terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Refém

Afadigam-se jornalistas e/ou comentadores à procura duma explicação para o facto de Passos Coelho ter apresentado Miguel Relvas como seu cabeça de lista para o Conselho Nacional do PSD. O caso suscita, sem dúvida, a maior das perplexidades por todas as razões e mais uma, como transparece dos dois textos que a seguir se reproduzem:

"(...) Pedro Passos Coelho (...) decidiu recuperar o velho parceiro para o conselho nacional do partido. E com ele regressaram as perguntas. É porque são muito amigos? Mas se Relvas fosse mesmo muito amigo do primeiro-ministro saberia com certeza reconhecer que a sua presença ao seu lado o prejudica politicamente, e seria o primeiro a afastar-se, por amizade. É porque Passos Coelho precisa de Relvas para gerir o próximo ciclo eleitoral? Mas, para isso, não precisava de estar em primeiro lugar na lista do conselho nacional do PSD – Relvas poderia perfeitamente fazer esse trabalho nos bastidores. É porque Passos Coelho, como sugeriu Marcelo Rebelo de Sousa, é muito teimoso? Mas teimosia é não deixar cair, não é ir buscar novamente depois de já ter caído. O casal Relvas-Coelho não casa, nunca casou e, no entanto, insiste em permanecer casado. O mistério adensa-se. E se os mistérios são óptimos em policiais, são péssimos em democracia." [João Miguel Tavares (JMT), hoje, no "Público"]

"O regresso de Miguel Relvas é a TSU de Passos Coelho. Um misto de teimosia, amizade cega e inconsciência que permite repescar a pessoa que lhe faz perder mais votos dentro e fora do partido." [Ricardo Costa (RC), aqui]

Se nenhuma das razões avançadas por JMT e/ou por RC explica a opção de Passos Coelho, visto que não há indícios de ele ter vocação para suicida político, não resta outra explicação que não seja a de que Coelho, por algum motivo, é refém de Relvas. Qual seja esse motivo também eu gostaria de saber.

Novas do "sucesso"

Em 2013?

Sim, no ano de todos os "milagres".

domingo, 23 de fevereiro de 2014

E porque não duas confirmações?

Confesso que não prestei a menor atenção ao desenrolar dos trabalhos do congresso do PSD, pelo que não me sinto habilitado a tecer qualquer comentário sobre as matérias ali tratadas, se é que houve assuntos que tenham merecido a atenção dos congressistas, entretidos, ao que me dizem, a festejar não sei o quê. Tal não me impede, no entanto, que faça aqui alusão a dois factos que a comunicação social qualificou como duas das grandes surpresas do congresso. Foram eles: a apresentação por parte de Passos Coelho de uma lista para o Conselho Nacional encabeçada por Miguel Relvas; e o inesperado aparecimento de Marcelo de Rebelo de Sousa no congresso, onde não só esteve presente como discursou, quando o  próprio repetidamente afirmara que não poria lá os pés.
Os factos relatados pelos media constituem, na verdade, duas autênticas surpresas, mas são, em simultâneo, outras tantas confirmações: a apresentação por parte de Passos Coelho de Miguel Relvas com cabeça de lista confirma o que já muita gente afirmara, ou seja, que estão bem um para o outro; a presença de Marcelo só vem dar razão a quem o qualificou como cata-vento. 
Por minha conta direi apenas que, com a sua ida ao congresso, Marcelo "fez-se [de novo] ao piso" (segundo a sua própria expressão) como candidato à presidência da República, mostrando assim ter, mais ou menos, a consistência da gelatina.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

O óbvio

"(...)uma economia que sofreu três anos consecutivos de recessão, viu o desemprego disparar para 16% e regista uma dívida pública que galgou em três anos dos 94% para os 130% do PIB não está nem pode estar melhor do que estava."
(Pedro Silva Pereira; "O tiro no porta-aviões". Na íntegra: aqui)

Que nunca a voz lhe doa...

Neste caso, a Pedro Silva Pereira, deputado do PS, aqui em intervenção proferida na Assembleia da República sobre o relatório do FMI. 

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Abriu a época da caça?

FMI dá tiro no porta-aviões de Paulo Portas
Constitucional chumba referendo à co-adopção


Tiro no porta-aviões

O optimismo do governo sobre o andamento da economia, baseado nas exportações, o "porta-aviões da recuperação", segundo Portas, parece não convencer o FMI que considera, e bem, no relatório da décima avaliação ao programa de ajustamento, publicado esta quarta-feira, que "o ajustamento externo tem sido conseguido, em larga parte, devido à compressão das importações de bens que não sejam combustíveis e, ultimamente, ao crescimento das exportações de combustíveis", o que torna problemática a sustentabilidade do ajustamento (e, logo, do crescimento), uma vez que é de contar que as importações venham a crescer devido à retoma do mercado interno; que a capacidade de refinação da Galp terá já atingido o limite; e que o acréscimo de visitantes verificado no sector do turismo é, com grande probabilidade, fruto de circunstâncias irrepetíveis no futuro.
Considera o Negócios que o relatório do FMI é, por isso, um "tiro no porta-aviões de Portas" e está bem visto. De facto, ainda que não atinja o porta-aviões que Portas não tem (ele é mais virado para os submarinos) não deixa de ser um tiro na prosápia que Portas possui com abundância.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

"Nas mãos de uma refinaria"

"(...) A refinaria da Galp em Sines vai entrar em obras de manutenção. O que poderia ser uma notícia normal, desejável até, torna-se neste país colado por arames numa preocupação. Porque se a Galp entra em obras talvez não refine a quantidade de crude pesado que pode refinar. E se não refinar não vende. E se não vende, o desempenho do principal motor da economia, as exportações, fica ameaçado". (Análise de Manuel Carvalho, hoje no "Público". Extracto)
É caso para dizer, usando as palavras do título da peça em questão, que a economia portuguesa está, em grande medida, "nas mãos de uma refinaria", sinal de que o propagandeado "sucesso" da política do governo de Passos & Cª não passa, afinal, de pura  mistificação difundida com a prestimosa colaboração da maioria dos órgãos da comunicação social.

Com três anos de atraso

Um entendimento que, por sinal, ele recusou há cerca de três anos, com trágicas consequências para a grande maioria dos portugueses, consequências cuja gravidade estamos ainda longe de poder avaliar em toda a sua verdadeira dimensão. 
Antes que uma tal avaliação seja feita e enquanto não se apurar, com rigor, toda a responsabilidade de Passos e Cª na tragédia para que conduziu o país, qualquer entendimento com a maioria que, de há três anos a esta parte, está apostada no empobrecimento do país, só poderia ser visto como uma absolvição da política deste (des)governo. A menos que o PS se disponha a cometer suicídio, um tal entendimento, agora, é impensável.

Ilusões à venda

(Via)
(Clicando na imagem, amplia)

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Perguntas que também eu faço

"(...)
1. Tendo em conta que dos objectivos iniciais do Memorando, considerados fundamentais (e que eram apresentados como a cartilha inexorável do governo até à demissão de Vítor Gaspar), se contava conseguir controlar o défice para os seguintes números: 5,9% em 2011, 4,5% em 2012, 3% em 2013 e se chega ao final de 2013 com o défice previsto de 5%, como é que se pode afirmar que o “cumprimento” do Memorando foi um “sucesso”?

2. Tendo em conta que a dívida máxima prevista no Memorando era de 114,9 % do PIB, e a dívida no final de 2013 era de perto dos 130% do PIB, como é que se pode afirmar que o “cumprimento” do Memorando foi um sucesso?

3. Tendo em conta que, mesmo estes resultados, muito longe dos objectivos iniciais, só foram conseguidos quer pelo aumento brutal dos impostos, fazendo a consolidação orçamental essencialmente do lado da receita e não da despesa como estava previsto, quer através do contínuo uso de receitas extraordinárias, presentes em todos os orçamentos desde 2011 (incorporação de fundos de pensões, perdões fiscais, etc.), como é que se pode afirmar que o “cumprimento” do Memorando foi um sucesso?

4. Tendo em conta que o objectivo do Governo era usar o Memorando “indo além da troika” para fazer uma “revolução” nos comportamentos gastadores dos portugueses e numa refundação estrutural da economia portuguesa, e que isso previa, em 2011, conseguir-se bastante depressa, onde é que existem esses novos hábitos que não resultem da maior penúria de pessoas e famílias, e onde estão os sinais das mudanças estruturais da economia portuguesa? Como é que se pode afirmar que o “cumprimento” do Memorando foi um sucesso para garantir estes objectivos?

5. Como o controlo da balança de pagamentos se fez essencialmente à custa da recessão da economia e da brutal quebra do consumo, como é que se pode esperar que qualquer recuperação económica, por pequena que seja, não ponha em causa esse controlo?

6. Que papel têm no fechar de olhos europeu e da troika a estes resultados muito longe do previsto, as circunstâncias políticas das próximas eleições europeias com um ascenso claro de forças antieuropeias para quem a permanência da crise do euro e das dívidas soberanas é um argumento central?

7. Ou que papel tem na fácil aceitação de resultados medíocres, e mesmo no seu elogio público por responsáveis europeus, a consciência de que não é possível prosseguir estas políticas, entre outras coisas porque não existe consenso europeu para continuar a apoiar directamente os países do Sul endividados e, por isso, ser mais fácil fazer uma cosmética do sucesso do que uma verificação do falhanço? Ou por se temer que a má fama dos “protegidos” do “protectorado” atinja a boa fama dos “protectores”?

8. Por que razão em 2011, quando se iniciaram políticas em nome do cumprimento do Memorando, e, supostamente por ordens da troika (o que é inverificável por não haver documentação acessível sobre a evolução das conversações, não se sabendo o que veio da troika e o que veio do Governo português), não se previa outra solução que não fosse o “regresso aos mercados” em 2014, e, a partir de 2013, se passou a discutir a possibilidade de um novo resgate, seja sob a forma de um outro empréstimo, seja de um "plano cautelar"?

9. Isso significa que existe a consciência de que em 2014 Portugal tem de continuar a estar sob qualquer forma de assistência internacional? Durante quanto tempo? Se se tiver em conta o chamado Pacto Orçamental, para sempre?

10. Se Portugal tiver uma “saída limpa”, ou à irlandesa, isso deve-se às vantagens políticas dessa solução em vésperas de eleições ou à convicção do Governo de que, no futuro imediato, aconteça o que acontecer, os juros portugueses permanecerão abaixo dos 4,5% a longo prazo? E que garantias existem para que, caso isso não aconteça depois de 2015, e terminado o “tesouro de guerra” adquirido nestas últimas emissões, não haverá necessidade de um novo resgate?

11. Será que o Governo espera recolher os louros de curto prazo com uma saída “limpa” e depois deixar os problemas de sustentabilidade da “limpeza” para os seus sucessores na governação? Quem vier a seguir encontrará uma espécie de bomba relógio deixada pela “saída limpa” que permanece dormente durante dois anos e depois explode nas mãos de quem estiver no Governo?

12. Quando é que as políticas de severa austeridade serão, no entender do Governo, primeiro mitigadas e depois terminadas? Daqui a dez anos? Vinte? Trinta? Todos estes números já foram avançados, mas convinha saber o que pensa o actual Governo.

13. Ou seja, quando é que os salários começam a crescer, o desemprego a diminuir, as reformas a retomar valores do passado, o poder de compra dos portugueses a aumentar? Ou seja, a haver uma recuperação social e não apenas uma recuperação económica, cujos frutos a existir podem não ser distribuídos ou ser distribuídos de forma desigual?

14. Tendo em conta que o Governo responderá a todas estas perguntas anteriores e às seguintes com “depende da recuperação económica”, como espera o Governo repor os canais de justiça social que tem vindo a fechar nos últimos dois anos, ao baixar salários, despedir pessoas, acentuar a taxação sobre o trabalho, ou fazer aquilo que eufemisticamente se chama “desvalorização fiscal”? Ou seja, o que é que o Governo vai fazer para que o “milagre económico”, que depende das empresas, mas também do trabalho, conheça uma mais equilibrada distribuição de riqueza na sociedade, para evitar agravar o fosso da sociedade portuguesa, entre ricos e pobres? Ou seja, quando começa a por termo às politicas actuais?

15. Tendo em conta que existem algumas centenas de milhares de portugueses (duas, três centenas de milhares?) que estão desempregados mas fora das estatísticas do desemprego, os chamados “desencorajados”, que já nem sequer se deslocam aos centros de emprego regularmente, que políticas tem este Governo para este número muito elevado de portugueses? Desde já.

16. Tendo em conta que existem mais umas largas centenas de milhares de portugueses – 525 mil desempregados de longa duração, dos quais 342 mil estão nessa situação há mais de dois anos – que não têm perspectivas de emprego provavelmente até ao fim da vida, que políticas tem este Governo para este número muito elevado de portugueses? Desde já.

17. Tendo em conta que cerca de 25% dos portugueses são pobres, número certamente abaixo da realidade, e em claro crescimento, sendo que 4,5 milhões de portugueses estariam na pobreza sem prestações sociais, que políticas têm este Governo para este número muito elevado de pessoas?

18. Tendo em conta que o Governo diz que “protege” estes pobres dos efeitos da crise (o que não inclui os custos dos aumentos de rendas, da energia, dos transportes, dos produtos e serviços básicos, mas apenas a “protecção” de pensões e prestações sociais muito baixas), significa isso que se limita a uma atitude passiva de manter a grande bolha de pobreza, mas não dá aos que estão lá dentro qualquer possibilidade de aí saírem? Ou seja, que políticas existem ou estão previstas para retirar as pessoas da pobreza? Ou a sua condição é considerada imutável apenas para manter de forma mais ou menos assistencial?

19. Como é que o Governo pode pensar que em Portugal se vai dar um “milagre” económico com a pauperização do principal sector dinâmico da sociedade, a classe média? Como é que, com uma classe média cada vez mais frágil, é possível manter um elevador que garanta a mobilidade social de baixo para cima, sem a qual qualquer “milagre” económico não existe a não ser como propaganda? Ou o Governo entende que uma coisa é a “recuperação económica”, que diz respeito às “empresas”; e que a “recuperação social” ou é um subproduto espúrio da actividade empresarial, ou não é uma prioridade política?

20. Quando o Governo fala dos portugueses, considera que está a falar destes muitos milhões de pessoas para quem não existe qualquer perspectiva de futuro e para quem o Governo não tem quaisquer políticas e aparenta não se preocupar por não ter? Afinal quem são os portugueses reais se não são estes milhões de portugueses?"
(José Pacheco Pereira. Perguntas que eu gostaria de fazer a propósito do "milagre económico". Na íntegra: aqui.)

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

" A ver navios"

"Enquanto se prolonga o impasse na construção da ligação ferroviária para mercadorias projectada para ligar o Porto de Sines ao resto da Europa, prossegue a contagem decrescente para o fim das obras de alargamento do Canal do Panamá, que terminam já em 2015.

Por este andar, a economia portuguesa e o Porto de Sines correm o risco de ficar a ver navios.

Como todos reconhecem, o alargamento do Canal do Panamá constitui uma oportunidade extraordinária para a nossa economia, sendo que o Porto de Sines reúne condições excelentes para tirar partido da sua localização privilegiada e atrair o tráfego dos grandes navios porta-contentores. Para isso, todavia, Sines precisa de ver assegurada uma ligação ferroviária que garanta o acesso expedito das suas mercadorias a Madrid e ao resto da Europa. Isto significa que é imperioso - como reconhece o próprio grupo de trabalho governamental nomeado para estudar os investimentos prioritários - relançar o projecto de construção do troço ferroviário Évora-Caia-Badajoz, que o actual Governo erradamente mandou suspender já lá vão mais de dois anos. Só que o tempo passa e, apesar de muita conversa, nada acontece.

Em Outubro do ano passado, recorde-se, o primeiro-ministro, de visita ao Panamá, não tinha sequer um calendário para anunciar: "Não tenho nesta altura ainda uma data fixa para a poder anunciar. O que posso dizer é que estamos a fazer tudo para que não haja um grande desfasamento (sic) entre a oportunidade que se abre aqui (com o alargamento do Canal do Panamá) até meio, fim de 2015, e as obras do lado de Sines, que permitirão levar a ligação (ferroviária) de Sines até à fronteira espanhola" (Diário Económico, 18-10-13). 

Sucede que esta semana, finalmente, tivemos notícias sobre a verdadeira dimensão do "desfasamento" admitido pelo primeiro-ministro. Em declarações ao jornal Público, o presidente da REFER, Rui Loureiro, revelou que apenas espera "poder começar" as obras em 2017, pelo que a ligação ferroviária só estará pronta, na melhor das hipóteses, lá para 2019. Ou seja: com os seus erros e adiamentos, o Governo vai falhar por quatro anos (!) a conclusão de uma infra-estrutura de evidente interesse nacional para tirar pleno partido do alargamento do Canal do Panamá. Entretanto, a economia espera. E o País desespera."
(Pedro Silva Pereira. Na íntegra: aqui) (Sublinhado meu)

Como deus...

...Arnaut está em toda a parte (onde cheire a privatização). E a dinheiro, por supuesto!

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Censores não faltam

Por aí andam, pelo menos, uns 138.000 prontos a servir um qualquer ditador. Felizmente para a generalidade dos cidadão deste país, as circunstâncias de tempo, lugar e modo, não são favoráveis ao aparecimento da sinistra figura. Servos já tinha. E com fartura.

"Uma tragédia em três atos"

Portugal mais perto da saída à irlandesa». Era esta a manchete de anteontem do Negócios. Há quem queira ver nisto um «milagre económico português», mas provavelmente estamos perante o último ato da tragédia política, económica e financeira que se abateu sobre o país nos últimos anos. 

O primeiro ato foi o pedido de resgate e a chegada da Troika. No contexto da crise global e sistémica que atingiu a Zona Euro, está hoje amplamente demonstrado que a Europa queria para Portugal uma solução diferente do resgate à Grega ou à Irlandesa. Essa solução diferente estava encontrada e negociada, e foi conscientemente rejeitada pelos partidos da maioria. A vinda da Troika foi pois uma opção clara e consciente de vastos sectores em Portugal, numa aliança explícita entre aqueles que procuravam chegar avidamente ao poder e os que, na direita liberal, viram a oportunidade de aplicar um programa político há muito ambicionado. Foi assim que Portugal entrou num processo profundamente doloroso a nível económico, social e político. 

O segundo ato desta tragédia foi a forma escolhida para a execução do memorando de entendimento. Em vez de seguir uma estratégia prudente e flexível, assente na manutenção dos diferentes equilíbrios e numa atitude de negociação tensa e permanente com a Troika, o Governo optou por assumir como sua a leitura de que a "culpa da crise" estava nos países deficitários do Sul e no peso do Estado Social. O "front-loading" orçamental e a desvalorização salarial acelerada não resultaram sobretudo de uma imposição externa. Foram antes opções políticas conscientes de um projecto político e ideológico que tem no combate ao Estado e na desvalorização interna (e não no combate à crise) o seu elemento central. 

Os resultados desta estratégia são, infelizmente, bem conhecidos. Nenhuma das metas iniciais do memorando de entendimento foi cumprida, o défice continua elevado e não teve redução sustentável, a dívida disparou, a recessão foi muito mais profunda e o desemprego mantém-se em níveis socialmente insustentáveis. E mais importante, apesar de toda a retórica em torno das reformas estruturais, não assistimos a nada que possa indiciar uma qualquer melhoria da capacidade competitiva da economia portuguesa e da sua capacidade de crescimento. Pelo contrário, vários indicadores apontam para que estejamos pior ao nível do que são hoje modernos factores de competitividade (a imigração de quadros qualificados ou o investimento em ciência são dois exemplos apenas). Em síntese, a aplicação do programa constituiu para a direita liberal a oportunidade de concretizar um velho sonho, mas não permitiu ao país qualquer melhoria na sua capacidade de vencer a crise. 

Já com o fim (formal) do programa de ajustamento à vista entramos no terceiro ato desta tragédia. Nem o Governo português nem os governos europeus querem ouvir falar em mais resgates. Passos e Portas, motivados pela obtenção de ganhos políticos de curto prazo ("nós retiramos de cá a Troika e agora vamos melhorar"), contam com a cumplicidade pré-eleitoral da Europa para uma «saída limpa». Trata-se, na verdade, de uma saída sem rede, num momento em que o estado do país não se compadece com voluntarismos que podem ter efeitos irremediáveis. 

Na verdade, o peso da dívida pública no PIB que era de 70% em 2008 está hoje acima dos 125%. Na emissão de dívida desta semana (mais uma para preparar a «saída limpa») os juros superavam os 5%, mais do que aquele (já alto) que atualmente pagamos à Troika e muito mais alto do que as nossas condições realisticamente permitem sustentar. Ora, como nada nos permite antecipar níveis de crescimento económico (e de redução do défice) compatíveis com este nível de endividamento e de taxa de juro, é bem possível que nos estejam a empurrar para o abismo. E que estejam, ao mesmo tempo, a assegurar a entrada do país num período de "austeridade perpétua", agora sustentada pela necessidade de "não deixar a Troika regressar". De novo a aliança explícita entre os que procuram a todo o custo manter o poder e aqueles que o procuram para aplicação de um programa ideológico que não de superação da crise. 

Vítor Gaspar admitiu recentemente que se apercebeu da «força e da relevância da política» após a reação que a demissão de Paulo Portas provocou nos mercados. A história já aconteceu antes e repete-se agora, a propósito da «saída à irlandesa». Estamos a falar «da força e da relevância da política», mas da política de «p» pequeno, i.e., da prevalência do interesse próprio dos actores políticos sobre o interesse do país. Pois este último impunha outras soluções.’
(Fernando Medina) (Sublinhados meus) 
(Via)

Não está mal visto!

Com as minhas preces, é certo, que não chega lá.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Por montes e vales (21)









Serra das Mesas (formação geológica integrante da Serra de Malcata) nas proximidades da nascente do Rio Côa (freguesia de Foios, concelho do Sabugal). (Fotos captadas a escassas centenas de metros da fronteira com Espanha)

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

"É preciso ter azar", ou a ética do "bando"

"A rifa do fisco que acaba de ser anunciada pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, onde são sorteados carros topo de gama entre os consumidores que incluam os seus números de identificação fiscal (NIF) nos recibos das suas compras, é mais um exemplo perfeito da forma como funciona o Governo PSD/CDS: qualquer truque é aceitável desde que proteja os mais ricos, permita um golpe de propaganda populista e distraia as pessoas dos seus verdadeiros problemas, acenando-lhes com benefícios futuros que nunca vão conquistar.
(...)

A medida é moralmente retorcida (...). Seria lógico e louvável que o Estado (que é uma coisa diferente do Governo, ainda que este, ilegitimamente, se apodere do património do Estado como se fosse seu) lançasse uma campanha promovendo a moralidade do pagamento de impostos, que são a base do financiamento dos serviços públicos, e incentivasse os cidadãos a cumprir as suas obrigações fiscais. Mas é impossível fazer isso quando o Governo usa o Estado para roubar os cidadãos e os submete a uma carga fiscal imoral para arrebanhar dinheiro para pagar aos bancos uma dívida insustentável que deveria ter renegociado. De facto, o Governo não pode usar um discurso moral sem que o país inteiro se escangalhe a rir na sua cara e, por isso, a única forma que encontrou para dizer aos cidadãos que devem pagar impostos foi dizer-lhes que com isso podem ganhar um carro. É a mais venal das razões, mas essa é a única moralidade que os membros do Governo conhecem.

Há ainda outra razão imoral escondida: o bando que ocupa o Governo tem uma dificuldade de raiz ideológica em construir um discurso em torno de conceitos como comunidade, bem comum, serviços públicos ou património público e, por isso, prefere incentivar o pagamento dos impostos através da possibilidade de um benefício pessoal. Benefício pessoal é algo que eles percebem.

E porquê o carro “topo de gama”? Porque não simplesmente um carro ou dez carros? Porquê este conceito antiecológico que até fez a Quercus dar prova de vida e vir a terreiro contestar (e propor um carro eléctrico)? Porquê? Porque estamos a lidar com o PSD e o CDS, meus senhores, e não se pode pedir a uma rã que cante Schubert.

Isto do Governo tem-se vindo a degradar nos últimos anos e hoje temos no Governo a maltosa dos carros “topo de gama”, o novo-riquismo em todo o seu esplendor, o novo-raquitismo mental, analfabetos com botões de punho a condizer, monogramados. Para um jota não há maior glória que parecer um catálogo “topo de gama” e aparecer em revistas. Para um jota isso é a felicidade. Porquê a rifa do carro “topo de gama”? Porque os jotas pensam que qualquer um pode ser comprado com um carro “topo de gama” porque qualquer um deles se venderia exactamente pelo mesmo preço. O carrito “topo de gama” é o alfa e o ómega da carreira de um jota que se preze, é o simbolo de quem triunfou na vida, de quem é “alguém”, caraças! Pai, já sou ministro! Pai, tenho um carro “topo de gama”! Como os relógios e as marcas das camisas e os óculos “topo de gama” e tudo “topo de gama”. Chegámos ao cume da governação rasca. Saiu-nos na rifa mesmo sem dar o NIF. É preciso ter azar.

(JOSÉ VÍTOR MALHEIROS ;" As rifas do fisco e a governação rasca ". Na íntegra: aqui. Sublinhados meus)

Alguma dúvida ?

"Ao qualificar o uso da venda dos quadros de Miró como uma “arma de arremesso político”, Cavaco Silva fechou os olhos à violação do quadro legal.
(...)
Considerar que a indignação expressa pela oposição partidária - materializada tanto no requerimento dirigido à Procuradoria Geral da República a solicitar a providência cautelar que impedisse a venda das obras, como no requerimento para abertura do Procedimento Administrativo de Inventariação e Classificação de Bem Cultural Móvel, dirigido à Direção Geral do Património Cultural - é uma espécie de resposta "politiqueira", é considerar que a defesa da legalidade - e por isso, da democracia - é um detalhe com que os partidos políticos não deviam perder tempo. Esta sistemática desvalorização dos procedimentos democráticos (meramente "formais", dizem) é um indicador muito claro da séria degradação da vida política, sobretudo quando ela é ativa e repetidamente usada pelo Governo. Ao qualificar este caso como uma "arma de arremesso político", Cavaco Silva patrocina e é cúmplice deste atropelo dos procedimentos legais."
(Hugo Mendes;" A importância da forma". Na íntegra: aqui. Sublinhado meu)

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

"Cenoura de gama alta"

"(...)

Não tenho carta de condução, logo não conduzo e, portanto, estou-me nas tintas para tão generoso prémio. Imagino que aconteceria o mesmo se fosse invisual e os prémios de Passos Coelho para combater a evasão fiscal fossem televisores LCD de gamas média e alta. Daqueles tão grandes que teríamos de contrair empréstimo bancário para mudar de apartamento, só para ter parede para afixar o aparelho. Como cilindradas, cavalos e binários são coisas que não me assistem, se fosse só pelo motorizado prémio eu, um "desmotorizado" de longa duração, jamais pediria uma fatura. E não vale a pena dizer com pragmatismo que poderia fazer dinheiro a vender a viatura. Tenho tanto jeito para o negócio como para polícia das Finanças.

A questão é outra. Ao colocar na frente do nariz de cada um de nós uma cenoura de gama alta, o Governo pode até melhorar a performance no combate casuístico à fuga ao Fisco. Será, porventura, uma ação de pouca dura. Acabar com a economia paralela acenando-nos apenas com paliativos de cilindrada generosa, exige um plano B. Obriga a medidas estruturadas, mais dignas de uma democracia europeia e menos de um país em vias de desenvolvimento. Plano alternativo que, obviamente, o Executivo PSD/CDS não tem.

Combater o crime fiscal na origem dá mais trabalho e é menos popular do que viciar o povo em concursos acumuláveis com a raspadinha, o totoloto ou o euromilhões. Em resumo: oferecer carros é fácil, é barato (vão gastar-se 10 milhões de euros) e dá milhões (prevê-se um encaixe máximo estimado em 800 milhões de euros). O pior é o resto. Declarar e pagar impostos pressupõe essa nobre ideia de cidadania que é a redistribuição da riqueza. Uma partilha solidária em que os mais abastados pagam para que os menos favorecidos da sociedade vivam mais dignamente.

Ao promover tômbolas automobilísticas, o Governo não está só a dar mais encargos às famílias (dizem-me que um carro é "uma renda") com parcos recursos financeiros, mas com sorte ao jogo. Pode estar também a engrossar o património dos mais ricos ou, simplesmente, a premiar os incumpridores dos compromissos fiscais que, ao que tudo indica, também podem concorrer ao carro da sorte. Ou seja, está a promover deliberadamente uma distorção social.

(...)"

(Alfredo Leite; "O carro que é cenoura de gama alta". Na íntegra: aqui. Sublinhados meus)

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

E que tal "um banho de realidade" nas eleições europeias*?

"Olli Rehn falou mesmo numa "derrota das Cassandras", que andaram três anos a criticar a via austeritária, aparentemente sem razão:

Os défices externos da periferia ou estão a cair ou já se transformaram em excedentes, os défices públicos idem, o desemprego deixou de subir de forma galopante e, cereja em cima do bolo, a Europa saiu da recessão e os juros estão em queda.

Não será o melhor de todos os mundos, mas, tendo em conta o calvário dos últimos tempos, chegou a hora de celebrar e cantar vitória.

Confesso que não percebo o entusiasmo. Os EUA só tiveram recessão de 2009 e o desemprego, embora a níveis historicamente elevados, tem vindo sempre a cair. Também não consta que os EUA, ao contrário da Europa, tenham terraplanado a economia e a sociedade dos seus Estados mais vulneráveis. Três anos de destruição de emprego, de recessão, de emigração (na prática) forçada e de corte de rendimentos permitiram à Europa ter um desemprego 50% superior ao americano e uma taxa de crescimento do PIB que é, na melhor das hipóteses, metade da americana. Se isto é um sucesso, não consigo imaginar o que possa ser um fracasso.

Economicamente a Europa está de rastos. Algo que Olli Rehn e companhia nunca dizem é que a economia europeia só saiu da recessão no ano em que a Comissão e o Conselho permitiram uma suavização da austeridade, flexibilizando as metas dos défices. Não se percebe em que medida é que uma saída da recessão que assenta na travagem da austeridade pode constituir uma prova do sucesso dessa mesma austeridade, que, mais ou menos suave, está institucionalizada e é para manter. 

Em termos financeiros a coisa não está muito melhor: a dívida pública cresceu 50% e os juros só começaram a baixar depois da intervenção do BCE - e não por via de uma austeridade geradora de confiança - e mantêm-se baixos porque não há oportunidades de investimento real e porque a Europa aproxima-se perigosamente da deflação económica. O principal objetivo da união bancária - o de separar os bancos dos soberanos - não foi atingido, nem se vislumbra que alguma vez venha a ser. 

Mas o pior é mesmo o ambiente político. Os cidadãos europeus, diz-nos o Eurobarómetro, olham para a Europa com desconfiança crescente: os dos países devedores deixaram de ver a Europa como um espaço de solidariedade, coesão e desenvolvimento; os dos países credores cada vez menos acreditam na bondade de emprestar dinheiro para que países mais pobres vergastem a sua economia e a vida dos seus cidadãos. Entre Estados membros a situação não é melhor, porque, desde a viragem austeritária de maio de 2010, a União deixou de ser um projeto de iguais para institucionalizar a desigualdade entre devedores e credores, o que, num certo sentido, é a negação do projeto europeu.

A atual euforia tem uma única explicação: eleições europeias. Não é seguramente criando uma bolha discursiva, sem qualquer correspondência com a realidade e com a experiência dos cidadãos europeus, que se inverte e corrige a destruição dos últimos anos. Em Maio, no dia a seguir as eleições, Olli Rehn e companhia podem muito bem levar um banho de realidade. Pode ser que acordem."

(* Nem imaginam o bem que lhes fazia)