«Pela primeira vez, quebra-se uma regra. Lamento que o sr. deputado Ferro Rodrigues tenha sido eleito em confronto com esta tradição que é eleger um presidente oriundo do partido mais votado» (Luís Montenegro, deputado do PSD, na Assembleia da República, carpindo o desgosto de ver derrotado o candidato da direita ao cargo de presidente da Assembleia da República)
«Sabemos quem está disponível para quebrar as tradições, que ao longo de quatro décadas de democracia” serviram para o país viver em “harmonia”» (Lamentações de Nuno Magalhães, deputado do CDS, em comentário proferido na mesma ocasião.)
As inflamadas proclamações acima transcritas são apenas uma pequena amostra do discurso que a direita tem vindo a produzir desde que ficou claro que a coligação PàF não dispõe de uma maioria que sustente um governo liderado pelo indigitado primeiro-ministro saído das suas fileiras e que, pelo contrário, é possível a formação de um governo sustentado pelas forças políticas que se sentam no parlamento à esquerda do hemiciclo.
Com tal discurso que tem sido ouvido, quer no Parlamento, quer na Presidência da República, a direita quer-nos fazer crer que as normas da Constituição da República, que consagra um regime de democracia representativa, e, em particular, a regra da maioria, podem ser ultrapassadas por uma qualquer prática reiterada no passado, a que a direita chama tradição, mesmo que as circunstâncias do passado não sejam rigorosamente as do presente.
Uma concepção que tenda a ver na tradição a fonte primeira de legitimidade política é, antes de mais, um anacronismo, mas é também a negação da própria democracia. Como é evidente.
Só não digo que quem defende uma tal concepção pode ser tudo menos democrata, porque, nesta altura, a direita, que estava mal habituada e não contava com a possibilidade de haver um entendimento entre as forças políticas de esquerda, se encontra em estado de negação e de desnorteamento.
(Imagem do Público)
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