«A cada dia que passa, torna-se mais forte a probabilidade de que estejamos mesmo a caminho de um governo de esquerda, viabilizado por uma maioria parlamentar PS-BE-CDU representativa da maioria do eleitorado.
Quando um tal governo tomar posse, já não virá cedo, tendo em conta a enorme regressão social a que temos vindo a assistir no nosso país por deliberada engenharia social da direita. Nos últimos quatro anos, os níveis de pobreza e desigualdade de rendimento registaram um retrocesso nunca visto em Portugal, um recuo para o nível de há décadas. E a culpa não foi da crise, dado que os percentis mais elevados da distribuição do rendimento — e os milionários, em particular — deram-se muito bem neste período. Não é uma coincidência que se trate dos mesmos quatro anos em que a direita retirou apoios sociais aos mais pobres, fez as pessoas trabalhar mais horas e mais dias por salários mais reduzidos, aumentou brutalmente a carga fiscal sobre a classe média, aliviou a tributação sobre o capital, alterou os escalões do IRS num sentido deliberadamente regressivo e reduziu os salários indiretos através da erosão dos serviços públicos.
Será a exposição franca e leal das diferenças na esquerda que permitirá mitigar os riscos de ‘abraços de urso’ de parte a parte
É precisamente com vista à inversão deste rumo de desigualdade e desagregação social que é possível e desejável, apesar de todas as diferenças, encontrar uma base sólida de entendimento entre socialistas, comunistas e bloquistas. E está longe de ser coisa pouca, ao contrário do que afirmam os críticos de direita: é o próprio Estado social, a coesão social e a decência mínima da sociedade portuguesa que estão em causa. Proteger o emprego, os salários e as pensões, promover a justiça social. Se não vale a pena unirmo-nos por isto, então vale a pena unirmo-nos por quê?
E quanto às importantes divergências entre PS, BE e CDU, sobre questões como a reestruturação da dívida, a vontade de saída do euro ou a posição face ao sector empresarial do Estado? Ao contrário do que se pensa, estas diferenças, se geridas habilmente e numa base de confiança mútua, serão um fator de solidez e não de instabilidade do futuro governo. Pois se é óbvio que a base essencial do programa de governo terá de ser o programa do PS, enquanto mais votado dos três, é também certo que será a exposição franca e leal destas mesmas diferenças que permitirá mitigar os riscos de ‘abraços de urso’ de parte a parte, garantindo que nenhum dos três renuncia à sua matriz identitária e doutrinária ou aliena o seu eleitorado. Vamos a isso.»
(Alexandre Abreu; "A caminho de um governo de esquerda")
1 comentário:
Tomara! foi para isso que votei.
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