«(...) o que até agora provocou a maior subida da dívida pública foi mesmo o programa de austeridade. Em 2010, a nossa dívida estava nos 94% do PIB. A última estimativa do Banco de Portugal coloca-a nos 134%. Isto é: aumentou quase em metade.
Não é difícil perceber porquê. Desde logo porque continuámos a acumular défices. Sofremos várias outras reclassificações. Mas, sobretudo, por causa do efeito de bola de neve: quando a taxa implícita de juro é superior à taxa de crescimento nominal do PIB, a dívida aumenta, mesmo que o Estado não gaste, em despesa corrente, mais do que recebe.
É praticamente impossível a Portugal cumprir a obrigação de chegar, no prazo de duas décadas, aos 60% de dívida sobre o produto estabelecidos nos tratados europeus. Os níveis de crescimento e de saldo orçamental que seriam necessários estão fora do nosso alcance - e, aliás, as maneiras de chegar a um e a outro são contraditórias entre si. O estudo apresentado ao Parlamento por Ricardo Cabral e os seus colegas, assim como os cálculos apresentados pelo Presidente na última edição dos seus "Roteiros", são eloquentes.
Ora, qualquer debate sobre a dívida que não tenha em conta estes factos carece de sentido útil. Eles mostram três coisas simples. Que o aumento descontrolado da dívida pública não é uma singularidade nem uma "falta" nossa, que deveríamos expiar, mas o efeito (certamente agravado pela fragilidade da nossa economia) de duas crises internacionais e da tibieza da resposta europeia à segunda crise, dita das dívidas soberanas. Que o programa de austeridade excessiva e antieconómica a que fomos obrigados desde 2011 só agravou o problema. E que não é possível resolvê-lo se continuarmos a seguir a mesma receita para os anos vindouros.
Talvez se compreenda assim melhor a razão que assiste aos que defendem que é preciso pensar de outra maneira: não do défice e da dívida para a economia, mas sim da economia para o défice e a dívida. Se a nossa política face à dívida só servir para castigar a economia, nunca resolveremos a questão da dívida.»
(Augusto Santos Silva. (Na íntegra; aqui)
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