terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

"É preciso ter azar", ou a ética do "bando"

"A rifa do fisco que acaba de ser anunciada pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, onde são sorteados carros topo de gama entre os consumidores que incluam os seus números de identificação fiscal (NIF) nos recibos das suas compras, é mais um exemplo perfeito da forma como funciona o Governo PSD/CDS: qualquer truque é aceitável desde que proteja os mais ricos, permita um golpe de propaganda populista e distraia as pessoas dos seus verdadeiros problemas, acenando-lhes com benefícios futuros que nunca vão conquistar.
(...)

A medida é moralmente retorcida (...). Seria lógico e louvável que o Estado (que é uma coisa diferente do Governo, ainda que este, ilegitimamente, se apodere do património do Estado como se fosse seu) lançasse uma campanha promovendo a moralidade do pagamento de impostos, que são a base do financiamento dos serviços públicos, e incentivasse os cidadãos a cumprir as suas obrigações fiscais. Mas é impossível fazer isso quando o Governo usa o Estado para roubar os cidadãos e os submete a uma carga fiscal imoral para arrebanhar dinheiro para pagar aos bancos uma dívida insustentável que deveria ter renegociado. De facto, o Governo não pode usar um discurso moral sem que o país inteiro se escangalhe a rir na sua cara e, por isso, a única forma que encontrou para dizer aos cidadãos que devem pagar impostos foi dizer-lhes que com isso podem ganhar um carro. É a mais venal das razões, mas essa é a única moralidade que os membros do Governo conhecem.

Há ainda outra razão imoral escondida: o bando que ocupa o Governo tem uma dificuldade de raiz ideológica em construir um discurso em torno de conceitos como comunidade, bem comum, serviços públicos ou património público e, por isso, prefere incentivar o pagamento dos impostos através da possibilidade de um benefício pessoal. Benefício pessoal é algo que eles percebem.

E porquê o carro “topo de gama”? Porque não simplesmente um carro ou dez carros? Porquê este conceito antiecológico que até fez a Quercus dar prova de vida e vir a terreiro contestar (e propor um carro eléctrico)? Porquê? Porque estamos a lidar com o PSD e o CDS, meus senhores, e não se pode pedir a uma rã que cante Schubert.

Isto do Governo tem-se vindo a degradar nos últimos anos e hoje temos no Governo a maltosa dos carros “topo de gama”, o novo-riquismo em todo o seu esplendor, o novo-raquitismo mental, analfabetos com botões de punho a condizer, monogramados. Para um jota não há maior glória que parecer um catálogo “topo de gama” e aparecer em revistas. Para um jota isso é a felicidade. Porquê a rifa do carro “topo de gama”? Porque os jotas pensam que qualquer um pode ser comprado com um carro “topo de gama” porque qualquer um deles se venderia exactamente pelo mesmo preço. O carrito “topo de gama” é o alfa e o ómega da carreira de um jota que se preze, é o simbolo de quem triunfou na vida, de quem é “alguém”, caraças! Pai, já sou ministro! Pai, tenho um carro “topo de gama”! Como os relógios e as marcas das camisas e os óculos “topo de gama” e tudo “topo de gama”. Chegámos ao cume da governação rasca. Saiu-nos na rifa mesmo sem dar o NIF. É preciso ter azar.

(JOSÉ VÍTOR MALHEIROS ;" As rifas do fisco e a governação rasca ". Na íntegra: aqui. Sublinhados meus)

3 comentários:

Anónimo disse...

O Marcelo bateu-lhes forte e feio. Esta gente além de idiota, é descarada!

Majo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Majo disse...

~ Ótima seleção de artigo muito bem sublinhado...

~ Como já referi, em vez de formação, vamos assistir ao adestramento de mentalidades.
~ Estou curiosa para assistir ao espírito desportivo dos que perderem o jogo...
~ O CIRCO continua...
~ Ilusionismo, adestramento, palhaçadas, orientadas pelo
economista mor.