sábado, 25 de fevereiro de 2017

Recado para Cavaco: "A História jamais o absolverá".

«(...) Bem pode Cavaco Silva desfilar o rol de grandes do mundo que conheceu em vinte anos no topo da política portuguesa: nenhum desses grandes o recordaránem que seja num pé de página de memórias e a nossa história não guardará dele mais do que o registo de uma grandiloquente decepção.

Nos seus dez anos como primeiro-ministro, Cavaco Silva teve o que nunca ninguém tinha tido antes dele e não voltou nem voltará a ter depois dele: uma maioria, tempo, paz social, esperança e dinheiro sem fim, vindo da Europa. Fosse ele, porventura, um homem dotado de visão e de coragem e conhecedor da nossa história e dos nossos males ancestrais, teria aproveitado as circunstâncias para inverter de vez o funesto paradigma em que vivemos hádécadas ou séculos. Em lugar disso, aproveitou o dinheiro e os ventos favoráveis para engrossar o Estado, fazer demasiadas obras públicas inúteis e cimentar a clientela empresarial que sempre viveu da obra ou do favor público. Ele lançou as raízes do défice e da dívida pública, que, depois, tal como as obras (de Sócrates), passou a execrar. Cinco anos volvidos, regressaria para outros dez de Presidência. Por razões que já nem adianta esmiuçar, acabaria por sair de Belém com uma taxa de rejeição recorde e com 80% dos portugueses fartos dele e do seu pequeno mundo. Muita da popularidade de Marcelo deve-se ao facto de os portugueses o verem em tudo como o oposto de Cavaco Silva.

Tive um breve mas arrepiante flashback deste pequeno mundo quando, na semana passada, Cavaco Silva lançou o seu livro de ajuste de contas. Pelas citações e declarações que li e ouvi, parece-me que a única coisa boa do livro é o título — (mas até esse li que não era original). No restante, Cavaco entretém-se a contar os seus “factos rigorosos” para“informação dos portugueses”, e registados com base num método que diz ter inventado quando era estudante e que se presume não ser o do gravador oculto. A finalidade da história das suas quintas-feiras é atacar um homem já debaixo de todos os fogos — o que confirma a lendária coragem intelectual de Cavaco, tal como no seu discurso de vitória quando foi reeleito, atacando com uma raiva e um despeito indignos de um Presidente da República os seus adversários que já não se podiam defender. Parece que agora, com um absoluto desplante e tomando-nos a todos por idiotas, Cavaco Silva ensaia uma indecorosa falsificação dos tais “factos rigorosos”: a história de como ele e a filha ganharam 150% em dois anos com acções do BPN que não estavam cotadas em bolsa (jamais desmentida e bem documentada), não passou, afinal, de uma “calúnia”, vinda da candidatura de Manuel Alegre; e a célebre “conspiração das escutas” de Sócrates a Belém, engendrada entre o assessor de imprensa de Cavaco e um jornalista do “Público”, foi, pasme-se, ao contrário: foi o Governo que montou uma operação para fazer crer… que o Governo escutava Belém!
Ele (Cavaco Silva) que continue a escrever a sua história: a História jamais o absolverá

Mas não foi isso o que verdadeiramente me arrepiou nas notícias e imagens do lançamento do livro do Professor. Outra coisa eu não esperava dele nem do seu livro. O que me impressionou e arrepiou foi uma visão que diz tudo sobre quem foi e quem é este homem. Após mais de vinte anos na vida política e nos mais altos postos dela, tendo fatalmente conhecido não só vários grandes do mundo mas também toda uma geração de portugueses da política, da cultura, do empresariado, das universidades, etc., quem é que Cavaco Silva tinha a escutá-lo no seu lançamento? A sua corte de sempre, tirando os que estão a contas com a Justiça. Os mesmos de sempre — Leonor Beleza e o que resta da sua facção fiel no PSD. Mais ninguém. Nem um socialista, nem um comunista, nem um escritor, um actor, um arquitecto, um músico reconhecido. Nada poderia ilustrar melhor o que foi e é o pequeno mundo de Cavaco Silva. Ele que continue a escrever a sua história: a História jamais o absolverá.»
(Miguel Sousa Tavares: "Sem sombra de grandeza".Texto publicado no Expresso de 25 de Fevereiro de 1017. Via.) 

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

A máquina que adormecia a contar zeros

"Foi uma espécie de virar de mesa. Quando o PSD e o CDS tentavam prolongar a novela das SMS de Domingues e Centeno, surge a notícia de que houve vinte declarações de IRS que não foram fiscalizadas, e transferidas para "offshores", no valor de dez mil milhões de euros entre 2011 e 2015. Este: "Vinte declarações no valor de dez mil milhões de euros" faz-me largar de imediato o cadáver das SMS da CGD e começar salivar de curiosidade: vinte declarações, de quem são?! Tenho mais curiosidade em saber o que raio se passou aqui do que conhecer as SMS do Domingues e do Centeno mesmo que incluíssem "nudes" da Monica Bellucci.

O antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, veio dizer que não teve conhecimento de falhas no tratamento dado pelo Fisco a transferências relativas a "offshores". Já foi assim com a lista VIP das Finanças. Núncio não fazia ideia de nada. Na altura, quem se demitiu foi o director-geral da Autoridade Tributária. A lista era VIP, mas demitiu-se o mexilhão. Tenho a teoria de que o problema do Núncio foi ter andado a sortear carros. O pessoal das finanças não lhe passa cartão porque pensam que ele tem a sagacidade de uma apresentadora do Euromilhões.

Neste momento, já surge a hipótese de ter sido "um erro informático das Finanças". Tinham demasiados zeros e a máquina das finanças só está afinada para menos. Foi feita para estar de olho, e apitar desalmadamente, em contas com dois zeros. Curioso que os alarmes soavam quando alguém espreitava as finanças dos VIP, mas adormecia com declarações de mil milhões. Provavelmente, o sistema informático adormece a contar zeros.

O CDS, partido dos contribuintes, reagiu de imediato a este escândalo, Cristas veio dizer: "O Governo plantou notícias para vir aqui fazer o número." E que número, Dona Cristas, 10 mil milhões. Na SIC Notícias, João Vieira Pereira não pôs de parte a hipótese de notícias plantadas pelo jornal Público, dizendo que esta notícia deu jeito ao Centeno e que não sabe se foi propositado e que "não sou de teorias de conspiração, mas...".

Resumindo, o jornalista do canal e jornal, que não revela quem são os jornalistas avençados do BES, porque são inocentes até prova em contrário, diz que coiso e tal, os seus colegas do Público, se calhar, plantaram notícias para ajudar o Governo. É também o mesmo canal onde Marques Mendes debita recados e notícias falsas ao domingo e onde andam a explorar as SMS do Centeno até ao tutano "porque é o que nós queremos ver".

Não sei quem é o "nós". Por mim, só queria ver tanta dedicação aos avençados dos Panama/BES como às SMS. E troco ver a declaração de rendimentos do Domingues por ver a parte da massa que fugiu voltar a casa. Eu sei, sou um anjinho, mas tenho esperanças de que o Lobo Xavier também tenha cópias de SMS com esta temática.(...)»
(João Quadros: "Contar zeros para adormecer". Na íntegra: aqui)

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Austeridade, uma ideia perigosa

«Durante anos, muitos foram os que avisaram que a chamada política de austeridade era incapaz de cumprir o seu objectivo declarado (equilibrar as contas públicas e controlar a dívida pública), e que teria efeitos sociais devastadores, desde logo ao colapsar a Economia enquanto transferia riqueza dos mais pobres para os mais ricos.
(...)
 Esta semana foi publicado um interessante estudo em que o sucesso ou insucesso da austeridade foi avaliado para o conjunto da a União Europeia (“Austerity in the Aftermath of the Great Recession” por Christopher House, Linda Tesar e Christïan Proebsting, da Universidade de Michigan).

É uma leitura ao mesmo tempo recomendada e imprópria para os estômagos mais fracos.

Primeiro aspecto, a dívida devia ter descido mas subiu.

Para espanto dos cavaleiros do Excel, cortar de forma cega, abrupta e injusta a despesa pública e fazer o mesmo do lado do aumento de impostos gera um efeito perverso em que a contracção da Economia arrasta o ratio da dívida pública na direcção oposta à pretendida.

Em vez de descer, sobe. Em média, a dívida pública para os Países do Sul (mais Irlanda) subiu o dobro do que teria subido sem as políticas de austeridade focadas no défice de curto prazo a todo o custo. O dobro. Isso enquanto a Economia afundava.

Essa contração da Economia é calculada por House, Tesar e Proebsting, para os mesmos países num total de 18% do PIB entre 2010 e 2014.

Quase um quinto da Economia pura e simplesmente desapareceu. Não admira que o desemprego tenha explodido. Tirando situações de Guerra ou catástrofes naturais é difícil encontrar paralelo na história para um tal descalabro.

Os mesmos autores salientam que essa queda poderia ter sido de apenas 7% se estes países pudessem ter acompanhado a política de austeridade com uma política monetária adequada mas, mais, que se além disso não tivessem aplicado políticas de austeridade, essa queda poderia ter sido de apenas 1%.

Ficam comprovados dois pontos: a arquitectura do Euro não consegue lidar com recessões sem as agravar, factor muito associado a opções políticas erradas e há uma óbvia “self fulfulling prophecy” que diz que se um país não pode desvalorizar a sua moeda isso aumenta o seu risco de incumprimento o que por sua vez gera juros mais altos que mais agravam o risco de incumprimento e assim sucessivamente.

A austeridade não é apenas uma má ideia, cujos fundamentos básicos são destituídos de lógica e cujos efeitos são contrários aos pretendidos, é uma ideia perigosa que agrava desigualdades, cria pobreza e transforma crises financeiras em crises económicas e estas em crises políticas.

(...)»


(Marco Capitão Ferreira: "O balanço da austeridade, agora em números". Na íntegra: aqui. Destaques meus.)

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Trabalhos de campo # 40: Garça-branca-pequena (Egretta garzetta)


Garça-branca-pequena (Egretta garzetta L.)
Família: Ardeidae;
Estatuto de conservação da espécie: "pouco preocupante"
(Local e data: Estuário do Tejo - Baía do Seixal; 21 - Fevereiro - 2017)
(Clicando nas imagens, amplia)

Política? Não, pornografia!

«(...)
Li nos jornais que António Lobo Xavier (jurista, conselheiro de Estado, militante do CDS, administrador do BPI e comentador político) levou ao Presidente da República as mensagens de telemóvel que o seu amigo António Domingues trocou com o ministro Mário Centeno. É mesmo assim? Domingues partilhou com Xavier as mensagens que recebeu de Centeno? E pediu autorização a Centeno? E Xavier pediu autorização a Centeno para mostrar ao PR as mensagens que o ministro escreveu a Domingues? Das duas, uma: a) isto não é verdade, na verdade, Xavier só mostrou ao PR mensagens escritas por Domingues, autorizado por este; b) isto é verdade e então estaremos perante comportamentos tão absolutamente vergonhosos que me falta o campo semântico para os qualificar. Como é possível que isto aconteça? Como é possível que não haja por aí um clamor de indignação contra Domingues, Xavier, Marcelo - e até António Costa, que depois de se saber disto foi tranquilamente trocar larachas num jantar com Xavier? Uma coisa - embora de legitimidade altamente duvidosa (...) - é uma comissão parlamentar de inquérito ordenar a Centeno e a Domingues que mostrem todas as comunicações trocadas entre si, em todas as plataformas, sobre a CGD. Mas outra completamente diferente é o procedimento divulgado na imprensa. Não é só algo de uma profunda falta de ética. É algo que, tendo em conta a generalizada indiferença que suscitou, nos faz pensar como as indignações diárias nas redes sociais são fenómenos mais de socialização dos indignados entre si do que verdadeiramente de indignação. Se nos indignamos com tudo e mais alguma coisa, porque não com o que verdadeiramente importa? Isto calhou tudo na mesma semana em que Cavaco Silva publicou a primeira parte das suas memórias presidenciais, memórias em que partilha inconfidências sobre conversas supostamente privadas com José Sócrates. Outro procedimento altamente condenável e que, como no caso CGD, deriva diretamente da vitória da emoção sobre a razão e do ressentimento sobre o sentido de Estado.

Depois não se queixem os políticos - nomeadamente os protagonistas destas histórias - da degradação das condições para fazer política e do distanciamento dos eleitores. Pelos vistos, estar na política implica a mesma nobreza (ou falta dela) do que concorrer a um qualquer Big Brother televisivo. Isto, na verdade, não é política - é pornografia. Nada contra. Mas prefiro-a desempenhada nos canais adequados e por profissionais do ramo. Não é o caso.»
(Pornografia política, o novo normalJoão Pedro Henriques. Na íntegra: aqui)

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Os "anjinhos" do PSD e do CDS ...


... retratados, à distância de vários séculos, mas com notável precisão, pelos construtores do Mosteiro de Santa Maria da Vitória (vulgo, Mosteiro da Batalha)
(Na imagem, gárgulas do dito Mosteiro)

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Trabalhos de campo # 39: Verdilhão (Carduelis chloris)


Verdilhão (Carduelis chloris L.)
Família: Fringillidae;
Estatuto de conservação da espécie: "pouco preocupante"
(Local e data: Almada; 1 - Fevereiro - 2017)
(Clicando nas imagens, amplia)