domingo, 8 de dezembro de 2013

Milagres na África do Sul

E Mandela o seu autor, ele próprio um autêntico "milagre". Tão autêntico que, pelo exemplo, teve a  força para gerar tantos outros milagres como este relatado por Roberto Carneiro:

«(...)
Um fazendeiro boer, homem rude e grotescamente inescrupuloso, fazia, do alto do seu 1,90 m de altura, uma descrição sádica do que fizera aos familiares de um jovem adolescente, com idade não superior a 16-17 anos, único sobrevivente do massacre levado a cabo na propriedade do primeiro.

"É verdade. Matei o teu pai à paulada. Quanto mais ele gemia, mais forte lhe acertava com o maço, na certeza de que o calaria. A tua mãe, que assistiu à morte do teu pai, cortei-a às postas, com que alimentei os porcos na pocilga. Às tuas duas irmãs, violei-as repetidamente e chamei os meus colaboradores directos para assistirem, e banquetearem-se de seguida com os corpos jovens e apetitosos que lhes oferecia, após o que as matei sumariamente, a seu pedido, em nome da preservação das suas honras."

E, continuava, por aí fora, caprichando numa prosa ignóbil, perante o nojo dos jurados, que, entre estupefactos e revoltados com tão animalesca descrição, se viam compelidos a escutar, indefesos, o incrível rol de barbáries e de violências em catadupa.

Findo o martírio de uma narrativa digna de uma besta repugnante, o presidente da CVR vira-se para o jovem negro, silencioso, por cujas faces rolavam grossas pérolas salgadas de um mar revolto que lhe invadia as entranhas, e interpela-o:
"Tens alguma coisa a dizer?"
"Sim", afoita-se o jovem, subitamente recomposto por uma notável serenidade.
Olhando de frente o sabujo criminoso, olhos nos olhos, diz-lhe numa candura de voz que nos deixou, a todos nós, gélidos: "Perdoo-te! (I forgive you!)"
(...)»

(Homenagem a Madiba. Na íntegra: aqui)

Quem é que, perante "milagres" como este, não se sente pequenino, pequenino? Eu sinto.

4 comentários:

Majo disse...

Uma pergunta que me parece pertinente: porque só agora este dicurso?
Desde 1996, não terá havido efemérides que justificassem uma mais oportuna homenagem, estando Mandiba vivo?
Terá S. Carneiro reservado esta dissertação para esta ocasião?
Merece-me sempre muita reserva, os discursos fúnebres que pretendem tramsformar heróis em santos.

Majo disse...

S. Carneiro conheceu muito pouco o povo da Àfrica do Sul, não entendeu o que é "transportar um pequeno Mandela no peito".

Isto queria dizer que era preciso não ser santo, mas beber o cálice do fel: relevar a favor de uma causa maior, a liberdade e independência de uma nação.

A África do Sul, não teve heróis de guerra, teve heróis de abegnação.

Majo disse...

O poderio militar da África do Sul era imenso. Nenhum partido de libertação tinha condições de o vencer sem ajuda exterior e, se isto acontecesse, seria um mar de sangue. Foi isto que Mandela evitou apelando à paz.
Ninguém que viveu aqueles momentos difíceis esquece o discurso de Botha, quando pressionado pelas instâncias internacionais, afirmou nunca entregar o país, nem que fosse preciso fazê-lo explodir com bombas atómicas.

Majo disse...

Nem todos os sul africanos conseguiram beber a taça de fel.
S. Carneiro, trata-os com um tom pejorativo de ressabiados. Não conheceu o que era o aparteith. Com a morte de Mandela e a
existência de conflitos tribais, a maioria do povo teme convulsões sociais, que poderão conduzir em caso extremo, à guerra civil.
Não parecem ser pacíficos, os próximos tempos na África Austral, em terras pisadas pela primeira vez por portugueses e que conservam alguns dus nossos toponímicos, como por ex, Natal.