sexta-feira, 31 de janeiro de 2014
"Saída em falso"
"(...)
O debate público sobre o final do programa de assistência económica e financeira tem sido marcado por três falácias fundamentais.
A primeira falácia é a ideia de que o país tem pela frente uma autêntica escolha: entre um "segundo resgate", um "programa cautelar" ou uma (desejada) "saída limpa". Infelizmente, no essencial, a escolha não é nossa. A razão pela qual não teremos um segundo resgate deve-se simplesmente ao facto de vários países credores não estarem na disposição de aprovar nos seus parlamentos novos empréstimos a Portugal.
A segunda falácia é a de que estamos perante uma "escolha informada", i.e., uma opção entre caminhos cujos contornos conhecemos. Ora, ninguém tem hoje a mínima ideia das condições associadas a cada uma das modalidades de saída, nomeadamente ao "programa cautelar". Aliás, a melhor ilustração deste problema foi dada pelo ministro das Finanças da Irlanda, que justificou a "saída limpa" com a impossibilidade de obter da Europa uma resposta satisfatória quanto ao que seriam as condições desse "programa cautelar". Perante o histórico recente da União, os irlandeses optaram pelo risco dos mercados.
A terceira falácia consiste em associar ao tipo de saída do programa uma avaliação do mérito da governação do país. Para o Governo, o "programa cautelar" é uma vitória porque não é um "segundo resgate". E se conseguirmos uma "saída limpa", então estaremos perante um "1640 financeiro". Já para a oposição, um "cautelar" é um segundo programa, e só a "saída limpa" cumprirá os mínimos. Isto quando é sabido que a "saída da troika" resulta antes de tudo da vontade expressa da Europa (e do FMI) em pôr fim ao actual modelo de intervenção e da falta de vontade em encontrar modelos diferentes.
Debater o interesse nacional nestes termos é, pois, um absurdo. Convém, desde logo, constatar uma realidade aritmética: com taxas de crescimento e de inflação previsivelmente baixas, a única forma de assegurar a estabilização da dívida pública nas actuais condições de mercado é com saldos orçamentais primários elevados (para os que defendem a inevitabilidade de um caminho de redução rápida da dívida, numa leitura muito própria do tratado orçamental, a exigência de superavit é muito maior).
Se a União Europeia funcionasse de forma regular, e se o nosso sistema político tivesse outra capacidade de compromisso, o debate seria outro: queremos um "pós-troika" assente em financiamentos com as actuais taxas de mercado, o que implica insistir na ideia de que seremos capazes de gerar um excedente orçamental elevado? Ou queremos antes defender na Europa a construção de uma solução mais realista, que reduza os encargos da dívida para patamares compatíveis com os previsíveis níveis de crescimento e correspondente trajectória orçamental?
Percebe-se bem que um debate nestes termos não interesse ao Governo: a "saída da troika", num quadro de degradação menos visível dos indicadores económicos, parece-lhe mais do que suficiente para cantar vitória. Ao mesmo tempo, para os sectores mais informados da direita, esta solução tem a vantagem de deixar o país ainda mais amarrado à estratégia de austeridade que têm defendido: a austeridade continuará a ser necessária, agora já não para "tirar a troika" mas para "a troika não regressar".
Mas todos aqueles que não acreditam na viabilidade deste caminho ganhariam em substituir o debate acerca das formas de saída da troika pelo debate das escolhas substantivas. São essas as escolhas que interessam e que podem levar o país a ganhar alguma coisa."
terça-feira, 28 de janeiro de 2014
Um relógio que é o perfeito símbolo de um fracasso
Ainda de que não tenha passado de mais um fait divers tão ao gosto de Paulo Portas, a inauguração do relógio em contagem decrescente para assinalar o fim do programa de ajustamento, não pode deixar de ser vista como a forma encontrada pelo irrequieto e (ir)revogável Portas para mostrar o quão "patriótico" é este governo que tão "ansioso" está em ver a troika pelas costas.
Infelizmente, para Portas e para este governo, a mensagem transmitida pelo relógio pode ter outra leitura. Pode e tem. É que, se a ânsia em ver a troika de partida corresponde ao verdadeiro estado de espírito do governo, e admito que sim, então teremos de concluir que o relógio de Portas é o perfeito símbolo do fracasso da política deste governo.
Explico-me:
Convém lembrar que este governo é formado por dois partidos (PSD e CDS) que não só reclamaram insistentemente a vinda da troika como tudo fizeram para que essa vinda se concretizasse. (Diga-se que, do ponto de vista deles, com razão, uma vez que a presença da troika e as suas exigências eram consideradas pelos dois partidos como altamente benéficas para o país, para além de poderem servir de justificação para as políticas que eles pretendiam tomar por conta própria.)
Se este governo está agora tão ansioso pela sua partida é porque, afinal, mesmo para os dois partidos da direita no poder, as medidas tomadas a coberto da troika não produziram os efeitos desejados, ponto sobre o qual nem parece legítimo ter dúvidas. Na verdade, em última ratio, a vinda da troika visava alcançar a consolidação das contas públicas e assegurar a sustentabilidade da dívida pública. Ora, nenhum destes objectivos foi alcançado: nem a meta do défice foi atingida, nem a dívida pública diminuiu. Pelo contrário, esta até cresceu exponencialmente.
Sobram, para se ter uma ideia mais perfeita do fracasso deste governo, os efeitos perversos da política seguida, em nome da austeridade "redentora": empobrecimento do país e da sua população, destruição da economia; aumento do desemprego; aumento da desigualdade entre os cidadãos; falta de confiança na futuro; descrença nas instituições.
Estes alguns dos "louros" com que este governo de falhados se pode enfeitar. É o que o relógio de Portas está a dizer, segundo a segundo.
(Imagem daqui)
sexta-feira, 24 de janeiro de 2014
Lisboa, hoje, com sol e tudo
(Arco da Rua Augusta)
(Rua Augusta)
(Estátua equestre de D. José na Praça do Comércio / Terreiro do Paço)
(Estátua equestre de D. João I na Praça da Figueira)
Mais um (Olli) com memória selectiva
"As declarações do Comissário Olli Rehn sobre um alegado pedido tardio de ajuda externa por parte de Portugal são frontalmente desmentidas pelos factos. Mas é preciso compreender o contexto desta tentativa desesperada de rescrever a história.
No Parlamento Europeu, convém lembrar, o Comissário Olli Rehn é o rosto da ‘troika' e está sob o fogo de uma acusação pesada: a de ser co-responsável, com Barroso e Merkel, pela resposta desastrada da Europa à crise grega e pela dureza de uma política de austeridade que agravou os problemas e falhou no seu objectivo de impedir que a especulação financeira arrastasse as dívidas soberanas num impiedoso (e lucrativo) "efeito dominó". Olli Rehn suspeita que a história não será meiga com a resposta da Europa à crise - e tem razão. Para além das óbvias insuficiências na construção do euro, que já ninguém contesta, Olli Rehn sabe que o consenso geral diz que a Europa podia e devia ter cortado o mal pela raiz, logo que os mercados escolheram a Grécia como primeiro alvo. Tal como sabe que esse erro, cometido à medida dos interesses de uns contra os interesses dos outros, provocou muito sofrimento inútil e trouxe o projecto europeu até à beira da ruptura. Embora Durão Barroso, animado pela liquidez artificial nos mercados financeiros, se tenha apressado a decretar o fim da crise do euro, Olli Rehn sabe que a economia europeia está agora ainda menos forte do que estava no início da crise. E conhece o indicador que, em vésperas de eleições, todos se esforçam por ignorar: ao fim de três anos de austeridade, o nível médio da dívida pública na zona euro atingiu cerca de 93% do PIB, valor que é sensivelmente o mesmo (!) que Portugal apresentava em 2010 quando, por entre gritos de pânico, soaram as campainhas de alarme.
É, pois, em defesa própria que Olli Rehn, desafiando os factos, se lembrou de tentar rescrever a história: afinal, "a Europa respondeu bem à crise", sugeriu ele, "Portugal é que respondeu tarde". Se a primeira tese não tem, por razões óbvias, muitos compradores na Europa e menos ainda nos Estados Unidos, já a segunda encontrou em Portugal a clientela do costume, sempre disposta a aproveitar as ofertas de ocasião.
Acontece que a resposta de Portugal à crise foi sempre concertada pelo Governo português com a Comissão Europeia e com o senhor Olli Rehn. Quer quando, no auge da grande recessão de 2009, foram decididas medidas de apoio social e estímulo à actividade económica que implicaram o agravamento do défice e da dívida; quer quando, em 2010, no início da crise das dívidas soberanas, Portugal acompanhou a mudança de estratégia da Comissão e adoptou sucessivos pacotes de medidas de controlo do défice (com os chamados PEC I, PEC II e PEC III). Tal como foi com o apoio da Comissão Europeia que foi proposto, em Março de 2011, o PEC IV, entendido como alternativa a um pedido de ajuda externa.
Felizmente, nada disto é hoje matéria de opinião. Está tudo por escrito. Foi por escrito que, a 11 de Março de 2011, o Presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, e o Presidente do BCE, Jean-Claude Trichet, fizeram a seguinte Declaração Conjunta sobre o PEC IV: "We welcome and support the announced policy package". Foi por escrito que a Bloomberg relatou a entrevista de Olli Rehn ao jornal Finlandês "Helsingin Sanomat" em que o Comissário, no próprio dia da rejeição do PEC IV, ainda dizia: "Não é certo que Portugal precise de ajuda externa". Foi por escrito que o Público citou o testemunho na primeira pessoa do Governador do Banco de Portugal, Carlos Costa: "Testemunhei que a Comissão Europeia e o BCE não queriam que Portugal fizesse um pedido de assistência financeira, igual ao grego e ao irlandês, e estavam empenhados na aprovação do PEC IV" (Público, 31-3-2012). E foi por escrito que o Diário Económico transcreveu uma entrevista de Eduardo Catroga, que agora apareceu a dizer que Portugal devia ter feito uma "negociação mais atempada", mas que 15 dias antes da apresentação do PEC IV dizia: "Não defendo, nas actuais circunstâncias de acesso, o recurso ao FEEF em parceria com o FMI, porque as experiências da Grécia e da Irlanda correram muito mal" (DE, 21-2-2011).
Numa coisa Olli Rehn tem razão: Portugal só pediu ajuda externa quando foi encostado à parede. E bem. A história ensina que nenhum país pede ajuda externa a não ser quando é absolutamente necessário. Mas o apoio expresso da Comissão Europeia e do BCE ao PEC IV continha uma mensagem clara: não encostem Portugal à parede. O problema é que por cá houve quem achasse que tinha uma ideia melhor."
(Pedro Silva Pereira; Onde estava o Olli?")
quarta-feira, 22 de janeiro de 2014
"Eunucos sem pio"
"(...)
Pelo exposto, é evidente que vivemos momentos críticos que requerem imediata intervenção. A recente consagração pública da nova Mocidade Portuguesa (leia-se JSD e JP) demonstra que o desnorte governamental e a percepção de impunidade política (onde anda o Presidente de todos os portugueses?) permite com uma banalidade atroz que se dê voz à nova face do fascismo contemporâneo e se ultrapassem todos os limites da moral política e da boa ética republicana, em prol da construção de um Novo Homem, pouco escolarizado, heterossexual, decerto branco, de boas famílias e bons costumes. Imagino que esta nova Mocidade (carinhosamente apoiada pelos respectivos chefes) pense que a política de depauperização da sociedade portuguesa terá já castrado o País, e o tornado num eunuco sem pio. Saibamos então demonstrar que tomamos sérias as lições da história; e que muito podemos ser, mas poetas castrados jamais."
(José Reis Santos. Na íntegra: aqui)
Que não restem dúvidas...
Transcreve-se a notícia para que não restem dúvidas de que o inquilino do Palácio de Belém não responde pelo apelido de Clemente. Duma vez por todas, tomem nota: é Cavaco. Cavaco Silva, mais precisamente.
O golpe
"Parece-me difícil alguém poder justificar, com honra e decência, o golpe do PSD em mandar para os fojos, através de um referendo, a questão da coadopção de crianças, por casais do mesmo sexo. A indignidade não é atitude nova por aquelas bandas políticas. Porém, esta mascarada atinge aspectos de ruinoso indecoro. A incomodidade na bancada do Governo dissimulou-se, muito mal, por receio e cobardia, com declarações de voto. O descrédito da política aumentou mais um patamar."
(BAPTISTA-BASTOS; "Entre a decência e a evasiva", in DN)
terça-feira, 21 de janeiro de 2014
Não há como negar
O governo pela boca dos dirigentes dos dois partidos, acompanhado pelo coro formado por quase toda a comunicação social, insiste que não é mais possível negar que as coisas estão a correr pelo melhor e que a partir de agora é injusto não falar do sucesso do "ajustamento" levado a cabo pelo governo PSD/CDS.
Não se pode negar, com efeito:
-Que os juros da dívida pública têm vindo a descer em paralelo com os juros da dívida de outros países intervencionados (Irlanda Grécia e Espanha designadamente) ainda que não por acção do governo português cujo poder, presumo, não chegará tão longe, mas devido à actuação do BCE, como tem sido sublinhado por entidades independentes;
-Que nos últimos trimestres, a economia portuguesa tem crescido, embora tenuamente, através da recuperação do consumo, não porque essa fosse a vontade e a política do governo, mas sim porque a política de cortes do governo foi travada pela decisão do Tribunal Constitucional permitindo, assim, um inesperado desafogo às famílias que estas converteram, em parte, em consumo;
-Que o desemprego tem descido algumas décimas nos últimos meses embora se desconheça a qualidade dos novos empregos entretanto criados e não se ignore o efeito pernicioso do surto de emigração dos melhores quadros entretanto ocorrido e estimulado por entidades governamentais.
Mas, se não se podem negar estes sinais que têm tanto de bons, como de ténues, como de equívocos, também não se pode negar:
-Que o desemprego continua em nível elevadíssimo e, para surpresa da troika, muito mais elevado do que o estimado aquando da celebração do memorando de entendimento;
-Que, apesar da economia estar, presumivelmente, a crescer nos últimos trimestres, o crescimento, no ano de 2013, no seu conjunto, ainda foi negativo, somando a economia portuguesa, ao fim de três anos sob esta governação, um decréscimo à volta dos 6 ou 7%, o que faz com que o PIB do país, graças à pandilha que tomou conta do "pote", se encontre actualmente ao nível de há 10 anos atrás;
- Que a meta do défice das contas públicas, desde que este governo entrou em funções, nunca foi alcançada, pese embora o facto de a troika, após cada avaliação, ter permitido que o défice fosse frequentemente revisto e aumentado, perante os sucessivos fracassos do governo, não obstante este ter recorrido sistematicamente ao expediente das receitas extraordinárias.
Aparentemente, a excepção terá sido o défice referente a 2013, visto que tem vindo a ser apregoado que, desta vez, o défice vai ficar abaixo ou em linha com os 5,5% previstos, depois de mais uma revisão em alta (de 4,5% para 5,5%). Admitindo-se que assim possa vir a ser, continua a não se poder negar que não estamos perante nenhum êxito, quando se sabe que a meta só foi atingida através dum vergonhoso perdão fiscal que é, simultaneamente, um insulto a todo e qualquer contribuinte cumpridor.
Lembrando que um tal défice é, mesmo assim, muito superior ao inicialmente previsto no memorando (3%), e recordando que o rácio da dívida pública era para, entretanto, baixar, que não para crescer, como se tem verificado, não há como negar que os proclamados êxitos deste governo não passam de rotundos fracassos.
Falar de sucesso, quando o que está à vista é o retrocesso, em particular no que respeita à ciência, à investigação, à inovação, à cultura, à riqueza produzida e à crescente desigualdade na sua distribuição, é algo que só está ao alcance de uns quantos desonestos intelectualmente.
Infelizmente, de um tal número não é possível excluir nem o governo, nem a presidência da República, nem a maioria parlamentar, nem os escribas, vendidos ou comprados. Todos, por uma razão ou outra, estão ao serviço da propaganda governamental. Razões que, seguramente, não são boas. Espero que não estejam à espera de absolvição.
Vergonha, não. Asco*
"Na passada sexta-feira, eu tive vergonha da democracia portuguesa, vergonha de ter contribuído com o meu voto para eleger deputados do PSD, vergonha de quem inventou um referendo por puro oportunismo político, vergonha de quem aceitou a disciplina de voto numa matéria de consciência individual, e vergonha por a co-adopção continuar a ser discutida como se fosse um assunto sobre direitos de adultos quando é, sempre foi e será uma questão básica de direitos das crianças."
(João Miguel Tavares; "Uma vergonha chamada PSD". Na íntegra: aqui.)
*Vergonha não tive, pois, ao contrário do João Miguel Tavares, não votei PSD e logo não tenho razão para me envergonhar por um acto que não pratiquei. O que esta maioria e esta governação me provoca, não é, pois, vergonha. É, pura e simplesmente, ASCO.
domingo, 19 de janeiro de 2014
Como se mata a democracia
«A emoção quase lacrimejante com que uma dúzia de deputados do PSD levantou, anteontem, a mão no Parlamento para dizer que, sendo favorável à coadoção por casais do mesmo sexo, teve que votar a favor de um tonto referendo porque a isso foi obrigada pela liderança da bancada, é das coisas mais desprezíveis que me recordo de assistir na Assembleia da República.
Há quem veja neste gesto algo de nobre: não consigo perceber porquê. Num tema que envolve, antes de tudo e acima de tudo, a consciência de cada um e uma revisitação aos valores de cada um, num tema destes não pode haver condescendência. Só pode haver decência. Coerência. Aquiescência com aquilo que queremos e gostamos de ser. Não pode haver subserviência.
Os dedos erguidos carregaram, figurativamente, no gatilho de uma pistola. Cada estalido foi um estalo na democracia. Cada tiro acertou direitinho no alvo de que pretendia escapar: na cara de cada um de nós e no coração de cada um dos deputados. As lágrimas de crocodilo pretendiam esconder o haraquíri a que se submeteu cada deputado que optou por jogar este vergonhoso jogo. Ao invés, mostrou-o em toda a sua plenitude. Foi uma coisa infantil. Muito infantil. Que apenas 11% dos portugueses confiem nos deputados e 9% nos partidos parece, a esta luz, um verdadeiro milagre. Porque uns e outros continuam a brincar à roleta russa, imaginando que não há balas no revólver. Há.
Oiço vozes que tecem elogios grandiloquentes a Teresa Leal Coelho. Não as percebo, francamente. A deputada do PSD saiu do hemiciclo na altura de votar a realização do referendo, e a seguir demitiu-se do cargo de vice-presidente da bancada parlamentar. O truque não basta para merecer aplausos. A única coisa que, em bom rigor, lhe resta é decidir se quer continuar a integrar uma bancada que faz politiquice da mais rasteira com valores civilizacionais dos mais elevados. Quer? Fica. Não quer? Sai. Ela e todos os outros que ergueram piedosamente o dedo e rabiscaram conscientemente declarações de voto, procurando aliviar a consciência, assim como quem toma um ben-u-ron para aliviar uma dor de cabeça.
(...)»
(Paulo Ferreira; "Como se mata um deputado". Na íntegra: aqui.)
sexta-feira, 17 de janeiro de 2014
Será que pensam?
"A Fundação para a Ciência e a Tecnologia atribuiu 298 bolsas de doutoramento, ou seja, a quase 40 por cento dos candidatos que se apresentaram. Para estudos pós-doutorais, a que concorreram 2035 pessoas, a dita Fundação deu generosamente 233 bolsas, ou seja: 11,45 por cento do total. Muitas coisas se poderiam dizer sobre isto. Mas, como se escreveu neste jornal, os cortes foram um “massacre” que afectará muito tempo a Universidade portuguesa e que mata de repente uma tendência que já começava a ganhar uma certa força. O responsável pela coisa é o dr. Nuno Crato, ainda ministro de um Governo que por aí vai sobrevivendo, sem direcção, sem programa e sem coerência. Não acreditam? Esperem pelo próximo episódio desta telenovela.
No dia seguinte, ou pouco mais tarde, o dr. Nuno Crato apareceu numa conferência de imprensa conjunta com o dr. Pires de Lima. Nessa conferência os dois resolveram falar sobre “empreendedorismo e inovação”. Tanto um como o outro falaram com entusiasmo da colaboração entre a ciência e a economia: prometeram 50 milhões de euros, uma série de programas de utilidade duvidosa e um esforço para mandar infinitos doutorados para empresas de grande futuro. Mas, como bons burocratas que são, e nunca deixarão de ser, anunciaram também a sua coroa de glória: a criação de uma “agência interministerial” para se ocupar do assunto; o que significa evidentemente mais funcionários, mais conselheiros, mais secretárias, mais despesa e por aí fora.
Claro que, se o “presidente” ou “director” desta original loucura tiver um resto de juízo, manda ao sr. Pires de Lima e ao sr. Crato uma cartinha, aconselhando este excelentíssimo par a devolver as bolsas a quem as tirou e pedindo respeitosamente a sua demissão. Mas, como uma criatura destas não é fácil de encontrar em Portugal, só nos resta, para nos divertir, fazer listas comentadas das contradições destes cavalheiros e de Passos Coelho e Portas, que os deveriam vigiar. Verdade que o tempo não está para risotas, sobretudo num caso destes. De qualquer maneira talvez não deixasse de confortar os portugueses compreender a inteligência e a subtileza de quem os pastoreia. Quando o disparate ferve, convém estar preparado para qualquer emergência. Nada impede que amanhã eles nos declarem uma colónia de Andorra, em nome da independência nacional."
(Vasco Pulido Valente; "Como os ministros pensam")
quarta-feira, 15 de janeiro de 2014
terça-feira, 14 de janeiro de 2014
O jornalismo que (não) temos
"Uma piada que corre há uns anos nos EUA diz que os americanos vêem programas de humor como o “Daily Show” do humorista Jon Stewart para ficarem informados e programas de informação como os da Fox News para se rirem. É verdade que os programas de Jon Stewart são particularmente informativos e fazem uma atenta leitura crítica da realidade poilítica americana e que os programas da reaccionária Fox News são particularmente manipuladores e desonestos, mas o aforismo é verdade em geral e não apenas para os EUA.
Humoristas como os americanos Jon Stewart e George Carlin, como os britânicos Monty Python ou Ricky Gervais, como o francês Coluche ou como os portugueses Mário Viegas, Bruno Nogueira ou Ricardo Araújo Pereira tiveram ou têm um papel mais importante na visão crítica da sociedade e na denúncia de injustiças ou de absurdos do que a esmagadora maioria dos media de informação e dos jornalistas profissionais.
(...)
Quem quiser saber o que se passa de facto na política portuguesa ou europeia, quais serão os impactos desta ou daquela política, tem hoje de dedicar um tempo insano à leitura de blogs de especialistas e comentadores independentes, de textos de organizações partidárias e profissionais, de estudos académicos. O jornalismo costumava fazer-nos poupar tempo mas deixou de o fazer. O que o grosso do jornalismo hoje nos oferece (e a televisão tem aqui o principal papel) não é mais do que a repetição de um discurso hegemónico, de carácter propagandístico, de direita (defensor da desigualdade), que nos repete que não há alternativa (TINA) ao crescimento da pobreza, à desigualdade, ao enriquecimento dos mais ricos, à destruição do estado social, à degradação do trabalho, à exclusão dos pobres.
(...)
Veja-se o que se passa com a invenção do “aumento do emprego” do discurso de Passos Coelho, ou com a aldrabice da “retoma económica” que o Governo tem vindo a repetir, ou com a ficção do “programa cautelar” delicodoce que Cavaco Silva elogia ou com a abjecção da “insustentabilidade das pensões” que PSD e CDS apregoam. Não há pessoas a denunciar estas e outras aldrabices? Há, e há-as da esquerda radical à direita democrata-cristã (a sério) e as vozes que o dizem são reconhecidamente competentes e respeitadas. Mas são vozes singulares num mar de discurso propagandístico avassalador que repete a voz do dono e onde as televisões ocupam a parte de leão. Este é o cancro que se encontra no centro do problema político das sociedades actuais."
segunda-feira, 13 de janeiro de 2014
Inequívocos sinais de "sucesso"
Dois exemplos que mostram à saciedade que este governo está a ter um enorme sucesso na destruição do país. Por este caminho não ficará pedra sobre pedra.
Desfazendo ilusões e mistificações
Ricardo Pais Mamede no programa "Expresso da Meia Noite" da SICN: uma análise séria sobre os sucessos do governo propagandeados nos últimos tempos. Tais "sucessos", a confirmar-se a análise não passam, porém, de ilusões e mistificações. O tempo o dirá .
Falácias e mentiras
Um artigo de opinião da autoria de Bagão Félix (Falácias e mentiras sobre pensões) que vale a pena transcrever e ler na íntegra:
"A ideologia punitiva sobre os mais velhos prossegue entre um muro de indiferença, um biombo de manipulação, uma ausência de reflexão colectiva e uma tecnocracia gélida.
Escreveu Jean Cocteau: “Uma garrafa de vinho meio vazia está meio cheia. Mas uma meia mentira nunca será uma meia verdade”. Veio-me à memória esta frase a propósito das meias mentiras e falácias que o tema pensões alimenta. Eis (apenas) algumas:
1. “As pensões e salários pagos pelo Estado ultrapassam os 70% da despesa pública, logo é aí que se tem que cortar”. O número está, desde logo, errado: são 42,2% (OE 2014). Quanto às pensões, quem assim faz as contas esquece-se que ao seu valor bruto há que descontar a parte das contribuições que só existem por causa daquelas. Ou seja, em vez de quase 24.000 M€ de pensões pagas (CGA + SS) há que abater a parte que financia a sua componente contributiva (cerca de 2/3 da TSU). Assim sendo, o valor que sobra representa 8,1% da despesa das Administrações Públicas.
2. Ou seja, nada de diferente do que o Estado faz quando transforma as SCUT em auto-estradas com portagens, ao deduzi-las ao seu custo futuro. Como à despesa bruta das universidades se devem deduzir as propinas. E tantos outros casos…
3. Curiosamente ninguém fala do que aconteceu antes: quando entravam mais contribuições do que se pagava em pensões. Aí o Estado não se queixava de aproveitar fundos para cobrir outros défices.
4. Outra falácia: “o sistema público de pensões é insustentável”. Verdade seja dita que esse risco é cada vez mais consequência do efeito duplo do desemprego (menos pagadores/mais recebedores) e - muito menos do que se pensa - da demografia, em parte já compensada pelo aumento gradual da idade de reforma (f. de sustentabilidade). Mas porque é que tantos “sábios de ouvido” falam da insustentabilidade das pensões públicas e nada dizem sobre a insustentabilidade da saúde ou da educação também pelas mesmas razões económicas e demográficas? Ou das rodovias? Ou do sistema de justiça? Ou das Forças Armadas? Etc. Será que só para as pensões o pagador dos défices tem que ser o seu pseudo “causador”, quase numa generalização do princípio do poluidor/pagador?
5. “A CES não é um imposto”, dizem. Então façam o favor de explicar o que é? Basta de logro intelectual. E de “inovações” pelas quais a CES (imagine-se!) é considerada em contabilidade nacional como “dedução a prestações sociais” (p. 38 da Síntese de Execução Orçamental de Novembro, DGO).
6. “95% dos pensionistas da SS escapam à CES”, diz-se com cândido rubor social. Nem se dá conta que é pela pior razão, ou seja por 90% das pensões estarem abaixo dos 500 €. Seria, como num país de 50% de pobres, dizer que muita gente é poupada aos impostos. Os pobres agradecem tal desvelo.
7. A CES, além de um imposto duplo sobre o rendimento, trata de igual modo pensões contributivas e pensões-bónus sem base de descontos, não diferencia careiras longas e nem sequer distingue idades (diminuindo o agravamento para os mais velhos) como até o fazia a convergência (chumbada) das pensões da CGA.
8. “As pensões podem ser cortadas”, sentenciam os mais afoitos. Então o crédito dos detentores da dívida pública é intocável e os créditos dos reformados podem ser sujeitos a todas as arbitrariedades?
9. “Os pensionistas têm tido menos cortes do que os outros”. Além da CES, ter-se-ão esquecido do seu (maior) aumento do IRS por fortíssima redução da dedução específica?
10. Caminhamos a passos largos para a versão refundida e dissimulada do famigerado aumento de 7% na TSU por troca com a descida da TSU das empresas. Do lado dos custos já está praticamente esgotado o mesmo efeito por via laboral e pensional, do lado dos proveitos o IRC foi já um passo significativo.
11. Com os dados com que o Governo informou o país sobre a “calibrada” CES, as contas são simples de fazer. O buraco era de 388 M€. Descontado o montante previsto para a ADSE, ficam por compensar 228 M€ através da CES. Considerando um valor médio de pensão dos novos atingidos (1175€ brutos), chegamos a um valor de 63 M€ tendo em conta o número – 140.000 pessoas - que o Governo indicou (parece-me inflacionado…). Mesmo juntando mais alguns milhões de receitas por via do agravamento dos escalões para as pensões mais elevadas, dificilmente se ultrapassam os 80 M€. Faltam 148 M, quase 0,1% do PIB (dos 0,25% que o Governo entendeu não renegociar com a troika, lembram-se?). Milagre? “Descalibração”? Só para troika ver?
12. A apelidada “TSU dos pensionistas” prevista na carta que o PM enviou a Barroso, Draghi e Lagarde em 3/5/13 e que tinha o nome de “contribuição de sustentabilidade do sistema de pensões” valia 436 M€. Ora a CES terá rendido no ano que acabou cerca de 530 M€. Se acrescentarmos o que ora foi anunciado, chegaremos, em 2014, a mais de 600 M€ de CES. Afinal não nos estamos a aproximar da “TSU dos pensionistas”, mas a … afastarmo-nos. Já vai em mais 40%!
13. A ideologia punitiva sobre os mais velhos prossegue entre um muro de indiferença, um biombo de manipulação, uma ausência de reflexão colectiva e uma tecnocracia gélida. Neste momento, comparo o fácies da ministra das Finanças a anunciar estes agravamentos e as lágrimas incontidas da ministra dos Assuntos Sociais do Governo Monti em Itália quando se viu forçada a anunciar cortes sociais. A política, mesmo que dolorosa, também precisa de ter uma perspectiva afectiva para os atingidos. Já agora onde pára o ministro das pensões?
P.S. Uma nota de ironia simbólica (admito que demagógica): no Governo há “assessores de aviário”, jovens promissores de 20 e poucos anos a vencer 3.000€ mensais. Expliquem-nos a razão por que um pensionista paga CES e IRS e estes jovens só pagam IRS! Ética social da austeridade?"
domingo, 12 de janeiro de 2014
Sem futuro
"(...) Na verdade, um dos partidos do governo, o CDS-PP, hoje reunido em Congresso, é o maior partido unipessoal da democracia portuguesa, o partido de Paulo Portas (PP). Tanto assim é que na longa tentativa de suicídio estival do executivo ninguém ensaiou a hipótese - perfeitamente normal numa democracia com partidos normais - de conciliar o dilema moral de um ministro que apresentara a sua "irrevogável" demissão, com as aflições de um país inteiro que se arriscava a ser defenestrado segunda vez pelos mercados, através de uma remodelação que afastasse Portas, mantendo, contudo, a coligação.
(...) Há vinte anos, o CDS-PP tinha propostas nítidas. Poderia não se gostar, mas era um partido conservador com pensamento próprio. Foi a substância das ideias que levou ao afastamento, em 1992, do seu fundador, Freitas do Amaral, num voto pelo Tratado de Maastricht, que a crise atual revela ter sido mais ditado pela "convicção" do que pela razão. Em 1994, Portas juntava a sua voz na crítica aos riscos para o País da UEM (tal como o fez também o PCP, e vozes atentas como as de João Ferreira do Amaral). Nessa altura, o CDS era um partido sem poder, mas com uma visão para o futuro de Portugal. Numa estranha versão "burguesa" do culto estalinista da personalidade, hoje o CDS é um partido de poder, mas esvaziado de futuro. O seu "programa" confunde-se com os estados de alma do seu chefe perpétuo."
(Viriato Soromenho-Marques; «O congresso dos "PP"»; Na íntegra: aqui)
sábado, 11 de janeiro de 2014
Ai sim ? A sério?
Por razões que não são aqui chamadas, não tive ainda oportunidade de comentar a mensagem de Ano Novo de Cavaco Silva. Na falta de produção própria, fica aqui registo da dita cuja através da transcrição de um comentário de Paulo Ferreira, com o título "O presidente no seu melhor":
"A mensagem de Ano Novo dita ontem aos portugueses pelo presidente da República é um bocejo. São seis páginas de conversa mole e desinteressante em que Cavaco Silva mostra como politicamente é: um monumento ao taticismo e ao equilibrismo, de modo a não chatear Deus, nem incomodar o diabo.
Ao dar uma no cravo e outra na ferradura, como diz o povo, o chefe de Estado mostra, por outro lado, toda a sua fragilidade enquanto ator político. Num tempo que reclama decisão e ação, o presidente da República escolhe a lassidão (política, claro).
Cavaco Silva está metido na trincheira que o próprio cavou quando, na crise do verão quente de 2013, tentou transformar um triângulo num quadrado, tese em que ontem insistiu, ainda que de maneira mais sibilina. A embrulhada do "compromisso de salvação nacional" foi de tal forma mal gerida e teve um tal resultado que, agora, o chefe de Estado não pode, sob pena de abrir o flanco, tecer um encómio ao Governo ou, ao invés, dirigir-lhe uma crítica mais severa - seria imediatamente acusado de estar a tramar Passos, por quem, como se sabe, não morre de amores.
Piscar o olho a Seguro é, igualmente, possibilidade fora de causa. A inversa também é verdadeira. Um elogio ou um ralhete ao líder do principal partido da Oposição seriam tomados como uma ajuda ao Governo e uma afronta ao PS.
É por estar metido nesta camisa de onze varas que o chefe de Estado nos presenteou com pérolas do seguinte calibre:
- "O desemprego manteve-se em níveis muito elevados". Ai sim?
- "Orgulhamo-nos de viver numa democracia consolidada". Viva!
- "No ano findo, surgiram sinais que nos permitem encarar 2014 com mais esperança". Consta que o comum dos portugueses ainda não avistou tais "sinais", apesar de redobrados esforços para chegar ao final do mês com os bolsos mais compostos.
- "Há que reconhecer o extraordinário esforço feito pelos nossos empresários e trabalhadores". Ai sim?
- "Há razões para crer que Portugal não necessitará de um segundo resgate. Um programa cautelar é uma realidade diferente". A sério?
Há um ano, o presidente da República mandou o Orçamento do Estado para o Tribunal Constitucional, por entender que os gigantes sacrifícios pedidos aos portugueses afetavam "alguns mais do que outros", facto que naturalmente lhe suscitava "fundadas dúvidas".
Este ano, apesar da violência da crise continuar a manifestar-se em todo o seu esplendor, Cavaco não esclareceu sequer se pretende pedir aos juízes do Palácio Ratton ajuda para descortinar eventuais problemas no Orçamento. A razão é simples: o presidente da República odeia, mas odeia mesmo, meter-se em (inevitáveis) problemas antes do tempo."
(Assino de cruz.)
sexta-feira, 10 de janeiro de 2014
Para avivar memórias curtas
"Ao nono dia de vigência do Orçamento para 2014, o Governo anunciou as medidas do primeiro orçamento rectificativo do ano. O que vem aí, como se previa, é mais do mesmo: contribuições agravadas sobre os pensionistas e os funcionários públicos.
Mas que ninguém se iluda: as medidas podem ser novas, o plano é o velho.
Agora que o Governo anuncia mais um pacote de medidas de austeridade sobre as pessoas, vale a pena revisitar os argumentos que o PSD usou em 2011 para justificar a crise política que forçou o pedido de ajuda externa e acabou por o levar ao poder. Esses argumentos constam da resolução que o PSD apresentou na Assembleia da República contra a aprovação do célebre PEC IV, onde se pode ler o seguinte: "Mais uma vez o Governo recorre aos aumentos de impostos e cortes cegos na despesa (...)". A esse ímpeto laranja, em veemente protesto contra "qualquer aumento das contribuições", não faltou sequer o colorido habitual na sua linguagem de combate: "Mantém a receita preferida deste Governo: a solução da incompetência. Ou seja, se falta dinheiro, aumentam-se os impostos".
O CDS, por seu turno, fazia coro no protesto, erguendo bem alto a bandeira dos pensionistas, a quem se faziam juras de fidelidade irrevogável e a quem se prometia, com a maior solenidade, vistosas linhas vermelhas apontadas como intransponíveis.
Foi com base neste discurso panfletário que se construiu uma fantasia eleitoral, assente numa fantástica fórmula mágica: o corte nas detestáveis "gorduras do Estado". Eduardo Catroga, coordenador do Programa eleitoral do PSD, explicava assim a coisa, já depois de conhecido o Memorando de Entendimento (divulgado no dia 3 de Maio): "Na reunião que tivemos com a "troika", dissemos: basta de austeridade sobre as pessoas. Tivemos o PEC I, tivemos o PEC II, o PEC III com o corte de salários no Estado, corte de pensões e aumento de impostos.
Agora, é preciso austeridade no Estado, porque não aceitamos mais austeridade para as pessoas" (Público, 11-5-11). Foi em nome desta afirmação, tão categórica como demagógica, que se vendeu aos portugueses, para consumo eleitoral, um mirabolante plano de governação - o verdadeiro Plano A do Governo - que jurava apostar forte no corte nas despesas do Estado e no combate ao famigerado "Estado paralelo", onde se dizia habitar um monstro horrível e insaciável. As pessoas, essas, podiam, finalmente, respirar de alívio e, por consequência, eram convidadas a votar tranquilamente no partido cujas setas até apontam para o céu. Ou, em alternativa, no outro cujas setas não apontam para lado nenhum.
Tudo isto, porém, foi antes das eleições. O que veio a seguir, foi bem diferente. Desde a primeira hora, o Governo da direita decidiu trocar as sedutoras promessas eleitorais dos partidos da maioria por uma estratégia económica de sinal absolutamente contrário: uma estratégia firme de empobrecimento. Empobrecimento do País e empobrecimento das pessoas. E tudo em nome de uma austeridade que se julgava expansionista. Foi aí - não foi agora - que nasceu o Plano B do Governo. E é esse plano que essencialmente se mantém, com estas ou com aquelas medidas.
Agora que os partidos da direita, uma vez que falta dinheiro para cumprir as metas do défice, reincidem no aumento das contribuições que tanto contestaram quando estavam na oposição, seria fácil recordar, com ironia, o que o PSD dizia do Governo anterior: "essa é a solução da incompetência". Mas o que está em causa é sério demais para convidar à ironia: a insistência do Governo nesta sua estratégia de empobrecimento, que inapelavelmente revoga todas as promessas eleitorais, confirma um chocante desprezo pelos compromissos assumidos com os eleitores. E expõe toda a magnitude da fantasia eleitoral que foi vendida aos portugueses."
(Pedro Silva Pereira; "O verdadeiro plano B"; in DE. Sublinhado meu)
A doença e a consequência
"Agora, devagarinho. Esta crónica não é sobre Sócrates. Aliás, a de ontem também não. Esta crónica é sobre uma doença mental. E a de ontem também. Esta semana, Sócrates falou, como tanta gente, sobre Eusébio e "eu". Não disse nada de empolgante: que foi na escola que ele comemorou, tinha 8 anos, o jogo Portugal-Coreia do Norte. Sobre o âmago do assunto, Eusébio, li muito melhor. Na caixa de comentários do Guardian, um leitor lembrou a história que o seu pai sempre contara: que, em miúdo, vira o Eusébio no estádio de St. James" Park, em Newcastle, jogar de luvas, "era a primeira vez que via neve", e marcar um belo golo de livre. No domingo, o filho disse ao pai que o "grande homem" morrera. Então, o pai repetiu a história e os por-menores. Ora, no ano passado, o Benfica jogou com o Newcastle e o filho soube que o Benfica e Eusébio nunca tinham estado em St. James" Park. No domingo, o filho rematou: "Não tive a coragem de dizer ao meu pai a verdade." Ele escreveu heart, que em inglês quer dizer, além de coragem, coração. Reparem, ele não cobrava ao pai a inverdade, o pai baralhara memórias, como tantas vezes fazemos às antigas e por vezes às mais queridas. José Sócrates não baralhou a memória, o essencial do que disse já se confirmou - alguns garotos da Covilhã iam para o pátio da escola mesmo aos sábados e nas férias. O problema aqui não é Sócrates e o seu testemunho vulgar. O problema foi o alarido sobre esse nada. Esse nada, nada. Cometeram-no um diretor de jornal, um eurodeputado, blogues e o jornal mais vendido, patrulhando uma memória velha de 47 anos do que aconteceu a um miúdo de 8. Mesmo se ele se tivesse enganado merecia só um sorriso. A sanha persecutória, essa, sim, é doentia. Aliás, ela é a doença. Uma obsessão. Há três anos, ela diabolizou um lado a ponto de ter impedido o que era então necessário e o Presidente diz, só agora, ser necessário: um esforço conjunto para combater a crise. A doença já nos cegou uma vez. E a minha memória é exata."
Subscrever:
Mensagens (Atom)