sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Os direitos dos cidadãos reconhecem-se, não se referendam

A intenção anunciada pelo PS no seu programa eleitoral de proceder à institucionalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo, retomada no Programa do XVIII Governo Constitucional, foi novamente reafirmada por José Sócrates durante o debate sobre o Programa do Governo, tendo o primeiro-ministro recusado, na mesma altura, submeter o assunto a referendo. A meu ver, bem e direi porquê.
A propósito do casamento entre pessoas do mesmo sexo, já, noutra altura, me pronunciei e não vou aqui repetir argumentos. Já quanto à realização do referendo é matéria nova e não me vou eximir a emitir opinião sobre o assunto.
É evidente que o casamento entre pessoas do mesmo sexo é assunto sujeito a acesa controvérsia, já que continuam a persistir, na sociedade portuguesa, preconceitos contra essa instituição, preconceitos fundados, na maior parte dos casos, em considerações religiosas. Não admira, por isso, que entre as vozes que se têm pronunciado contra tal figura jurídica surjam várias instituições religiosas, com a Igreja Católica à cabeça, e que as mesmas instituições defendam a realização do referendo, na esperança, por certo, de que, por essa via e tendo em conta o conservadorismo vigente na sociedade portuguesa, em matéria de costumes, se inviabilize a concretização da reforma do instituto do casamento.
Reconheço que, em democracia, qualquer cidadão, grupo ou instituição, mesmo religiosa, tem o direito de se pronunciar sobre qualquer assunto e, consequentemente, também sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Considero, no entanto, que para o debate não podem ser chamadas considerações religiosas, pois não é um problema religioso o que está em causa. O casamento entre pessoas do mesmo sexo, tal como o casamento entre pessoas de sexos diferentes, num Estado laico, como o nosso, é, estritamente, um assunto do foro do direito civil e, como tal, é apenas ao Estado que cumpre decidir e regulamentar.
Ora, actualmente, no plano do direito civil, o casamento não é mais que um contrato (solene, embora) celebrado entre duas pessoas (até agora, de sexo diferente) que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida. Tendo em conta a definição do casamento existente no nosso direito, definição onde nem sequer entra a propalada finalidade da procriação, não se vê que valores podem ser invocados para impedir que duas pessoas do mesmo sexo possam celebrar um contrato com idêntica finalidade: constituição duma família, mediante uma plena comunhão de vida.
Ora, a verdade é que existem pessoas do mesmo sexo que, de facto, mantêm uma relação de vida em comum, por sua livre opção, e que, com razão, reclamam o reconhecimento, de jure, dessa relação.
Digo com razão, porque a relação estabelecida entre essas pessoas resulta do exercício legítimo da sua liberdade e, como tal, não é questionável nem pelo Estado, nem por qualquer outra organização, já que tal exercício não contende com a liberdade de outrem, sendo certo também que a exigência do reconhecimento da relação por parte do Estado é não só legítima, como se impõe por força do princípio da igualdade entre os cidadãos e do princípio da não discriminação.
Estando em causa princípios constitucionalmente garantidos, como é o caso dos acima citados, forçoso é concluir que o reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo não pode, sequer, ser objecto de referendo, do ponto de vista constitucional. A obrigação do Estado e de todos é, muito simplesmente, reconhecer e respeitar os direitos em questão e retirar daí as devidas consequências, ou seja, no caso, consagrar, por via legislativa, o direito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Eventualmente, com adaptações que os peritos na matéria considerem ser objectivamente justificáveis.

8 comentários:

Anónimo disse...

Estou plenamente de acordo. Dê-se cobertura legal a uma situação da mais elementar justiça!
Não estou, porém completamente convencido de que a única forma de responder à situação seja inevitavelmente a figura do casamento. Se não houver outra, que seja esta.
Zé Mário

Anónimo disse...

Meu Caro

Mas é bom não esquecer o texto de Engels, "A origem da família, da propriedade privado e do Estado".Claro, que depois de Engels o casamento mudou muito. O afecto passou a desempenhar um papel que antes não tinha. A verdade é que a lei não reflecte esta mudança. E talvez se esteja a tentar agora, ao fazer esta equiparação, algo um pouco anacrónico. Ou seja, se o casamento que a lei regula já não é o casamento que existe, fará sentido equipar a essa figura uma situação que, para muitos sendo semelhante à relação entre um homem e uma mulher, nada tem a ver com o casamento tal com está regulado na lei?
Responda-me a isto...e depois eu digo-lhe quem sou...

Francisco Clamote disse...

Meu caro:
É verdade que o casamento, enquanto instituição "natural" mudou muito e nem é preciso recuar ao tempo de Hegel, para tal se poder constatar. Como diz e muito bem, o afecto tem hoje uma importância que ontem não tinha. Discordo, no entanto, quando afirma que a lei não tem acompanhado essa mudança.Quando muito poderá dizer-se que a lei tem sido lenta a acompanhar a mudança, mas nem é de admirar que assim seja. As mudanças, por via de regra, são introduzidas pela própria sociedade e o legislador acaba por vir mais tarde a reconhecê-las. No fundo, é o que agora se passa com com a institucionalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo, pois a realidade já existe.De qualquer forma não vejo em que é o seu argumento vai contra a institucionalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Pela lógica, o seu argumento até poderia levar-nos mais longe, ou seja, à total reformulação do instituto, hipótese que me parece de considerar, ou até, numa posição mais radical, à sua extinção. Cumprimentos.

capitolina disse...

Eu sou a favor, porém não sou a favor da mesma designação. São realidades diferentes que requerem nomes diferentes. Por mim não se chamará casamento.
E não me venham dizer, como disse a Fernanda Câncio num "Prós e Contras", que isto é discriminação, porque eu não quero discriminar, quero clarificar.
Quanto ao referendo não tinha posição, mas, postas as coisas dessa maneira, parece que não tem lógica.

Anónimo disse...

Assim canta o Amor, SOPHIA DE MELLO BREYNER :

Iremos juntos sozinhos pela areia
Embalados no dia
Colhendo as algas roxas e os corais
Que na praia deixou a maré cheia.

As palavras que disseres e que eu disser
Serão as palavras que há nas coisas
Virás comigo desumanamente
Como vêm as ondas com o vento.

O belo dia liso como o linho
Interminável será sem um defeito
Cheio de imagens e conhecimento.


...E assim O cantou NUNO JÚDICE:

Escuto o silêncio das palavras.
O silêncio suspenso dos gestos com que elas desenham
cada objecto, cada pessoa, ou as próprias ideias
que delas dependem. Por vezes,porém, as
palavras são o seu próprio silêncio.Nascem
de uma espera, de um instante de atenção, da
súbita fixidez dos olhos amados, como se
também houvesse coisas que não precisam de
palavras para existir.
...................................

Digo eu: Os afectos são HOJE e, ainda bem ,a base e o cimento das relações conjugais. Homens e mulheres homo ou heterosexuais têm direito à mesma dignidade porque a única coisa que distingue cada casal é a forma como vive a sua relação. Referendar? Mas será que ainda não somos um país de Homens e Mulheres livres e iguais.

Acompanho-o nas suas causas" Senhor dos Espantos!"- GINGINHA

Anónimo disse...

Deixemo-nos de tretas e de modas.

O casamento foi regulado no código Civil de Seabra que outro não conheço e se não estou em erro em 1888 para disciplinar as relações entre homem e mulher e numa perspectiva cristã e da procriação, e isto quer queiram quer não.
Pessoas com paciênciA E COM TEMPO ATÉ PODERÃO RECUAR e ir até à Ordenações Afonsinas que nunca li, "deo gratias".

Agora, contemporaneamente, temos uma realidade à vista de todos. Mas lésbicas e paneleiros sempre houve, escondidos, envergonhados e perseguidos e até pedófilos ( veja-se a obra sobre o Imperador Adriano, as referências à ilha de Lesbos etc.
Agora a sociedade permitiu que se mostrassem e vivessem como se casados fossem, no caso das lésbicas , uma com mais ar de macho e outra mais feminina e com eles é a mesma coisa ou coisa parecida.

E o que uns e outros querem é casar-se com as regras do casamento ou contrato de casamento do século passado, como se uma e outra coisa fosse a mesma.

Mas não é. E não vale a pena armarem-se em progressitas porque não vão lá.
Com o devido respeito, arrsnjem outro nome que chame aos bois pelos nomes respectivos.
A farinha que é farinha, pode ser de trigo, centeio ou cevada ou etc.

Mas em abono da verdade, as pessoas normais querem saber se a farinha é de trigo ou de outra coisa qualquer como por exemplo os h´bridos que dao mulas e estas não geram nem nunca poderão gerar nada.

Portanto o contrato terá que ter outro nome, sejamos claros.

E terá de ter outras regras porque queiram ou não, as realidades são diferentes e, se disserem coisa contrária disto estão a disparatar.

Aceito que pessoas que não sejam juristas digam coisas dessas, mas sendo juristas não podem confundir um contrato de arrendamento com o de aluguer, ou um contaro de hipoteca ou de um penhor, uma dação em cumprimento de uma dação em pagamento, etc. cujas consequ~encias divergem e têm de ter forçosamente outro regime.


Portanto a comentadora Capitolina faz afirmações lúcidas e pertinentes: estou do lado dela.

José Maria Bernardes,
(divorciado de uma mulher de quem teve filhos e com processo de divórcio judicial e partiha de bens, regulação do poder paternal, pensão de alimentos a filhos a à ex-mulher).

Francisco Clamote disse...

Caro José Maria Bernardes:
O "nomen juris" é assim tão importante?
Não me parece, como também não me parece muito elegante o uso de terminologia que, só por si, já denuncia a existência de preconceitos.Injustificáveis, a meu ver, seguindo a máxima "Não julgues e não serás julgado". Cumprimentos.

Anónimo disse...

JOSÉ MARIA BERNARDES:
Se "tretas e modas "é a forma como vê o direito de todas as pessoas à "dignidade", estamos conversados!
Pelo que diz, a regulação do casamento civil tem pouco mais de um século e é disso que se trata :casamento civil. .A "instituição Igreja". não é para aqui chamada .A DEUS O QUE É DE DEUS , A CÉSAR O QUE É DE CÉSAR.Quem legislou sobre o casamento civil pode voltar a legislar e é de elementar justiça que o faça.Ou sente-se assim tão superior só porque é heterossexual....Lamentável!
L.C.