segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

"Cenoura de gama alta"

"(...)

Não tenho carta de condução, logo não conduzo e, portanto, estou-me nas tintas para tão generoso prémio. Imagino que aconteceria o mesmo se fosse invisual e os prémios de Passos Coelho para combater a evasão fiscal fossem televisores LCD de gamas média e alta. Daqueles tão grandes que teríamos de contrair empréstimo bancário para mudar de apartamento, só para ter parede para afixar o aparelho. Como cilindradas, cavalos e binários são coisas que não me assistem, se fosse só pelo motorizado prémio eu, um "desmotorizado" de longa duração, jamais pediria uma fatura. E não vale a pena dizer com pragmatismo que poderia fazer dinheiro a vender a viatura. Tenho tanto jeito para o negócio como para polícia das Finanças.

A questão é outra. Ao colocar na frente do nariz de cada um de nós uma cenoura de gama alta, o Governo pode até melhorar a performance no combate casuístico à fuga ao Fisco. Será, porventura, uma ação de pouca dura. Acabar com a economia paralela acenando-nos apenas com paliativos de cilindrada generosa, exige um plano B. Obriga a medidas estruturadas, mais dignas de uma democracia europeia e menos de um país em vias de desenvolvimento. Plano alternativo que, obviamente, o Executivo PSD/CDS não tem.

Combater o crime fiscal na origem dá mais trabalho e é menos popular do que viciar o povo em concursos acumuláveis com a raspadinha, o totoloto ou o euromilhões. Em resumo: oferecer carros é fácil, é barato (vão gastar-se 10 milhões de euros) e dá milhões (prevê-se um encaixe máximo estimado em 800 milhões de euros). O pior é o resto. Declarar e pagar impostos pressupõe essa nobre ideia de cidadania que é a redistribuição da riqueza. Uma partilha solidária em que os mais abastados pagam para que os menos favorecidos da sociedade vivam mais dignamente.

Ao promover tômbolas automobilísticas, o Governo não está só a dar mais encargos às famílias (dizem-me que um carro é "uma renda") com parcos recursos financeiros, mas com sorte ao jogo. Pode estar também a engrossar o património dos mais ricos ou, simplesmente, a premiar os incumpridores dos compromissos fiscais que, ao que tudo indica, também podem concorrer ao carro da sorte. Ou seja, está a promover deliberadamente uma distorção social.

(...)"

(Alfredo Leite; "O carro que é cenoura de gama alta". Na íntegra: aqui. Sublinhados meus)

2 comentários:

Majo disse...

Parece anedota.
O governo substitui o que deveria ser a eduçação de um verdadeiro espírito contributivo, pela formação de mentalidades, por um adestramento!
O mais lamentável deste caso, é que as classes mais desfavorecidas vão alinhar. Estão tão espoliados que já não reparam em quem navega no mesmo barco.
Serão mais casas comerciais e pequenas empresas a fechar.
Mais um truque: desta vez saem da cartola, carros!
Um brilho de pouca dura.

Francisco Clamote disse...

Sem dúvida, Majo. Mais um truque, e como sublinha, as vítimas vão alinhar.