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O debate público sobre o final do programa de assistência económica e financeira tem sido marcado por três falácias fundamentais.
A primeira falácia é a ideia de que o país tem pela frente uma autêntica escolha: entre um "segundo resgate", um "programa cautelar" ou uma (desejada) "saída limpa". Infelizmente, no essencial, a escolha não é nossa. A razão pela qual não teremos um segundo resgate deve-se simplesmente ao facto de vários países credores não estarem na disposição de aprovar nos seus parlamentos novos empréstimos a Portugal.
A segunda falácia é a de que estamos perante uma "escolha informada", i.e., uma opção entre caminhos cujos contornos conhecemos. Ora, ninguém tem hoje a mínima ideia das condições associadas a cada uma das modalidades de saída, nomeadamente ao "programa cautelar". Aliás, a melhor ilustração deste problema foi dada pelo ministro das Finanças da Irlanda, que justificou a "saída limpa" com a impossibilidade de obter da Europa uma resposta satisfatória quanto ao que seriam as condições desse "programa cautelar". Perante o histórico recente da União, os irlandeses optaram pelo risco dos mercados.
A terceira falácia consiste em associar ao tipo de saída do programa uma avaliação do mérito da governação do país. Para o Governo, o "programa cautelar" é uma vitória porque não é um "segundo resgate". E se conseguirmos uma "saída limpa", então estaremos perante um "1640 financeiro". Já para a oposição, um "cautelar" é um segundo programa, e só a "saída limpa" cumprirá os mínimos. Isto quando é sabido que a "saída da troika" resulta antes de tudo da vontade expressa da Europa (e do FMI) em pôr fim ao actual modelo de intervenção e da falta de vontade em encontrar modelos diferentes.
Debater o interesse nacional nestes termos é, pois, um absurdo. Convém, desde logo, constatar uma realidade aritmética: com taxas de crescimento e de inflação previsivelmente baixas, a única forma de assegurar a estabilização da dívida pública nas actuais condições de mercado é com saldos orçamentais primários elevados (para os que defendem a inevitabilidade de um caminho de redução rápida da dívida, numa leitura muito própria do tratado orçamental, a exigência de superavit é muito maior).
Se a União Europeia funcionasse de forma regular, e se o nosso sistema político tivesse outra capacidade de compromisso, o debate seria outro: queremos um "pós-troika" assente em financiamentos com as actuais taxas de mercado, o que implica insistir na ideia de que seremos capazes de gerar um excedente orçamental elevado? Ou queremos antes defender na Europa a construção de uma solução mais realista, que reduza os encargos da dívida para patamares compatíveis com os previsíveis níveis de crescimento e correspondente trajectória orçamental?
Percebe-se bem que um debate nestes termos não interesse ao Governo: a "saída da troika", num quadro de degradação menos visível dos indicadores económicos, parece-lhe mais do que suficiente para cantar vitória. Ao mesmo tempo, para os sectores mais informados da direita, esta solução tem a vantagem de deixar o país ainda mais amarrado à estratégia de austeridade que têm defendido: a austeridade continuará a ser necessária, agora já não para "tirar a troika" mas para "a troika não regressar".
Mas todos aqueles que não acreditam na viabilidade deste caminho ganhariam em substituir o debate acerca das formas de saída da troika pelo debate das escolhas substantivas. São essas as escolhas que interessam e que podem levar o país a ganhar alguma coisa."
1 comentário:
Indiferente à opinião dos peritos em Economia e Finanças; o relógio do Paulinho continua em contagem decrescente...
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