O governo pela boca dos dirigentes dos dois partidos, acompanhado pelo coro formado por quase toda a comunicação social, insiste que não é mais possível negar que as coisas estão a correr pelo melhor e que a partir de agora é injusto não falar do sucesso do "ajustamento" levado a cabo pelo governo PSD/CDS.
Não se pode negar, com efeito:
-Que os juros da dívida pública têm vindo a descer em paralelo com os juros da dívida de outros países intervencionados (Irlanda Grécia e Espanha designadamente) ainda que não por acção do governo português cujo poder, presumo, não chegará tão longe, mas devido à actuação do BCE, como tem sido sublinhado por entidades independentes;
-Que nos últimos trimestres, a economia portuguesa tem crescido, embora tenuamente, através da recuperação do consumo, não porque essa fosse a vontade e a política do governo, mas sim porque a política de cortes do governo foi travada pela decisão do Tribunal Constitucional permitindo, assim, um inesperado desafogo às famílias que estas converteram, em parte, em consumo;
-Que o desemprego tem descido algumas décimas nos últimos meses embora se desconheça a qualidade dos novos empregos entretanto criados e não se ignore o efeito pernicioso do surto de emigração dos melhores quadros entretanto ocorrido e estimulado por entidades governamentais.
Mas, se não se podem negar estes sinais que têm tanto de bons, como de ténues, como de equívocos, também não se pode negar:
-Que o desemprego continua em nível elevadíssimo e, para surpresa da troika, muito mais elevado do que o estimado aquando da celebração do memorando de entendimento;
-Que, apesar da economia estar, presumivelmente, a crescer nos últimos trimestres, o crescimento, no ano de 2013, no seu conjunto, ainda foi negativo, somando a economia portuguesa, ao fim de três anos sob esta governação, um decréscimo à volta dos 6 ou 7%, o que faz com que o PIB do país, graças à pandilha que tomou conta do "pote", se encontre actualmente ao nível de há 10 anos atrás;
- Que a meta do défice das contas públicas, desde que este governo entrou em funções, nunca foi alcançada, pese embora o facto de a troika, após cada avaliação, ter permitido que o défice fosse frequentemente revisto e aumentado, perante os sucessivos fracassos do governo, não obstante este ter recorrido sistematicamente ao expediente das receitas extraordinárias.
Aparentemente, a excepção terá sido o défice referente a 2013, visto que tem vindo a ser apregoado que, desta vez, o défice vai ficar abaixo ou em linha com os 5,5% previstos, depois de mais uma revisão em alta (de 4,5% para 5,5%). Admitindo-se que assim possa vir a ser, continua a não se poder negar que não estamos perante nenhum êxito, quando se sabe que a meta só foi atingida através dum vergonhoso perdão fiscal que é, simultaneamente, um insulto a todo e qualquer contribuinte cumpridor.
Lembrando que um tal défice é, mesmo assim, muito superior ao inicialmente previsto no memorando (3%), e recordando que o rácio da dívida pública era para, entretanto, baixar, que não para crescer, como se tem verificado, não há como negar que os proclamados êxitos deste governo não passam de rotundos fracassos.
Falar de sucesso, quando o que está à vista é o retrocesso, em particular no que respeita à ciência, à investigação, à inovação, à cultura, à riqueza produzida e à crescente desigualdade na sua distribuição, é algo que só está ao alcance de uns quantos desonestos intelectualmente.
Infelizmente, de um tal número não é possível excluir nem o governo, nem a presidência da República, nem a maioria parlamentar, nem os escribas, vendidos ou comprados. Todos, por uma razão ou outra, estão ao serviço da propaganda governamental. Razões que, seguramente, não são boas. Espero que não estejam à espera de absolvição.
1 comentário:
Excelente análise: clara, concisa e precisa.
Grata pela informação.
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