Numa das suas arremetidas contra o Orçamento de Estado, o secretário-geral do PSD, Miguel Relvas, saiu-se com a afirmação de que a proposta apresentada pelo Governo é de “grande insensibilidade social, que vai trazer maior disparidade social, que vai trazer maiores problemas sociais, mais fome e mais miséria ao nosso país”, retomando, assim, uma das críticas mais virulentas dirigidas pelo PSD contra o Orçamento.
Ora, tanto quanto se sabe, pelo que tem vindo a ser publicitado, as divergências entre o PSD e o Governo, no momento em que as negociações entre ambos foram abortadas, resumiam-se, no que respeita ao aumento de impostos ao número de escalões que ficariam isentos da limitação das deduções fiscais em matéria de saúde e de educação, em sede de IRS: na proposta do Governo ficariam isentos os 3 primeiros escalões onde cabem os 3.800.000 agregados com rendimentos mais baixos (ver o quadro infra retirado daqui) enquanto para o PSD a limitação deveria abranger apenas os dois últimos escalões (40.000 agregados, em números redondos).
Não discuto aqui se a divergência era ou não ultrapassável: o PSD entendeu que a perda de receita fiscal resultante da sua proposta podia ser compensada pelo lado da despesa com cortes de igual montante nos consumos intermédios (fosse lá onde fosse) e o Governo garantiu que, tendo já cortado a despesa em cerca de 25%, não tinha margem para efectuar mais cortes, tanto mais que esses cortes, mesmo que inscritos no Orçamento, não teriam credibilidade, por não serem exequíveis.
O que me interessa aqui destacar, face à posição assumida no desenrolar das negociações, é que o discurso da "fome e da miséria" ensaiado pelo PSD não passa de conversa fiada (ou de uma farsa, se quiserem) porque é evidente que, se tal discurso fosse para levar a sério, o PSD não poderia aceitar, como aceitou, aparentemente sem pestanejar, ao aumento do IVA de 21% para 23%. É que o IVA é, ele sim, o imposto mais socialmente injusto, pois atinge todos os consumidores, mesmo os de menores rendimentos.
A recusa por parte do PSD em aceitar que a limitação das deduções em matéria de IRS abrangesse também os agregados incluídos no 4º e no 5º escalão (que não são ricos, é certo, mas em relação aos também não se pode falar em fome e miséria) e a sua incapacidade em indicar em concreto onde é que se poderiam fazer cortes na despesa que compensassem a quebra de receita, mostram, isso sim, que o que move o PSD não são os "pobrezinhos", mas os votos de uns largos milhares de eleitores, os correspondentes a mais de 500.000 agregados, incluídos nos referidos escalões.
Mesmo admitindo que a consideração antecedente é forçada, cabe no mínimo, perguntar: o que é que a posição assumida pelo PSD, durante as negociações, tem a ver com justiça social ?
Nada.
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