(...)As declarações de Rui Machete em torno do limiar dos 4,5% e de um eventual segundo resgate constituem um exemplo interessante.
À primeira vista, as afirmações do Ministro relevariam da incompetência. A afirmação em si mesma, bem como a precisão do limiar indicado, são do reino do pensamento mágico: de que modo é que se espera proceder ao ‘roll-over' de um ‘stock' de dívida pública da ordem dos 125% do PIB através da emissão de nova dívida a 4,5%, sem crescimento ou inflação e com um saldo primário sensivelmente nulo? Em todo o caso, não é por isso que as afirmações seriam incompetentes, mas sim porque não cabe a um Ministro dos Negócios Estrangeiros, de quem se espera tacto e sagacidade, por a nú as vulnerabilidades da economia portuguesa: segundo esta perspectiva, a própria afirmação tenderia a aumentar os juros da dívida pública portuguesa no mercado secundário e, por essa via, a constituir uma profecia auto-cumprida.
Porém, a tese da incompetência só colhe se partirmos da premissa que o objectivo de Machete é, realmente, fazer tudo para evitar um segundo resgate. Ora, porque há-de ser assim? Para além das declarações do Ministro serem em última instância irrelevantes para a insustentabilidade da dívida pública portuguesa, que é um facto incontornável, a própria distinção entre segundo resgate e programa cautelar é, também ela, essencialmente irrelevante. Nesse sentido, é pelo menos igualmente plausível que a "gaffe" de Machete faça parte de um plano deliberado do Governo destinado a preparar gradualmente a opinião pública para o falhanço do "fim do protectorado" e a imputar ao Tribunal Constitucional a culpa por esse falhanço.
Assim, não nos apressemos a atribuir à estupidez aquilo que pode resultar da malícia - se bem que, especialmente com este Governo, também não devamos afastar completamente a hipótese da estupidez."
(Alexandre Abreu; "Exegese". Na íntegra aqui)
1 comentário:
Desta vez, acho que Machete só reproduziu o que ouviu em conselho de ministros
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