terça-feira, 1 de junho de 2010

Quando o discurso não cola

Só de raspão me referi à mais recente "maior manifestação de sempre" promovida pela CGTP e animada pelo PCP e pelo BE. Alegadamente em defesa dos trabalhadores. Trata-se, como é óbvio, do exercício legítimo e incontestável de um direito constitucionalmente garantido e que importa respeitar, o que não significa, no entanto, que não se possa questionar a oportunidade da manifestação e a coerência de alguns participantes e promotores. Refiro-me em particular ao PCP, cujo discurso, a meu ver, não cola com a sua praxis no relacionamento com outros partidos ditos comunistas. Não se pode, na verdade, ter um discurso em defesa dos trabalhadores, para português ouvir, e manter ao mesmo tempo relações de amizade com regimes, como o regime "comunista" chinês, que, nos dias de hoje, é o símbolo máximo da exploração de quem trabalha. O PCP não ignora, por certo, que os trabalhadores chineses estão sujeitos a uma sobre-exploração que passa por salários miseráveis e por condições de trabalho quase inimagináveis, onde não cabem, nem o direito a férias, nem o direito à greve, nem o direito de manifestação. Se o PCP (que até se considera internacionalista) estivesse genuinamente interessado na defesa dos trabalhadores portugueses teria, antes de mais, que defender os mesmos direitos para os todos os trabalhadores em qualquer parte do mundo e independentemente do regime. Não o fazendo, legitima pelo menos a dúvida sobre a genuinidade das suas intenções.
Digo isto, porque, curiosamente e a meu ver, a melhor forma de garantir melhores condições para os trabalhadores portugueses, como, de resto, para os trabalhadores dos demais países em geral, passa, sem qualquer dúvida, pelo fim da sobre-exploração dos trabalhadores chineses. Não se ignora, com efeito, que é graças a essa sobre-exploração que a China inunda o mercado internacional com produtos a preços que os demais países não conseguem combater devido, em boa medida, aos custos do factor trabalho muito superiores aos verificados na China "comunista". E não conseguindo competir, não vendem. Para terminar este impasse, não parece haver senão estas saídas: ou aumentam os níveis salariais e os direitos laborais dos trabalhadores chineses, ou  diminuem os salários e regalias sociais dos trabalhadores do resto do mundo e em particular do mundo ocidental, ou, em alternativa, os produtores não chineses conseguem ultrapassar o problema por via da inovação, sendo evidente que, nesta hipótese, é inevitável o sucessivo aumento do desemprego, com todo o seu cortejo de miséria e pobreza.
Trata-se nestes dois casos, como é evidente, de alternativas indesejáveis e que importa afastar. Evitá-las passa, sem sombra de dúvida, pela primeira alternativa. Mas, sendo assim, bem se pode dizer que, nos dias de hoje, a defesa dos interesses dos trabalhadores portugueses (e não só) está mais nas mãos dos trabalhadores chineses e na sua capacidade de rejeitarem o trabalho quase escravo a que estão sujeitos do que nas mãos dos promotores de qualquer manifestação, por muito bem intencionados que sejam.
Se não é assim, digam-me porquê. Estou sempre disposto a aprender.

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