quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Remédios

A generalidade das pessoas (políticos, comentadores et al.)  que se têm pronunciado sobre a proposta de Orçamento apresentada pelo Governo tende a considerar que a proposta é "má", mas ao mesmo tempo toda a gente (com as previsíveis excepções) se esfalfa a defender a aprovação do Orçamento, custe o que custar.
Há aqui uma óbvia contradição que importa desfazer: um Orçamento de rigor e que impõe sacrifícios pode não ser agradável, mas não deixa, só por isso, de ser "bom", tal como um remédio pode ser  desagradável e difícil de tomar, mas nem por isso deixa de ser recomendável se trouxer benefícios à saúde.
E é mesmo de saúde (da economia e das contas públicas) que se trata. Não há, com as naturais excepções, quem não reconheça que há, na economia portuguesa, um desequilíbrio nas contas com o exterior (consumimos mais do que aquilo que produzimos e importamos mais do que exportamos) e  um défice nas contas públicas (o Estado gasta mais do que as receitas que tem).
 A situação não é de agora, nem de há meia dúzia de anos e por isso não me venham com a lengalenga de que Sócrates é o culpado, pois o "pai do monstro" é outro (Cavaco, segundo Cadilhe) e as derrapagens dos  últimos anos ficaram a dever-se à crise económica mundial que afectou todos os países, incluindo muitos com um desenvolvimento superior ao nosso. Como é, por exemplo, o caso da Inglaterra, da Espanha, da Irlanda, da França e por aí adiante, a maior parte com um défice bem superior ao de Portugal.
Alertados pela crise grega, os credores externos entenderam agora (bem ou mal, não discuto) que também chegou a nossa vez de tomar medidas para pôr cobro à situação. E estamos neste ponto: sem medidas de contenção das despesas por parte do Estado e dos agentes económicos em geral e sem a recuperação dos equilíbrios, ou não há financiamento externo, ou este irá custar-nos os olhos da cara. Aqui chegados, há que encontrar o remédio e terá que ser cá dentro, pois sem financiamento externo é o funcionamento de toda a economia que é posto em causa e não está ao nosso alcance forçar a mão dos credores. É lamentável, mas é assim. 
O remédio traduzido na proposta de Orçamento para atalhar a doença que afecta a economia portuguesa é amargo? É.  A discussão sobre se é bom ou mau tem, porém, de centrar-se em saber se o remédio cura, ou não cura. Se não cura, é "mau". Se cura, é "bom". As autoridades monetárias internacionais e os credores externos acham que sim, que cura. Eu não sei, mas ainda não vi melhor receita. E credível, muito menos.

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