quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

"Uma tragédia em três atos"

Portugal mais perto da saída à irlandesa». Era esta a manchete de anteontem do Negócios. Há quem queira ver nisto um «milagre económico português», mas provavelmente estamos perante o último ato da tragédia política, económica e financeira que se abateu sobre o país nos últimos anos. 

O primeiro ato foi o pedido de resgate e a chegada da Troika. No contexto da crise global e sistémica que atingiu a Zona Euro, está hoje amplamente demonstrado que a Europa queria para Portugal uma solução diferente do resgate à Grega ou à Irlandesa. Essa solução diferente estava encontrada e negociada, e foi conscientemente rejeitada pelos partidos da maioria. A vinda da Troika foi pois uma opção clara e consciente de vastos sectores em Portugal, numa aliança explícita entre aqueles que procuravam chegar avidamente ao poder e os que, na direita liberal, viram a oportunidade de aplicar um programa político há muito ambicionado. Foi assim que Portugal entrou num processo profundamente doloroso a nível económico, social e político. 

O segundo ato desta tragédia foi a forma escolhida para a execução do memorando de entendimento. Em vez de seguir uma estratégia prudente e flexível, assente na manutenção dos diferentes equilíbrios e numa atitude de negociação tensa e permanente com a Troika, o Governo optou por assumir como sua a leitura de que a "culpa da crise" estava nos países deficitários do Sul e no peso do Estado Social. O "front-loading" orçamental e a desvalorização salarial acelerada não resultaram sobretudo de uma imposição externa. Foram antes opções políticas conscientes de um projecto político e ideológico que tem no combate ao Estado e na desvalorização interna (e não no combate à crise) o seu elemento central. 

Os resultados desta estratégia são, infelizmente, bem conhecidos. Nenhuma das metas iniciais do memorando de entendimento foi cumprida, o défice continua elevado e não teve redução sustentável, a dívida disparou, a recessão foi muito mais profunda e o desemprego mantém-se em níveis socialmente insustentáveis. E mais importante, apesar de toda a retórica em torno das reformas estruturais, não assistimos a nada que possa indiciar uma qualquer melhoria da capacidade competitiva da economia portuguesa e da sua capacidade de crescimento. Pelo contrário, vários indicadores apontam para que estejamos pior ao nível do que são hoje modernos factores de competitividade (a imigração de quadros qualificados ou o investimento em ciência são dois exemplos apenas). Em síntese, a aplicação do programa constituiu para a direita liberal a oportunidade de concretizar um velho sonho, mas não permitiu ao país qualquer melhoria na sua capacidade de vencer a crise. 

Já com o fim (formal) do programa de ajustamento à vista entramos no terceiro ato desta tragédia. Nem o Governo português nem os governos europeus querem ouvir falar em mais resgates. Passos e Portas, motivados pela obtenção de ganhos políticos de curto prazo ("nós retiramos de cá a Troika e agora vamos melhorar"), contam com a cumplicidade pré-eleitoral da Europa para uma «saída limpa». Trata-se, na verdade, de uma saída sem rede, num momento em que o estado do país não se compadece com voluntarismos que podem ter efeitos irremediáveis. 

Na verdade, o peso da dívida pública no PIB que era de 70% em 2008 está hoje acima dos 125%. Na emissão de dívida desta semana (mais uma para preparar a «saída limpa») os juros superavam os 5%, mais do que aquele (já alto) que atualmente pagamos à Troika e muito mais alto do que as nossas condições realisticamente permitem sustentar. Ora, como nada nos permite antecipar níveis de crescimento económico (e de redução do défice) compatíveis com este nível de endividamento e de taxa de juro, é bem possível que nos estejam a empurrar para o abismo. E que estejam, ao mesmo tempo, a assegurar a entrada do país num período de "austeridade perpétua", agora sustentada pela necessidade de "não deixar a Troika regressar". De novo a aliança explícita entre os que procuram a todo o custo manter o poder e aqueles que o procuram para aplicação de um programa ideológico que não de superação da crise. 

Vítor Gaspar admitiu recentemente que se apercebeu da «força e da relevância da política» após a reação que a demissão de Paulo Portas provocou nos mercados. A história já aconteceu antes e repete-se agora, a propósito da «saída à irlandesa». Estamos a falar «da força e da relevância da política», mas da política de «p» pequeno, i.e., da prevalência do interesse próprio dos actores políticos sobre o interesse do país. Pois este último impunha outras soluções.’
(Fernando Medina) (Sublinhados meus) 
(Via)

3 comentários:

Anónimo disse...

E se for verdade o que diz hoje o Jornal de Negócios, vamos mesmo para o abismo...

Majo disse...

~ Não é preciso ser muito inteligente para perceber que a atuação de Pedrinho, durante todo o processo, visava satisfazer a sua ambição de poder e assegurar sucesso que lhe garantisse uma segunda vitória eleitoral, atropelando tudo que não servisse os seus objetivos.
O tiro poderá sair-lhe pela culatra. ~

Francisco Clamote disse...

Esperemos que sim que o tiro lhe saia pela culatra, porque, se assim não for, se perdidos estamos, pior ficaremos.