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A jornalista do Jornal de Negócios Eva Gaspar escreveu há dias um artigo ("A grande falácia grega... ") no qual procura denunciar como falaciosa a ideia da insustentabilidade da dívida grega e da necessidade da sua reestruturação. Sendo que, como sempre nestas coisas, quem em Portugal fala da Grécia está também, e sobretudo, a falar de Portugal. A estratégia argumentativa da autora assenta em dois eixos: o argumento moral habitual sobre a necessidade de honrar as dívidas independentemente das consequências, por um lado; e uma comparação com o caso japonês, país cuja dívida pública anda pelos 250% do PIB (bem mais que os 177% da Grécia) mas que, como assinala a autora, nem por isso se queixa que está falido ou reclama uma reestruturação.
Pela minha parte, não vejo grande interesse em tratar o estafado argumento normativo, mas a comparação com o caso japonês - que é, ela sim, falaciosa - merece ser chamada a esta coluna devido ao seu interesse pedagógico, pois é especialmente útil para explicar porque é que nem toda a dívida pública é igual ou tem as mesmas consequências.
A diferença fundamental entre as dívidas públicas grega (ou portuguesa, já agora) e japonesa consiste em quem a detém. No caso grego, a esmagadora maioria é detida por credores estrangeiros , que antes eram sobretudo privados e neste momento são sobretudo oficiais. Já no caso japonês, a dívida pública é detida quase exclusivamente por agentes nacionais : além do maior credor de todos ser o próprio Banco do Japão, que pertence ao estado japonês e é por ele controlado, menos de 10% da dívida pública está nas mãos de credores estrangeiros. Isto tem implicações radicalmente diferentes, que Eva Gaspar parece ignorar e que não são apenas ao nível da autonomia política.
É que enquanto os juros pagos todos os anos para remunerar a dívida pública japonesa são transferidos para as mãos do próprio sector privado japonês, alimentando a procura agregada, no caso grego - e português - correspondem a uma sangria de recursos para o exterior, uma repetida punção procíclica substancial em contexto recessivo. Ora, é da incompatibilidade entre essa transferência permanente de recursos para o exterior e a recuperação de níveis de crescimento e/ou inflação que permitam reduzir o nível de endividamento que resulta a inevitável insustentabilidade da dívida pública grega e portuguesa. Não interessam apenas o stock da dívida ou o peso dos juros: interessa também a quem são pagos esses juros e o que é que isso implica para a economia.
Por outras palavras e em termos mais gerais, a dívida pública japonesa, apesar de ser das maiores do mundo em termos absolutos e relativos, não é insustentável porque, em primeiro lugar, o Japão dispõe de moeda própria e da possibilidade de monetizar parte dessa dívida na medida do que entenda ou necessite; e, em segundo lugar, porque a componente externa dessa dívida é insignificante e mais do que compensada pelos activos detidos pelos agentes japoneses no exterior. Na verdade, o Japão é um credor líquido face ao exterior, tal como expresso pela posição de investimento internacional, o que implica um afluxo constante e significativo de rendimentos de capital. É mesmo o maior credor líquido do planeta. No caso de Portugal e da Grécia, a posição de investimento internacional é profundamente negativa: perto de -120% do PIB em ambos os casos . No ranking da posição financeira externa, estamos no extremo oposto. Somos os antípodas do Japão.
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( Alexandre Abreu; "Há dívidas e dívidas". Na íntegra: aqui).
(A dita senhora andava há muito a pedi-las...)
2 comentários:
Li com interesse.
E gostei.
Como sempre, excelente o Alexandre Abreu.
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