quinta-feira, 2 de julho de 2015

Na tragédia grega não há inocentes

«(...)
Alexis Tsipras teve um mérito e cometeu três erros crassos. O mérito, como já aqui referi na semana passada, consistiu na tentativa de sobrepor a dimensão política à discussão técnica no relacionamento com os parceiros e credores do seu país. Os erros foram os seguintes: a celebração de uma coligação com a direita hipernacionalista, o recurso a uma retórica antigermânica primária e a incapacidade de estabelecer alianças pragmáticas com governos de outros países. Notoriamente não esteve à altura das suas responsabilidades e muito menos das expectativas que chegou a criar, acabando por lançar o seu país numa situação caótica e desesperada. O balanço da governação do Syriza não poderia ser mais negativo: começou na exaltação nacionalista e acabou na rendição ideológica. A partir daqui, o Syriza, como perspectiva de uma solução alternativa, soçobrou. Revelou todas as insuficiências características das propostas extremistas – completa incompreensão da realidade, valorização de uma atitude declamatória alheia à satisfação das reais necessidades das pessoas, exibição de um moralismo purista desprovido de qualquer consequência política prática. É hoje evidente que o Syriza constituiu um monumental falhanço histórico. Confrontado com o seu próprio desespero, o primeiro-ministro grego decidiu-se pela convocação de um referendo de discutível legitimidade democrática que suscitou já a reprovação por parte dessa organização insuspeita que é o Conselho da Europa. No próximo Domingo a escolha só não será entre a continuidade ou não na União Europeia porque o Syriza está cada vez mais destinado a fazer parte de um parêntesis histórico desprovido de excessiva importância. A Grécia faz parte da Europa e a Europa faz parte da Grécia.

Tudo isto é verdade, mas não permite iludir as enormes responsabilidades europeias na presente crise. Ainda ontem Matteo Renzi deu provas da mediocridade das presentes lideranças nacionais ao afirmar que “é impensável que a Itália e os outros governos financiem as pensões gregas”. São palavras indignas de um primeiro-ministro empenhado na promoção de um verdadeiro projecto europeu. Infelizmente, à esquerda como à direita, é este tipo de discurso que tem prevalecido. O discurso primário do egoísmo, do nacionalismo bacoco, do populismo acrítico. A União Europeia há muito que tem falhado na abordagem dos problemas dos países do Sul. Se uma solução política caricatural como aquela que o Syriza representa pôde ter sucesso eleitoral tal deve-se em grande parte à obstinação ideológica de alguns governos pouco preocupados com o futuro da Europa. Que o governo português se tenha associado a essa mesma obstinação só revela a sua verdadeira natureza servil e medíocre.

Uma vez mais se constata que a extrema-esquerda, na sua profunda irresponsabilidade, constitui a melhor aliada da direita europeia. É o que se passa também no nosso país. Razão teve António Costa em se demarcar nitidamente das posições do Syriza, procurando deixar bem claro que pode haver no espaço europeu um projecto político alternativo ao populismo conservador e liberal que nos tem conduzido a um verdadeiro abismo económico e social. Contrariamente ao que a direita interesseira e alguma esquerda ingénua têm vindo a propalar, o Secretário-Geral do PS nunca manifestou especial apreço pelas soluções preconizadas pela extrema-esquerda grega. Sejamos sérios, António Costa limitou-se a dizer aquilo que qualquer observador lúcido diria: que o voto no Syriza significava uma reacção desesperada face às trágicas políticas austeritárias impostas ao povo grego. Aliás, basta ler com atenção o programa eleitoral do PS para compreender a intransponível distância que o separa das vacuidades demagógicas do Syriza. A verdade é que entre a direita e a extrema-esquerda sempre houve um caminho alternativo. Esse caminho designa-se por socialismo democrático ou social-democracia e é responsável pelo melhor da experiência histórica das últimas décadas europeias.»
(Francisco Assis: "O drama da Grécia": Na íntegra: aqui. Destaques meus)

2 comentários:

António Lourenço disse...

Crónica de Francisco Assis é para rir!!! Com certeza! porque não também de Vital Moreira e de outros "Socialistas de 4 costados" que por aí escrevem aleivosias. As cambalhotas que por aí vão. Ai que medo da Democracia e de dizer não aos Poderosos!

josé neves disse...

Caro,
O Assis até pensa bem, contudo, o problema está depois ao posisionar-se e executar correctamente sintonizado com o pensamento e as ideais próprias; os pequenos interesses imediatos corroem a pureza dos ideais.
Ainda assim Assis comete um erro de pensamento quando afirma que:
"A verdade é que entre a direita e a extrema-esquerda sempre houve um caminho alternativo. Esse caminho designa-se por socialismo democrático ou social-democracia"
O curso histórico diz-nos que o "grande centro", isto é, o tal "socialismo democrático ou social-democracia" é que é a grande auto-estrada da vida e os caminhos laterais é que são alternativas.
Os povos vivem, por motivos de sua natureza e própria existência, necessáriamente dentro do "grande centro" e, quanto mais alargado fôr o centro (centrão como os alternativos dos extremos esquerda-direita gozam dizê-lo) mais faixas de caminhos são possíveis trilhar sem sair do sentido da meta e do objectivo desejado.
Como se viu pela experiência do "socialismo real" e se vê agora com o "capitalismo selvagem" ambos, um pela política repressiva ditaturial e outro pela política repressiva do capital, atacam ferozmente a classe média para destruir a formação da tal auto-estrada de multiplas faixas que é onde os povos vivem, querem e lutam por viver.
O problema são sempre os charlatões que nos indicam e apregoam caminhos de faixa única e estreita directa a paraísos por onde não cabem todos mas por onde obrigam todos a passar e, consequentemente, imediata e infalivelmente uns passam por cima dos outros; é o desastre e a catástrofe para nada porque, passados anos os povos, por necessidades de natureza regressam a querer viver no seu lugar natural, o meio termo onde está a existência.
Aristóteles chamou-lhe a virtude.