grego, a esmagadora maioria é detida por credores estrangeiros , que antes eram sobretudo privados e neste momento são sobretudo oficiais. Já no caso japonês, a dívida pública é detida quase exclusivamente por agentes nacionais : além do maior credor de todos ser o próprio Banco do Japão, que pertence ao estado japonês e é por ele controlado, menos de 10% da dívida pública está nas mãos de credores estrangeiros. Isto tem implicações radicalmente diferentes, que Eva Gaspar parece ignorar e que não são apenas ao nível da autonomia política.

É que enquanto os juros pagos todos os anos para remunerar a dívida pública japonesa são transferidos para as mãos do próprio sector privado japonês, alimentando a procura agregada, no caso grego - e português - correspondem a uma sangria de recursos para o exterior, uma repetida punção procíclica substancial em contexto recessivo. Ora, é da incompatibilidade entre essa transferência permanente de recursos para o exterior e a recuperação de níveis de crescimento e/ou inflação que permitam reduzir o nível de endividamento que resulta a inevitável insustentabilidade da dívida pública grega e portuguesa. Não interessam apenas o stock da dívida ou o peso dos juros: interessa também a quem são pagos esses juros e o que é que isso implica para a economia.

Por outras palavras e em termos mais gerais, a dívida pública japonesa, apesar de ser das maiores do mundo em termos absolutos e relativos, não é insustentável porque, em primeiro lugar, o Japão dispõe de moeda própria e da possibilidade de monetizar parte dessa dívida na medida do que entenda ou necessite; e, em segundo lugar, porque a componente externa dessa dívida é insignificante e mais do que compensada pelos activos detidos pelos agentes japoneses no exterior. Na verdade, o Japão é um credor líquido face ao exterior, tal como expresso pela posição de investimento internacional, o que implica um afluxo constante e significativo de rendimentos de capital. É mesmo o maior credor líquido do planeta. No caso de Portugal e da Grécia, a posição de investimento internacional é profundamente negativa: perto de -120% do PIB em ambos os casos . No ranking da posição financeira externa, estamos no extremo oposto. Somos os antípodas do Japão.
(...)»
( Alexandre Abreu; "Há dívidas e dívidas". Na íntegra: aqui).

 (A dita senhora andava há muito a pedi-las...)

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

A dupla Cavaco/Passos nas páginas do "Público"

A dupla Cavaco/Passos Coelho escreve agora no "Público", usando para o efeito o nome e o rosto dum tal João Miguel Tavares. Lendo este texto,  é fácil chegar a uma tal conclusão.

Os "milhões" dados à Grécia pelos "beneméritos" Cavaco & Passos, vistos à lupa

«(...)
A Grécia recebeu até agora dos parceiros europeus qualquer coisa como 194 mil milhões de euros, com características muito diferentes. 52,9 mil milhões são empréstimos bilaterais, decididos antes da criação do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira, para os quais Portugal contribuiu com 1,1 mil milhões de euros (2% do total). Este dinheiro é remunerado à Euribor a três meses, adicionada de um "spread", o que supera o custo de financiamento do país no curto prazo. O dinheiro conta para a dívida pública nacional, mas é descontado para efeitos de medidas das regras europeias de dívida e défice.

Nesta frente Portugal não paga nada aos gregos, só não faz dinheiro com a Grécia. Além disso, participa de acordo com a chave de capital no BCE (com ligeiros ajustamentos), como a maioria dos restantes países pelo que não se distingue especialmente. Convém ainda lembrar que este dinheiro foi emprestado por solidariedade, mas também por interesse nacional como mandam as relações entre Estados: o objectivo frustrado era o de travar uma crise sistémica no euro e o contágio a Portugal.

Há depois os cerca de 142 mil milhões de euros emprestados à Grécia pelo FEEF (o mesmo que emprestou dinheiro a Portugal), que se financia no mercado (não pesa na dívida pública dos Estados-membros) e cobra à Grécia um ligeiro "spread" sobre os seus custos de financiamento. Neste caso, Portugal também não paga nada e a solidariedade nacional é ainda mais interessante de medir. É que por também ter sido resgatado, Portugal não participou nas garantias dadas pelos Estados-membros ao FEEF. Isto significa que eventuais perdas não teriam impacto em Portugal (nem na Grécia, Chipre e Irlanda). Colocar sobre si os holofotes da solidariedade para com a Grécia parece, por isso, inadequado.

Finalmente, há "os muitos milhões" dos lucros das obrigações gregas na posse do Banco de Portugal que Portugal transfere. Em causa estão compras de títulos pelos bancos centrais da Zona Euro para tentar conter a crise grega (de resto também compraram obrigações portuguesas). A particularidade no caso grego é que, dadas as dificuldades helénicas, os países da Zona Euro decidiram transferir para Atenas os lucros que fazem com esse investimento – o qual foi financiado a custo zero com dinheiro novo impresso pelo BCE. Devolver os lucros é uma ajuda, mas significa simplesmente deixar de ganhar com a desgraça alheia. (De acordo com a Conta Geral do Estado de 2013 e Orçamento de 2015 estão em causa qualquer coisa como 70 milhões de euros por ano).
(...)»
(Rui Peres Jorge; "Os gregos, os milhões de Cavaco e o esforço de Passos" Na íntegra: aqui. Destaques meus.)

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Sinto muito pelos alemães...

...pois é indiscutível que têm um ministro das Finanças completamente irresponsável! Um tal 
Wolfgang Schauble!
(notícia e imagem daqui)

Nem no Carnaval!

Mascarados de "alemães", fingindo-se de credores, comportando-se como donos da quinta, quando não passam de caseiros, "Passos Coelho, Cavaco, Machete, Marques Guedes e afins", como Paulo Portas, são a vergonha deste país.
E com a honra de um país, não se brinca. Nem no Carnaval!
(Glosa a partir deste texto (O cachecol de Varoufakis) de João Galamba, cuja leitura se recomenda.)

Mascarados

Cartoon ELIAS O SEM ABRIGO DE R. REIMÃO E ANÍBAL F. 16-02-2015

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Até já!

Fiquem-se com a primeira orquídea silvestre fotografada este ano:


Salepeira-grande [Himantoglossum robertianum (Loisel.) P. Delforge]

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

"Não é difícil perceber porquê"

«Passos Coelho já tinha estado mal com o seu "conto de crianças". Mas Cavaco Silva, seguindo a mesma linha, conseguiu estar pior ao dizer que já saíram para Grécia muitos milhões de euros da bolsa dos contribuintes portugueses. Como se Portugal não tivesse passado por uma intervenção externa. E se, durante o aperto do nosso programa, outros chefes de Estado ou de Governo dissessem o mesmo de nós? Como reagiria Cavaco?

Quem falou não foi o Presidente de todos os portugueses. Não pode ter sido. O sentido de Estado não é aquilo. Não pode ser. Hoje quem falou foi sobretudo o cidadão Cavaco Silva, o mesmo que se queixou da sua magra reforma a um Portugal sacrificado pela troika. O mesmo que se mostrou incomodado quando foi confrontado com o que tinha dito sobre o GES/BES, depois das reuniões com Ricardo Salgado. O mesmo que nunca se engana e raramente tem dúvidas. Serão só problemas de expressão?

Ao falar da "bolsa" dos portugueses, Cavaco Silva seguiu, uma vez mais, a narrativa do Governo. Mais colado era impossível. Mas quis também mostrar-se alinhado com os grandes da Europa. Quis ser alemão, finlandês, holandês. Optou ficar no lado dos que mandam. E logo no dia em que o Eurogrupo decidia a Grécia de Tsipras e Varoufakis. Que fraca... coincidência

Nos relatos dos jornais internacionais, Portugal aparece como um dos mais duros na mesa das negociações, claramente receando que no fim do dia a Grécia consiga alguma coisa. Se assim for, os portugueses vão querer saber porque é que o Governo (e também Cavaco Silva) não fez o mesmo, em vez de assumir que só havia a cartilha da troika. Com que cara aparecerá o país dos cumpridores a reclamar o seu quinhão?

A União Europeia vive um momento único e as propostas gregas levantam muitas interrogações. É legítimo que o PR manifeste as suas dúvidas. Mas não desta forma, agitando uns contra outros. Portugueses de um lado, gregos do outro. Os que cumprem e os que vivem do bolso dos outros. É esta a Europa de Cavaco Silva? São estes os valores que Belém defende para o projeto europeu?

Cavaco Silva é o Presidente que registou os mais baixos índices de popularidade juntos dos portugueses. Não é difícil perceber porquê.»
(Bernardo Ferrão; "Há um Cavaco dentro do Presidente" Daqui)

(Pois não. De facto, não é nada difícil. Difícil será encontrar um outro presidente que nos tenha envergonhado a este ponto, considerando apenas os que serviram durante a ditadura. Excluo da comparação os Presidentes da República que serviram após o 25 de Abril, por uma razão bem simples: a mera comparação do exercício presidencial de qualquer deles com a actuação de Cavaco já seria um insulto.)

"Mas ela (ele) fez o quê?"

«Como não sou um latinista reputado para dizer que delatar e dedo têm a mesma origem, o que me daria jeito, sirvo-me da palavra dedo-duro. Os brasileiros, que são quem melhor manuseia a nossa língua, inventaram dedo-duro para dizer denunciante. Olhem o gesto: aponta quem, mas não diz o quê... E isso é importante? É, faz-nos andar para trás. Quando os deuses fizeram os seres vivos, dos lobos aos homens, deram-lhes ganas para fazer o que lhes apetecia, machucar e matar. Era bom, exceto, claro, para os que eram mortos segundo nos apetecia. Mas andámos, andámos e chegámos à lei, que acabou com o lobisomem. A lei, sancionando, permitiu que fosse metido na ordem quem ia contra as regras determinadas pela aldeia e pelo Tribunal Europeu de Justiça (estou a saltar etapas, mas a crónica é curta). Grosso modo, a lei funciona respondendo a esta pergunta: "O que há de errado, se há, no que foi feito e por quem?" Repararam na filosofia implícita da fórmula? Primeiro, verifica-se se houve crime e, havendo, vemos quem o cometeu para o castigar. Foi isso que nos levou a chegar a civilizados. Ora, esta civilização que tem sido combatida há séculos, por estes dias é-o por esta fórmula: "O que havemos de fazer com esta pessoa, apesar de não sabermos o que ela fez?" É a fórmula do dedo-duro. Por exemplo, a popular lista do banco suíço: "Olha a D. Sílvia, de Vila Real, a portuguesa dos 200 e tal milhões!!!"... Sim, mas ela fez o quê?»
(Ferreira Fernandes"Tudo sobre a portuguesa dos muitos milhões!". Daqui)

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Shame on you!

Cavaco, não querendo deixar todo o protagonismo ao "alemão" Passos Coelho, fez questão de também se pronunciar sobre a actual situação da Grécia. A tal propósito, afirmou Cavaco que '"Muitos milhões de euros estão a ser tirados dos bolsos dos portugueses" para apoiar a Grécia', afirmação que é bem reveladora duma mentalidade mesquinha. Na medida em que foi proferida por alguém que faz as vezes, embora muito mal, de presidente da República, uma tal afirmação é motivo de vergonha para todos os portugueses que nela não se revêem. Como é o meu caso.
(Imagem daqui)

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

O cerne da questão

Ou dito de outro modo: estão os portugueses na disposição de votar novamente nos fanáticos da austeridade que empobreceram o país e os portugueses e que se têm comportado não como governantes de um país soberano, mas como lacaios ao serviço da senhora Merkel?

Um rombo no porta-aviões ?

«(...) quase surpreende que Vítor Bento, num longo e estruturado ensaio publicado no Observador, venha dar um tiro no porta-aviões da doutrina da austeridade expansionista e, na mesma leva, na narrativa oficial do Governo do "temos de empobrecer" e "andámos a viver acima das nossas possibilidades". (...)
Sendo, como é, um perene conselheiro de Estado, e até há pouco tempo (...) um dos mais consensuais economistas da direita portuguesa, é um rombo importante na doutrina dominante. 
Porque, agora, já se pode dizer que, como já aqui assinalámos em Setembro de 2014, a Alemanha tem de perceber de uma vez por todas que se quer que os demais Estados-membros lhe subsidiem uma moeda com câmbio mais baixo, o que a mantém competitiva, e lhe dêem livre acesso a um mercado de 500 milhões de habitantes, tem de partilhar esses ganhos.
Não é uma questão de pedir ao contribuinte alemão o que é dele, é pedir-lhe que devolva o que não lhe pertence, que é o que o "dispor de um excesso de competitividade que é subsidiado pelos sacrifícios dos Deficitários, obrigados a um ajustamento unilateral" de Vítor Bento quer dizer em português corrente.
E qual será o montante desse subsídio? Vítor Bento não arrisca um valor, remetendo para um paralelo com o movimento recente do franco suíço, mas recorrendo aos cálculos de Dominick Salvatore, da Fordham University, podemos estimar que um "euro alemão" valeria pelo menos mais 40% no mercado cambial. Um subsídio e tanto.
O rei vai nu e há que sublinhar que "aqui reside a grande falha da argumentação moral que tem subjazido à condução do processo, pois que não são os Excedentários que têm estado a sustentar o bem estar dos Deficitários, mas o contrário.".
Numa altura em que a Grécia afronta os dogmas europeus o Governo português teima em negar a evidência e manter o rumo. A Grécia lutará pelos interesses dos Gregos mas não conte com o apoio do Governo de Portugal, por muito que os interesses do povo português sejam semelhantes: menos austeridade, para garantir a sustentabilidade da Economia e das contas públicas.

Estamos num momento da história em que essa teimosia se traduz em mais pobres, mais desempregados, menos protecção social. Não é culpa da Chanceler Merkel que está a lutar pelos interesses do seu país: aquilo do "Deutschland, Deutschland über alles" é mesmo para levar a sério. Infelizmente para nós, para Passos Coelho também.»
(Marco Capitão Ferreira; "Já se pode dizer?". Na íntegra: aqui)

Sublinho o "para Passos Coelho [o alemão, digo eu] também".

Porventura "mais alemão do que Angela Merkel"


«(...) Pedro Passos Coelho nunca surpreende. Sempre que existe uma oportunidade para mostrar uma réstea de dignidade pessoal, alguma ténue preocupação com os cidadãos do seu país ou um lampejo de sentido patriótico, Passos Coelho exibe a sua natureza e faz a única coisa que sabe: obedece ao que julga serem os desejos do seu suserano.

Foi assim com a notícia da vitória do Syriza na Grécia, com o anúncio das primeiras posições do Governo grego e foi assim com a proposta grega de uma conferência internacional sobre a dívida. Tudo acontecimentos que qualquer Governo português, independentemente da sua cor política, deveria receber com algum agrado, porque reforçam a nossa posição negocial como credores no seio da União Europeia, mas que Passos Coelho preferiu criticar ecoando os ditames da voz do dono. O Governo grego quer defender a dignidade e a vida dos gregos e Passos Coelho não suporta esse atrevimento. Passos Coelho nem percebe como é que Tsipras não considera uma honra servir os poderosos deste mundo e lamber a sola cardada das suas botas, deleitando-se na volúpia da submissão. Passos Coelho não é mais papista que o Papa: é apenas mais alemão do que Angela Merkel e mais obsceno do que Miguel de Vasconcelos.

(...)»
(José Vítor Malheiros; "Alemanha brinca com o fogo na Grécia". Na íntegra: aqui.)

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

"Eles comem tudo [...

...] e [rigorosamente] não deixam nada": PSD e CDS garantem todas as nomeações na Segurança Social.
(Imagem daqui)

Síndrome de Estocolmo

«(...)

O Governo não tem margem para deixar deslizar o défice, mas não viria mal ao mundo se defendesse mudanças a nível europeu, que seriam do interesse de Portugal. A entrevista que o ministro da Economia concedeu à Reuters, na sexta-feira, é um bom exemplo dessa miopia ideológica que tolda a visão do Executivo. Pires de Lima afirmou que Portugal não aceita participar numa conferência sobre as dívidas europeias e que, da Grécia, espera "que assuma os compromissos" com os credores.

Assim, em vez de lutar por uma mudança que seria do interesse nacional, o Governo parece uma vítima da síndrome de Estocolmo, que é sequestrada e acaba por gostar. Os outros países querem obter concessões da Alemanha? Senhora Merkel, esteja tranquila, Portugal não alinha em pieguices.

(...)» 

(Filipe Alves; "Um Governo com síndrome de Estocolmo?". Na íntegra: aqui.)

Rais parta os números!



quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

A justiça é uma paródia?

Dir-se-ia que para a Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), se não é, parece.
Vem isto a propósito da reacção da dita Associação  que considera, em comunicado, que a expressão "O juiz Carlos Alexandre que se cuide" usada por Mário Sores num escrito no DN é uma ameaça dirigida ao sobredito juiz e, consequentemente, um crime. 

Admira-me que o excelente faro da ASJP que consegue detectar um crime de ameça numa expressão que, literalmente, não passa de um conselho ou de uma recomendação, que, vindo de quem vem e atento todo o seu passado, não consente outra leitura, não tenha sido ainda capaz de detectar e de denunciar as diárias violações do segredo de justiça no processo contra José Sócrates, preso no estabelecimento de Évora às ordens do procurador Rosário Teixeira e do juiz Carlos Alexandre, violações que ainda são crime. Acho eu, mas outro deve ser, inexplicavelmente, o entendimento da ASJP, que, no mesmo comunicado, garante que no Estado de Direito os juízes cumprem a lei e apenas a lei”.
A peremptória afirmação, certa em teoria, choca com a realidade dos factos, a começar pelo relatado, e não pode, por isso, ser levada a sério. Não passa de mais uma peça a contribuir para deteriorar ainda mais a imagem da justiça, que, de alguns anos a esta parte, tem andado pelas ruas da amargura. Pelo menos, é que o dizem as sondagens que regularmente têm vindo a ser publicadas.

O Syriza e as razões de preocupação da direita

«(...)
A direita está preocupada, isso sim, porque o governo grego é o primeiro a confrontar directamente os mecanismos de subjugação a que tem vindo a ser sujeito o seu povo e porque o seu exemplo tem um enorme potencial de alastramento. Não é por acaso que a maior hostilidade em relação às propostas europeias do governo grego provém precisamente das elites e governos servis de Portugal e Espanha, que estão precisamente na linha da frente desse potencial de alastramento. O novo governo grego tem de fracassar, custe o que custar, não vá dar-se o caso de mostrar às pessoas que é possível governar com elas e para elas em vez de contra elas. 

É isto que está neste momento em causa na Grécia e na Europa - e é por isto que espero que o governo grego não tenha ilusões ingénuas sobre nobres ideais europeus que transcendam os interesses de classe. Pelo contrário: espero que o optimismo da disponibilidade para soluções cooperativas que os governantes gregos têm manifestado nos últimos dias se faça acompanhar, pelo menos em privado, pelo pessimismo racional da preparação dos cenários de confronto.Varoufakis é, entre outras coisas, especialista em teoria dos jogos : saberá por isso com certeza que não deve esperar que as elites europeias contribuam voluntariamente para minar as bases da sua própria dominação.»
(Alexande Abreu; "O Syriza e o luto da direita". Na íntegra: aqui. Destaque meu)

Serviço público: a entrevista de José Sócrates à SIC

«Tinha viagem marcada, de Paris para Lisboa, para quinta-feira. Mudou para sexta-feira à tarde e voltou a mudar para sexta-feira à noite. Como justifica estas alterações? Admite que possa ter levantado suspeitas à investigação

Na 5ª feira, das 17 às 19 horas, participei num seminário académico na escola doutoral de Sciences PO. Essa foi a razão pela qual mudei o regresso de Lisboa de 5ª para 6ª feira. Já na 6ª feira, a alteração do meu voo de regresso a Lisboa deveu-se à deslocação do meu advogado a Paris para uma reunião comigo que não estava inicialmente prevista. Francamente, não percebo que suspeitas essas alterações possam justificar. A verdade é que eu voltei, não fugi! Quando vejo invocarem o "perigo de fuga" como um dos fundamentos da minha prisão preventiva o que me parece é que alguém está a esforçar-se muito para não ver o óbvio: eu vinha a entrar, não ia a sair! Se este fosse um processo normal, guiado pelo bom senso, qualquer suspeita, mesmo disparatada, sobre a minha alegada intenção de fugir teria morrido aí. A insistência nesse absurdo "perigo de fuga" mostra bem o espírito que anima esta investigação e as suas presunções. Vejam bem: ao invocarem o "perigo de fuga" como um dos fundamentos da minha prisão preventiva, o que os magistrados que dirigem este processo estão a dizer é que acreditam que havia um sério risco de ficar uma cadeira vazia no meu comentário semanal na RTP! Podemos avaliar a credibilidade da ideia fazendo um esforço para imaginar a cena, com o "pivôt" da RTP a anunciar: "Senhores telespectadores, esta semana não há comentário. O ex-primeiro-ministro, que costuma estar aqui todos os domingos, fugiu!". Mas há alguém de bom senso que possa acreditar numa coisa destas?! Nunca fugi de nenhuma dificuldade; sempre as enfrentei. 

No dia da sua detenção o seu advogado enviou, de Paris, um email ao director do DCIAP. De que se tratava? Que consequência teve esse email?

Às 15h54 do dia 21 de novembro (horas antes da minha detenção à chegada ao aeroporto, com todo aquele espectáculo mediático), o meu advogado enviou um e-mail ao Diretor do DCIAP comunicando a minha vontade de ser ouvido neste processo o mais rapidamente possível (depois das buscas em casa do meu filho e da notícia da detenção de pessoas que me são próximas não era preciso ser adivinho, nem ter informações privilegiadas, para calcular que havia um processo contra mim). O texto do e-mail diz expressamente: "ele (José Sócrates)... dispõe-se a comparecer (...) onde e quando for determinado para ser ouvido".
Isso mesmo foi reiterado pelo meu advogado por contacto telefónico no mesmo dia, tendo o Diretor do DCIAP garantido que iria transmitir imediatamente o pedido, por mensagem telefónica, ao Procurador Rosário Teixeira. 
Estas diligências, obviamente, deitam por terra o que ainda pudesse restar da tese do "perigo de fuga". O que provam é o contrário: a minha inteira disponibilidade para colaborar com a Justiça e para vir ao processo prestar todos os esclarecimentos. O que é absolutamente extraordinário é que esse e-mail, enviado às 15h54 do dia 21, só tenha sido oficialmente recebido às 16h04 do dia 25, já depois de decretada a prisão preventiva, sustentada, entre outras, nessa alegação absurda do "perigo de fuga". Esse pequeno truque - ignorar o e-mail e sustentar o perigo de fuga - é muito revelador. Ainda estou à espera que o sr. Diretor do DCIAP se digne explicar o que se passou. 

Tentou, de alguma forma, evitar ser detido à chegada a Lisboa?

À chegada a Lisboa foi-me imediatamente comunicada a minha detenção e nada podia ser feito para a evitar. Depois, foi aquele circo mediático que estava montado e que todos puderam ver. A verdade é esta: a minha detenção nada teve a ver com Justiça, mas com espectáculo. Não se tratou de cumprir um qualquer objectivo jurídico legítimo mas teatralizar politicamente uma acção judicial. 
Retenho desses episódios um momento particularmente impressivo e significativo: a manifestação organizada por um Partido de inspiração fascista, ou nacionalista, cujos manifestantes ruidosamente aplaudiam as decisões do Juiz e do Procurador. Pela minha parte, eu, que nunca fui aplaudido por fascistas, o que vejo nestas decisões é um abuso. Um abuso das regras e do Direito. E, fiel à boa tradição democrática, considero o abuso contra qualquer cidadão uma ameaça aos demais. 

A sua defesa tem insistido que não existem fortes indícios de crimes no processo. Ma há uma pergunta que toda a gente faz: será possível imaginar que a justiça prenda alguém sem provas minimamente sólidas? Ainda para mais se esse alguém foi um primeiro ministro deste país?

Compreendo bem a pergunta sobre se é plausível que as autoridades tenham prendido um ex-primeiro-ministro sem terem nas mãos provas minimamente sólidas ou sem possuírem pelo menos fortes indícios da prática de crimes. Mas a verdade é que foi isso que aconteceu. Bem sei que as pessoas tenderão a pensar: "se ele está preso, é porque alguma coisa deve ter feito". E é evidente que a investigação joga com isso e com as "fugas" selectivas ao segredo de justiça para obter a condenação antes mesmo da sentença. Mas é cada vez mais claro que neste caso se prendeu para investigar. O que aconteceu aqui foi uma total precipitação de quem estava tão cego pela sua intenção persecutória ou tão convencido da sua teoria e das suas presunções que avançou sem provas ou sequer fortes indícios de quaisquer crimes. Aliás, as próprias "fugas" ao segredo de justiça, apesar do enorme esforço dos jornais do costume, mostram que este processo assenta muito mais em teorias e presunções do que em provas e indícios concretos. É por isso que esta prisão preventiva é abusiva, desproporcionada e ilegal. A minha esperança é que se perceba que, neste caso, salvar a face da Justiça não é o mesmo que salvar a face do Ministério Público. Salvar a face da Justiça é ter a lucidez e a coragem de garantir, neste como em todos os casos, o respeito integral pelos direitos fundamentais e pelo Estado de Direito. 

Enquanto Primeiro-ministro alguma vez tentou beneficiar empresas ou empresários com os planos de investimento lançados pelos seus Governos? Em concreto, ajudou, de alguma forma, os negócios do Grupo Lena, mesmo depois de deixar o Governo? Se o fez recebeu algo em troca?

Nunca, em nenhuma circunstância, durante todo o tempo em que exerci funções governativas, tomei qualquer iniciativa, directamente ou através de terceiros, para favorecer as empresas do Grupo Lena ou do meu amigo Carlos Santos Silva. Não tenho nada que ver com a vida empresarial dele, ele nunca me pediu nada enquanto fui membro do Governo. A nossa relação fraterna é pessoal não é profissional. 
Conheci os administradores do Grupo Lena como participantes em comitivas empresariais no contexto de visitas de Estado, em acções de diplomacia económica. Estive com eles, por essa altura, uma meia dúzia de vezes, sempre em encontros sociais. Tenho por eles e pelo seu grupo empresarial a maior consideração mas nunca, em todo o tempo em que fui membro do Governo, nem eles, nem ninguém por eles, me pediram seja o que for. 
Aproveito para esclarecer, já que isso tem sido maldosamente referido, que o projecto do Grupo Lena de construção de casas na Venezuela foi integrado no convénio comercial celebrado entre Portugal e a Venezuela em 2010 nos mesmos termos em que o foram outros projectos pendentes de várias empresas. O Governo português, como é prática na política de diplomacia económica, empenhou-se na concretização desse projecto da mesma forma que se empenhou noutros, sem qualquer discriminação ou favorecimento. 

É verdade que em Setembro de 2014 telefonou para o vice-presidente de Angola a interceder pelo Grupo Lena? Organizou ou tentou organizar um encontro entre as partes? Qual a razão?

Quanto ao telefonema para o vice-presidente de Angola, é verdade que, já neste último verão, vários anos depois de ter saído do Governo, num almoço com o meu amigo Carlos Santos Silva e um dos administradores do Grupo Lena, foi-me perguntado e pedido se podia diligenciar para que essa empresa fosse recebida pelo sr. vice-presidente de Angola. Acedi ao pedido por mera simpatia e fiz esse contacto com gosto, sem nenhum interesse que não fosse ajudar uma empresa portuguesa, como, aliás, fiz com outras. 

Afonso Camões, então administrador da agência Lusa, admitiu que o avisou em Maio de 2014 que estava a ser investigado. Qual foi a sua reacção e o que fez com esta informação?

Tenho bem presente essa conversa com Afonso Camões. Na altura, reagi a ela com o desprezo e a indiferença que sempre me mereceram os boatos e os rumores. Não lhe dei mais importância que isso. No entanto, essa conversa ganha, hoje, outra relevância, tendo em conta o que entretanto se passou. Desejo contar essa pequena história mas quero fazê-lo, em primeiro lugar, no sítio próprio: no processo, já aberto, de violação do segredo de justiça. Tendo já comunicado à Sra. Procuradora Geral esta minha disponibilidade, aguardo que me convoquem para prestar declarações. 
Mas não disfarcemos. O facto mais importante é a denúncia que Afonso Camões fez, que é gravíssima. Ela significa que, ao menos neste caso, as violações do segredo de justiça vieram precisamente daqueles a quem compete fazer justiça e aplicar lei. 
Quanto às "fugas" mais recentes ao segredo de justiça - que continuam de forma sistemática, incluindo sobre o teor de escutas políticas que seria suposto estarem guardadas num cofre por serem irrelevantes para o processo... - já que me perguntam por factos, deixo aqui alguns: 
1º facto : este processo está à guarda do Procurador e do Juiz.
2º facto : todas as "fugas" ao segredo de justiça, como se vê, têm sido favoráveis à acusação.
3º facto : um director de jornal escreveu expressamente num editorial que os jornalistas obtêm informações deste processo junto dos próprios responsáveis pela investigação.
4º facto : o jornal "Público", na sua edição do dia 20 de janeiro de 2015, na pág. 7, numa notícia sob o título "Director do JN foi à PGR falar sobre contactos com Sócrates", garantiu, preto no branco, que obteve informações sobre o conteúdo de certas escutas não junto da célebre "fonte conhecedora do processo", nem da enigmática "fonte judiciária", mas de "fonte judicial". 
Quatro factos. Perante estes factos, o que me espanta mais é o silêncio. Este silêncio é verdadeiramente impressionante. Mas se pensam que o silêncio conduz ao esquecimento estão equivocados. Há questões graves demais para serem silenciadas. 

O seu advogado, João Araújo, tem a convicção de que o procurador Rosário Teixeira e o juiz Carlos Alexandre foram fontes de informação de órgãos de comunicação social. Tem a mesma opinião? Baseada em que factos?

A questão das violações sistemáticas do segredo de justiça não pode ser dissociada da questão das minhas intervenções públicas. Sou obrigado a defender-me na praça pública porque é também na praça pública que estou a ser acusado e julgado. Era o que mais faltava que eu tivesse de assistir em silêncio à divulgação criminosa de informações manipuladas e objectivamente difamatórias sem fazer nada em defesa da minha honra e do meu bom nome. E não é só a violação do segredo de justiça, são as mentiras : malas de dinheiro que iam para Paris; o milhão descoberto num cofre que nunca foi meu; e agora um fundo que eu teria para "esconder" os imóveis que nunca tive. Tudo invenções e mentiras. E não aceito a confusão, completamente abusiva, entre a minha resposta às notícias difamatórias que são publicadas e um suposto "perigo de perturbação do inquérito", que também é invocado como fundamento para a minha prisão preventiva. Como se o inquérito fosse muito beneficiado com as "fugas" selectivas favoráveis à acusação e prejudicado pela apresentação de esclarecimentos favoráveis à defesa! Talvez o espanto não nos tenha, ainda, permitido apreciar a beleza da posição do Ministério Público: face a reiterados crimes de violação do segredo de justiça, de teor sempre favorável à acusação, parece que o Ministério Público acha que o que realmente perturba o inquérito é o exercício legítimo do direito de defesa da honra. Logo, a seguirmos esse raciocínio, a defesa do arguido é, em si, "perturbadora". Lindo! O ideal do Ministério Público será, portanto, o de um processo onde o arguido esteja em respeito, viradinho para a frente, sem se defender. Porque defender "é perturbar". E, antes de perdermos o pé nesta vertigem que nos obriga a viajar já tão para lá de tudo o que é aceitável na lealdade processual democrática, talvez convenha lembrar o nosso estimável Ministério Público que o que perturba, de facto, o inquérito são as constantes violações do segredo de justiça. Ora, nada disto é aceitavel, sobretudo quando uma pessoa é constantemente bombardeada com estas "fugas" ao segredo de justiça. Sejam claros: só há verdadeira perturbação do inquérito, susceptível de justificar uma medida restritiva da liberdade, quando há um risco real e concreto para a produção ou conservação da prova, não quando o visado por notícias difamatórias vem a público prestar simples esclarecimentos, mesmo que possam incomodar a versão da acusação. 

Em declarações anteriores confirmou que "face a algumas dificuldades de liquidez que atravessei em certos momentos (...) recorri várias vezes a empréstimos que o meu amigo Carlos Santos Silva me concedeu para pagar despesas diversas". A PGR disse, em comunicado, que o inquérito está a investigar "operações bancárias, movimentos e transferências de dinheiro sem justificação conhecida e legalmente admissível". Consegue justificar todos esses movimentos suspeitos? Tendo admitido dificuldades de liquidez, por que razão optou por um estilo de vida tão dispendioso?

Tínhamos de acabar aqui: no meu "estilo de vida", que dizem "dispendioso", na crítica de costumes e no julgamento moral que inspira desde o início toda a campanha do "Correio da Manhã" contra mim. Não admito, nem alimento, esses julgamentos. Nem sequer para comentar a mesquinhez dos que acham que é um "luxo" tirar um mestrado em Sciences Po ou ter filhos a estudar numa escola estrangeira. 
Quanto aos movimentos financeiros alegadamente "suspeitos", já expliquei o essencial que havia a explicar: o engº Carlos Santos Silva fez-me empréstimos que sempre tencionei e tenciono pagar. Essa é a verdade e não constitui crime, nem aqui nem em lado nenhum do Mundo. Por outro lado, ao contrário do que se pretendeu fazer crer, não há nenhuma contradição entre a existência desses empréstimos e o outro que também contraí, e entretanto paguei, junto da Caixa Geral de Depósitos. Tal como o facto de ter tido dificuldades de liquidez num certo período da minha vida não significa que não tivesse um horizonte financeiro, pessoal e familiar, compatível com o meu nível de despesas. Mas, já agora, sem querer "perturbar" esta tão interessante discussão das várias teorias sobre a minha vida pessoal e financeira, talvez valha a pena recordar que estamos no âmbito de um processo criminal, que é suposto investigar crimes e sustentar-se em factos, não em opiniões sobre a vida dos outros. Por isso, pondo de lado as teorias, as presunções, a coscuvilhice e os julgamentos morais que têm enchido as páginas dos jornais e animado tantos comentários, e tendo eu já respondido a tantas perguntas, há talvez uma pergunta a que a acusação deveria nesta altura responder: afinal, onde é que estão as famosas "provas" ou os "fortes indícios" dos crimes que me imputam? E, ao certo, de que crimes concretos é que estamos a falar? É essa a resposta que falta. E, enquanto faltar, nem esta prisão preventiva se justifica nem este processo pode ter futuro. 

Para além de preparar a sua defesa, como ocupa o tempo na cadeia?

A prisão é uma coisa séria e tenho sobre ela muita coisa a dizer. Mas deixemos isso para outra altura. Tenho demasiado respeito por quem aqui está para me entregar ao exercício "voyeurista" da descrição do quotidiano prisional. Deixemos isso para os "tablóides". 

Tem recebido muitas visitas na cadeia. Sente, ainda assim, que alguns amigos se afastaram?

Não, não senti que os amigos se afastaram. Eles sabem da monstruosa injustiça que foi cometida e o seu significado político. Tenho comigo os meus amigos de sempre e os que sempre quis ter.


terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

"Tarde piaste"


Cartoon ELIAS O SEM ABRIGO DE R. REIMÃO E ANÍBAL F. 03-02-201

As "forças de bloqueio" estão de regresso

A famosa expressão "forças de bloqueio" da autoria de Cavaco Silva está de volta agora em edição do deputado do PSD, Miguel Santos que acusa o actual bastonário da Ordem dos Médicos de ser uma "força de bloqueio permanente".
Com esta intervenção, o deputado Miguel Santos revela, por um lado, que tem vocação para tratar do tema, mas prova, por outro lado, ser competente para detectar e para lidar com as ditas "forças de bloqueio". 
Cavaco, que está de malas aviadas, e o PSD têm todos os motivos para se regozijarem com o aparecimento deste especialista em "forças de bloqueio". A "pasta" deixada vaga por Cavaco está, ao que esta primeira intervenção indicia, entregue a um digno substituto. Se seguir o mesmo caminho do antecessor, vai longe...
Sortudo(s)! 

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Nova edição do conto do vigário


Sabe-se que a vitória do Syriza nas recentes eleições legislativas gregas desagradou profundamente a Passos Coelho, que não só não escondeu o desgosto, como, indo mais longe, contra todas as regras da urbanidade e da diplomacia, se permitiu classificar o programa do Syriza, sufragado pelo gregos, como um "conto para crianças".
A afirmação de Coelho não foi particularmente bem recebida pela crítica da "especialidade" e com toda a razão, até porque não é fácil encontrar uma explicação para o insólito comportamento de Passos Coelho. Admito, porém, que a explicação possa ter algo a ver com o facto de o próprio Coelho ser também ele um cultor do género conto. E se é verdade que o público alvo de Coelho não são as crianças, pois ele cultiva apenas o modelo do "conto do vigário",  não é de excluir que haja da parte dele o receio de que pelo menos uma parte da sua clientela abandone o "conto do vigário" para passar a deliciar-se com os contos para crianças.
É compreensível, pois, a meu ver, o seu receio, até porque Passos Coelho é incapaz, como está amplamente demonstrado, de fugir do modelo que tem vindo a seguir. O mais que ele consegue é fazer sucessivas edições do mesmo conto e, há que reconhecê-lo, até tem alguma vantagem em assim proceder. 
A primeira edição do conto do vigário por ele apresentado aquando das últimas legislativas teve um sucesso inegável. A edição seguinte, sob o lema "Que se lixem as eleições", foi outro êxito pelo menos ao nível dos órgãos de comunicação social que encheram paginas e prencheram horas de comentários favoráveis ao dichote. 
Com a aproximação das eleições legislativas, estamos já a assistir a uma nova edição do mesmo conto do vigário. O lema  "que se lixem as eleições" já foi chão que deu uvas. Na nova edição, o conto do vigário é multifacetado: ora se inventam sucessos que só existem na imaginação de Passos e dos seus apaniguados, ora se negam os factos por demasiado evidentes que eles sejam. Ou seja, toda a mentira é permitida, desde que não se lixem as eleições.
Não sei se o conto do vigário na nova edição vai ter sucesso. O que sei sim é que vigarista continuamos a ter. Tolos suficientes é que não sei. Mas não juro nada.

"Algo está podre no reino da Dinamarca"

«"O juiz, depois do procurador Rosário Teixeira ter pedido a prisão preventiva, afirmou que esta medida de coação, a pecar, não era por excesso." DN de 27/1.

Tente ignorar que esta frase respeita a um processo em que está envolvido José Sócrates. Faça uma tentativa para esquecer que ele foi o homem que arruinou Portugal ou o herói que lutou até ao fim contra a intervenção externa. Desta vez, ponha para trás a sua convicção de que ele foi o melhor político português desde D. Afonso Henriques. Ou o pior. Pode ser complicado, mas assuma que está como praticamente toda a gente: não sabe se ele é culpado ou inocente dos crimes pelos quais está indiciado.

(...)

Olhe para si como alguém que tem de ser um garante do Estado de direito, que tem de cumprir escrupulosamente a lei, de ser um bastião dos direitos consagrados na Constituição da República Portuguesa, um ponto de equilíbrio entre quem acusa e quem defende. Que sabe que não pode pactuar com julgamentos na praça pública, que não os pode promover passando ou deixando passar para esgotos a céu aberto, mascarados de jornais, pedaços de informação que devem permanecer confidenciais. Que jamais utilizará esses lodaçais para obter na praça pública as condenações que a lei e os seus procedimentos não permitem. Que não pode permitir que escutas sejam tornadas públicas, nem as que interessam ao processo nem as que não têm pingo de interesse para o que quer que seja senão para achincalhamentos públicos. Mais, que tem de ter um extremo cuidado para que essas não aconteçam e o mais depressa possível sejam destruídas.

Não se esqueça, também, que tem de ter uma exata noção da importância de uma decisão que sujeita a prisão alguém que ainda não foi, de facto, julgado. Alguém que ainda não pode defender-se de uma forma absolutamente cabal. Já imaginou a responsabilidade de tirar aquilo que a civilização ocidental considera o mais precioso bem? É que não há, em qualquer sistema de justiça de uma democracia, maior pena que a privação da liberdade.

Há, no entanto, um juiz que considera que tem indícios tão graves, tão graves, que está tão convicto da culpabilidade de alguém, que não só acha que ele deve estar preso - cumprindo, claro está, os requisitos da lei, ou melhor, estando certo de que esses requisitos se aplicam - que até pensa que devia existir uma medida de coação mais contundente. Dado que no nosso sistema não há nenhuma mais grave, em que é que o juiz estará a pensar? Chicotadas, tipo sharia? Não deve ser isso - é que até para aplicar chicotadas os condenados têm de ser julgados antes.

Aliás, achando que a prisão preventiva, neste caso, peca por defeito, das duas uma: ou o juiz pensa que o ex-primeiro-ministro deva ser amarrado e amordaçado para que não possa fugir, destruir provas ou repetir os crimes pelos quais está indiciado, ou então olha para essa prisão como uma pena e acha--a até leve. Qual das duas possibilidades a pior.

Verdade seja dita, nada se ganha em tentar interpretar aquela frase. Ela fala por si. Basta que fiquemos com a certeza de que há um juiz que pensa que a prisão preventiva não é medida de coação suficiente. Convinha, no mínimo, saber se já o tinha dito para outros casos e qual seria a sua sugestão para algo mais grave que a privação de liberdade sem julgamento. É que se o juiz Carlos Alexandre só fez este tipo de comentário no caso Sócrates, parece evidente que tem um preconceito contra o arguido em causa e que, assim sendo, não está capaz de cumprir corretamente as suas funções neste processo. Mas se também os fez noutros processos tem um problema mais grave, digamos assim.

De tudo, o que mais impressiona é a forma como aquele comentário não causou um tumulto na comunidade. Um juiz que tem os mais importantes processos deste país, faz um comentário daquela gravidade e toda a gente encolhe os ombros. Ouvimos uma ministra da Justiça a dizer que fala para o telefone como se fosse um gravador, vemos peças processuais em segredo de justiça a aparecer nos jornais, escutas circulam como se nada fosse, sentenças são lavradas dizendo que se julga interpretando o sentir da comunidade e tudo é encarado com normalidade: a anormalidade tornou-se normal. Só isso pode explicar que nem um único político tivesse uma palavra sobre o assunto, que nem um editorial tivesse sido dedicado a este assunto, que nem um único representante da justiça se tivesse indignado.

Não, o que se passa no processo Sócrates está longe, muito longe de ser normal. Mas o mal é mesmo maior, muito maior.
»

(Pedro Marques Lopes;" Anestesiados". Na íntegra: aqui)

(A ser verdade que para o juiz Carlos Alexandre a prisão preventiva pode pecar, não por excesso, mas por defeito, quando a lei portuguesa, por força do disposto na própria Constituição da República, não admite, nem conhece medida de coacção mais grave, é caso para nos questionarmos como é que um tal indivíduo pode continuar a ser juiz. Se tal continuar a ser possível é porque "algo está podre no reino da Dinamarca". Definitivamente.) 

domingo, 1 de fevereiro de 2015

Diagnóstico feito...

«A verdade é que não controlaram a dívida, a dívida continua a aumentar e nós estamos depois destes três anos com uma enorme carga fiscal, com a economia paralisada, com um aumento do empobrecimento e com a dívida a aumentar.» (António Costa)
Venha a terapia.
(Imagem e citação daqui)

Um duplo "Pois não!"

«(...)
A memória dos portugueses não é famosa e ninguém se lembrou do célebre episódio do “gato por lebre”, que inaugurou a carreira do homem. Só a esquerda, que o odeia com uma intensidade assustadora, ferrou o dente naquela miserável trapalhada e não a deixará tão cedo. E com razão. O dr. Cavaco exibe a cada passo, até nos mais pequenos pormenores, a sua incapacidade para o cargo em que infelizmente o puseram. Este incidente não é uma gaffe inócua e desculpável, é uma intervenção profunda na vida material do país, agravada por uma fuga desordenada à franqueza e à verdade política. O sr. Presidente da República devia daqui em diante observar um silêncio penitente e total, com o fim meritório de não assanhar a crise que ele consentiu e em parte criou. Não merece a nossa confiança
(Vasco Pulido Valente; "Voto de não-confiança". Na íntegra aqui, para assinantes do "Público" )

Um duplo "pois não!" digo eu, porque, de facto, nem Cavaco é merecedor de confiança, nem a memória dos portugueses é famosa. Se fosse, nunca Cavaco teria sido eleito.