Cavaco Silva, que tinha antecipadamente estudado (pelos vistos, muito pela rama) todos os cenários pós-eleitorais, continua, depois de ouvidos os partidos com assento parlamentar, a não revelar quem é o político a quem decidiu entregar a missão de formar o novo governo, porque provavelmente ainda não decidiu coisíssima nenhuma.
Cavaco, pelo menos, aparentemente, não tem mais do que duas alternativas em cima da mesa: ou indigita Passos Coelho enquanto líder do partido mais votado, mas que está muito longe de poder assegurar a formação de um governo viável; ou encarrega de tal missão António Costa que, garantidamente, dispõe na AR de apoio maioritário para formar governo.
É óbvio que a decisão do PR não pode ser discricionária, visto que tem que estar em conformidade com "os resultados eleitorais" (nº 1 do artigo 187º da Constituição da República).
Cabe, por isso, perguntar quid juris?
Aparentemente a resposta a esta magna quaestio devia ser consensual, atento o que está em jogo e que é, nem mais nem menos, a formação de um governo que possa, efectivamente, governar. Logo, o PR só respeitará o preceito constitucional se nomear como primeiro-ministro alguém que esteja em condições de formar um governo que disponha, à partida, de apoio parlamentar maioritário ou que, pelo menos, tenha garantias de não ver rejeitado o seu programa logo no momento em que vier a ser apresentado na Assembleia da República.
Se esta leitura for a correcta, como julgo, descendo ao caso concreto que Cavaco tem entre mãos, é óbvio que o indigitado não poderá outro que não seja António Costa, tendo em conta, quer as declarações do próprio, proferidas à saída da audição na PR, quer as prestadas, em idênticas circunstâncias, por Catarina Martins, porta-voz do Bloco de Esquerda, quer por Jerónimo de Sousa secretário-geral do PCP. De facto, estes três partidos, mesmo se ainda não vinculados por um ou mais acordos formais, garantiram já que um governo liderado por António Costa tem a sua viabilidade assegurada na AR.
Contra a tese que, modestamente, aqui perfilho tem sido invocada uma alegada "tradição" ou "norma não escrita", segundo a qual deve ser nomeado como primeiro-ministro o líder do partido com maior representação parlamentar. No caso: Passos.
Sinto-me algo constrangido em contrariar a opinião dos ilustres juristas que nesse sentido se têm pronunciado, mas, de facto, a argumentação não me parece ter qualquer consistência. Desde logo, porque, se não estou em erro, a tradição ou o costume não são fonte de direito constitucional e, assim sendo, mesmo que existisse tal tradição nunca ela prevaleceria sobre o direito. Acontece, porém, que, a meu ver, nem sequer existe uma tal tradição.
Pode, de facto, ter-se dado o caso, que não vou averiguar, nem me interessa contraditar, de, no passado, as indigitações como primeiro-ministro terem recaído sempre nas pessoas que, na altura, lideravam os partidos com maior representação parlamentar. Mesmo que assim tenha acontecido, tal não significa que essas nomeações tenham tido lugar devido à existência de tal "tradição", de resto, tanto quanto julgo, nunca invocada.
O facto de haver uma prática reiterada não significa, obviamente, que exista uma tradição num ou noutro sentido. A prática reiterada pode ser apenas e só o resultado do cumprimento de um preceito. No caso, não é preciso recorrer a qualquer "tradição" para justificar as nomeações que ocorreram no passado. A estatuição do citado preceito constituconal é justificação mais que suficiente. E a única com pés e cabeça.
O que, no presente, se pede e exige é que o mesmo preceito se respeite e aplique.
4 comentários:
Quid juris: Passos / Costa?
Costa, of course!
Absolutamente!
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~~~ Costa parece-me ter o direito, porém,
~ ando muito confusa e sinto breves calafrios
quando lembro recentes cenas passadas na AR...
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~ Cavaco cumpre a tradição, pondo em
sério risco a estabilidade de Portugal...
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As saudades que devem ter de AJSeguro!
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Tem razão, Majo.
O discurso de Cavaco é um nojo.
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