segunda-feira, 6 de abril de 2009

O bombo da festa


A "história" é simples e conta-se depressa: João Miguel Tavares (JMT) entendeu por bem e no uso da sua liberdade escrever nas colunas do Diário de Notícias uma crónica com o título "José Sócrates - o Cristo da Política Portuguesa" começando por esta elegante afirmação: "Ver José Sócrates apelar à moral na política é tão convincente quanto a defesa da monogamia por parte da Cicciolina". A frase não contém propriamente um elogio e o visado entendeu, também no uso da sua liberdade que não é menor do que a do cronista, processá-lo judicialmente. Tal atitude por parte do primeiro-ministro tem sido censurada por tudo quanto é sítio e nos mais diversos tons. O "Público" não podia obviamente deixar passar a oportunidade para uma vez mais fustigar o "ódio de estimação" do seu director (pelo menos) e aborda o tema, na sua edição impressa de hoje, em dois locais, que eu tenha visto: no editorial assinado por José Manuel Fernandes (JMF) (com o imaginativo título "Pressões, processos, desnortes e saber ser livre") e na coluna assinada por Rui Tavares, com o título original "Tavares & Tavares".

Antes de passar aos citados textos, convém aqui deixar duas observações prévias que, reconheço, Monsieur de La Palice não desdenharia: 1. O uso da liberdade de expressão ou outra tem associada a correspondente responsabilidade e a quem escreve nos jornais até é exigível maior sentido de responsabilidade, pois produzir qualquer afirmação em desdouro de alguém num órgão de comunicação social é bem mais grave do que idêntica afirmação proferida entre paredes ou mesmo na praça pública; 2. O recurso aos tribunais por parte de quem se sente ofendido não é mais que o exercício legítimo de um direito de qualquer cidadão, incluindo os políticos, como é próprio de qualquer sociedade democrática e civilizada. O tempo das bengaladas já lá vai, suponho que até mesmo em Portugal.

Posto isto, direi ainda que, pessoalmente, até preferiria que o primeiro-ministro, neste e noutros casos, tivesse feito vista grossa a tanta tolice que sobre a sua pessoa se tem escrito. Todavia quem sou eu para censurar José Sócrates por seguir esta via, quando é certo que ele já ultrapassou, em muito e há muito tempo, a capacidade de resistência a tanta maledicência, a tanta difamação e calúnia, a tanto boato e a tanto insulto soez, capacidade de resistência que avalio, usando para o efeito a minha bitola, que, suspeito, não há-de ser muito menos exigente do que a daqueles que, todavia, nem precisam de ensaio para o criticar.

Mas passemos aos textos.

Passo de largo pela crónica de Rui Tavares, pessoa por quem nutro respeito, que qualifica a atitude de José Sócrates como um erro táctico, um erro político, um erro pessoal e um erro moral. É muito erro junto e tanto erro não me convence, não só porque quanto aos primeiros três, cada um sabe de si, e quanto ao erro moral, só tenho a dizer que, na matéria, os factos da vida cada vez mais me convencem que a moral é relativa. Depende de muitas circunstâncias, incluindo as de lugar e de tempo, como Rui Tavares, que é historiador e cronista, deve saber melhor do que eu. Em boa verdade, devo, no entanto, acrescentar que não prescindo da minha.

Atenhamo-nos pois ao editorial de JMF. O director do "Publico" afirma não só que a instauração de um processo judicial contra jornalistas é uma forma clássica de pressão, como, socorrendo-se de jurisprudência estrangeira e nacional, quer levar-nos a aceitar que qualquer político, só pelo facto de o ser, deve ser considerado como um "bombo da festa" e que o político se deve comportar como tal ou seja: "levar pancada e cara alegre". O político que não aceite assumir, submisso, a função de "bombo da festa", é porque, (é lícito concluir) não sabe o que é ser livre.

Vamos por pontos. Não se nega que o recurso aos tribunais, por parte seja de quem for, político ou não, é uma forma de pressão. JMF até concede que tal procedimento pode ser uma forma de pressão legítima "pois o bom nome é defendido na lei", seja o visado político ou não, acrescento eu, que não tenho quaisquer dúvidas sobre o assunto e até é suposto que ninguém as tenha sobre tal matéria. Não é, todavia, bem o caso de JMF que, logo a seguir, dando um passo atrás, ou uma cambalhota (não sei bem, porque percebo pouco de ginástica) afirma precisamente o contrário, admitindo que o recorrer à via judicial por parte do ofendido também possa ser considerada uma forma de pressão ilegítima, porque "com tais processos vêm, por regra, pedidos de indemnização milionários" que arruinariam o jornalista processado.

A lógica de JMF é, como se facilmente se conclui, uma "batata", passe a vulgaridade da expressão. O montante da indemnização pedida pode ter a ver com a intensidade da pressão (sentida ou não) mas não contende minimamente com a legitimidade. Em matéria de legitimidade não há lugar para o ser e o não ser. Ou é legítima ou não é e ponto final.

Aliás, voltando à questão da pressão, em bom rigor, até se pode dar o caso de o jornalista não se sentir minimamente pressionado e por duas razões: Por um lado porque se pode sentir confortado com a jurisprudência que JMF cita (e em que ele, pelo que deduzo, não acredita excessivamente) e por outro, porque pode estar de consciência tranquila, hipótese que nem abstracto, nem em concreto, excluo. A decisão cabe aos tribunais, entidades nas quais JMF parece, pelo que se lê no final, não ter grande confiança, mas cuja independência não pode ser posta em causa, pois a magistratura judicial dispõe, de direito e de facto, de todas as condições para decidir livremente, quaisquer que sejam os juízos que se possam emitir sobre outros aspectos do funcionamento da justiça.

Vindo a talhe de foice, direi ainda que, se JMF pretende não perder toda a credibilidade (porque, suponho, a preza) deve evitar, nas suas análises e no seu comportamento enquanto director de um jornal, a duplicidade de critérios. Recordo a este propósito, porque o caso não se passou há muito, que quando surgiram na comunicação social umas ligeiras referências a pretensas e, a meu ver, infundadas e, por isso, não invocáveis ligações do Presidente da República ao BPN e aos seus dirigentes, JMF foi o primeiro a alertar os "incendiários" para o risco que se corria de o fogo alastrar a toda a floresta. No meu modesto entender, fez bem. Só não percebo qual a razão por que o primeiro-ministro deste país não há-de ter o mesmo tratamento (objectivo e sem favores) nas páginas do "Público", quando o risco de incêndio não é menor.

Ora, é público e notório que José Sócrates no "Público", pela pena do seu director (mas não só) tem servido de autêntico "bombo da festa". E com tal afinco que, para termo de comparação, só encontro a defesa porfiada por parte de JMF das guerras e de outras tropelias da responsabilidade do ex-presidente Bush.

Suponho que não são as más companhias que explicam a diversidade de tratamento dado aos dois políticos com maior relevância na vida política portuguesa: num, nem com uma pena se pode tocar. No outro, é "malhar" todos os dias. Paciência, tem este. E muita, digo eu.

(Imagem daqui)

4 comentários:

Anónimo disse...

O trabalho a que se dão para proteger o menino de oiro que neste momento mais parece de porcelana, ainda falavam de Salazar, e a consciência critica?

Francisco Clamote disse...

Consciência crítica? E onde pára a sua ?

mdsol disse...

Agora é assim: Se não se bate a propósito de tudo e se se tenta ter algum tento na análise... é porque se tem a consciência embutada, ou então, pior... está-se comprometido ou em vias de comprometimento. OU seja, anulam o que apregoam! A liberdade de pensamento e de expressão só conta se for para um lado!
:)))

capitolina disse...

Não é por acaso que a venda de jornais está como se sabe...
Pela minha parte, José Manuel Fernandes nauseia-me e deixei há longo tempo de ler e de ouvir.Falta-lhe qualidade e isenção.
Não sou socialista (quero eu dizer, do partido socialista) e nunca votei nele, por isso estou mais à vontade para apreciar de fora esta contenda que anda no ar. E não tenho memória de tanta perseguição a alguém como a que vem sendo alimentada contra Sócrates. Ultrapassou-se a barreira do pensável e já estamos no vale-tudo. E desde sempre que os portugueses dão cartas na "grandeza" de manejar a arte de bem cavalgar a maledicência. Jornalistas e comentadores apostam, em grande parte nas audiências, mas sai-lhes o tiro pela culatra.