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Os governos, sejam conservadores, sejam socialistas, sejam o que forem, estão condenados a seguir a mesma política económica e social, e é essa política que define o “arco da governação”, o clube de partidos em que o voto dos eleitores serve para governar. O resto é um voto de segunda, tribunício e ineficaz, quase lúdico. Durante quatro anos em Portugal, só um punhado de pessoas que se contavam pelos dedos de uma mão é que resistiu a esta “inevitabilidade”, e mesmo os revoltados com a situação ficavam deprimidos com a falta de saídas previsíveis.
Pois tenho novidades para vos dar, surpresa!, de repente, saímos e saímos com uma genuína ruptura. Voltemos à história. O que hoje se passa em Portugal mostra como a história é sempre surpresa e é por isso que é inovadora, para o bem ou para o mal. A maioria dessas surpresas é má, algumas muito más. Existe uma maldição, que passa por ser chinesa, embora tenha sido escrita por um inglês, e que diz: “Que vivas em tempos interessantes.” Vivemos hoje em Portugal esses ”tempos interessantes”, com todos os riscos inerentes. A quantidade de coisas que mudou nas últimas semanas criou esse carácter poiético da história, criador e carismático, o que também significa que a sua novidade traz ao mesmo tempo esperança e insegurança. Insisto: nada garante que o que se está a passar é, como dizem as pessoas, “para melhor”, mas apenas que é diferente. E essa diferença exactamente por ser genuína não pode ser prevista, e as suas consequências e “normalização” também não. Mas uma coisa é certa: exactamente porque é uma genuína alteração, uma mudança, as pontes com o passado foram cortadas e o caminho para trás é impossível. Isso não significa que as forças do passado não estejam cá connosco, ainda assarapantadas com o que aconteceu, mas não menos vivas e perigosas. “Que vivas tempos interessantes.”
O que é que já mudou? Nos últimos meses, formou-se uma aliança, minimalista, débil, mas proactiva e aguerrida (o primeiro acto da coligação foi derrubar um governo) entre três partidos da esquerda, incluindo partidos desavindos há quarenta anos como o PS e o PCP. Por muitos sinais que houvesse, e nem sequer havia muitos, tal não era previsível que acontecesse. O facto de acontecer teve que ver com a existência de condições para que acontecesse, a perda de maioria absoluta em eleições de uma coligação que governava Portugal, mas tal já se tinha dado no passado sem estas consequências. É a aliança PS-PCP-BE que é nova e o novo ambiente que traz à vida política à esquerda e o efeito de acantonamento que traz à direita.
Essa aliança faz-se em volta de um governo de centro-esquerda que permanece no mainstream da vida política nacional e europeia, e que é tudo menos radical. Dizer que é uma “frente popular” só pode ser dito por ignorância, mas, para não variar, a ignorância floresce nestes epítetos. O Governo minoritário do PS assenta numa aceitação, com muita má vontade, diga-se, dos constrangimentos do Tratado Orçamental e num gradualismo que encontrou na voz do PCP, no debate da moção de rejeição, a sua melhor expressão, também ela contra-intuitiva, mas mais razoável inclusive do que no BE — Jerónimo de Sousa a dizer: “O nosso povo sabe que não pode tudo ser feito ao mesmo tempo.”
Ao mesmo tempo, uma direita cada vez mais à direita, que vinha de um razoável resultado eleitoral, se se tiver em conta as circunstâncias adversas, muito agressiva na comunicação social, detendo cumplicidades extensas com sectores económicos e os novos think tanks de direita nas universidades e fundações, e que governou como quis e lhe apeteceu nos últimos quatro anos, viu-se subitamente colocada em minoria e bloqueada de um acesso ao poder que entendia ter por direito próprio. Essa minoria da direita estava inscrita nos resultados eleitorais, mas a direita nunca pensou que a maioria adversa fosse materializada num entendimento político.
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(José Pacheco Pereira: A história é sempre surpresa. Na íntegra: aqui.)
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