quarta-feira, 11 de novembro de 2015

"Salário mínimo: dignidade e bom senso"

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Entretanto, perante a intenção, constante do acordo PS-CDU-BE, de aumentar o SMN para 530€ em 2016 e até aos 600€ até ao final da legislatura, reacende-se agora o debate acerca dos méritos e deméritos do aumento do salário mínimo. E tal como há quatro anos, o argumento conservador, que visa preservar os ganhos do capital na distribuição funcional do rendimento, traveste-se de altruísmo – longe de nós querer aprofundar a desigualdade ou defender os rendimentos de capital, o que nos move é a defesa do emprego. Mobilizando em seu favor– como foi o caso de Luis Aguiar-Conraria na semana passada – a “literatura económica” como argumento de autoridade.

Sucede que a literatura económica não apoia a conclusão que o salário mínimo provoca desemprego. Do ponto de vista teórico, o impacto de variações no salário mínimo sobre o emprego é indeterminado: se à escala de cada empresa um SMN maior tenderá a implicar, com tudo o resto igual, menor disponibilidade para empregar, o mesmo não sucede à escala da economia como um todo, uma vez que a alteração resultante na distribuição do rendimento tenderá a alterar a procura no mercado de bens, traduzindo-se num aumento da procura no mercado de trabalho. Já do ponto de vista empírico, como referiu entretanto Pedro Pita Barros aqui, os estudos existentes sobre a relação SMN-emprego são inconclusivos – acrescendo, digo eu, o facto da maior parte desses estudos (como é o caso do que referi no início deste artigo) não ter em conta o efeito expansivo da alteração na distribuição do rendimento, via procura no mercado de bens, na procura de mão-de-obra, pelo que são tendencialmente enviesados pela negativa. Em suma, o argumento em contrário – a destruição de emprego – é, além de cínico, desprovido de sustentação.

Regressemos por isso ao essencial. O aumento do salário mínimo é uma questão de decência e dignidade básicas. Visa evitar que quem vive do seu trabalho viva na pobreza e visa evitar que quem contrata possa aproveitar o desemprego generalizado para explorar de forma inaceitável. Na distribuição funcional do rendimento, o aumento do SMN irá com certeza aumentar a componente salarial à custa do excedente de exploração – e ainda bem que o fará, pois estará a recuperar rendimentos para quem mais tem sido penalizado nos últimos anos, corrigindo um grave desequilíbrio introduzido pelo último governo. Contribuirá de forma efectiva para reduzir a desigualdade, que a direita lamenta nas palavras mas promove nos actos. E implicará certamente um aumento da procura no mercado de bens, a qual – perguntem aos empresários (aqui, página 10) – é há muito o principal factor limitador das intenções de investimento em Portugal.

Quanto aos economistas que tão preocupados se mostram com o efeito do salário mínimo sobre o emprego, gostaria de tê-los visto igualmente empenhados na crítica às medidas recessivas adoptadas nos últimos anos, que – essas sim – lançaram no desemprego centenas de milhares de pessoas. Talvez estivessem então demasiado ocupados a louvar a austeridade expansionista e as virtudes da desvalorização interna...»
(Alexanddre Abreu. Na ínegra: aqui)

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