"(...) Conquistado o poder, a racionalidade alterou-se. Já não seria necessário elaborar qualquer estudo [custo-benefício] porque tudo iria pelo cano de esgoto. Suspendeu-se o novo aeroporto, anulou-se a alta velocidade, encravou-se o túnel do Marão, as estradas ficaram nos toscos, cancelou-se o apoio às renováveis, suspendeu-se a renovação do parque escolar, congelou-se o hospital de Todos os Santos (Lisboa), suspendeu-se o regadio do Alqueva, congelou-se a construção de unidades para cuidados continuados, anulou-se a formação profissional das Novas Oportunidades: toda a energia governativa se concentrou no furor destrutivo, cada ministro ou secretário a desafiar os outros em capacidade punitiva. A sanha destruidora ainda não terminou, com a ajuda simpática de alguma imprensa tablóide orquestrada pelos comunicacionais da nova coligação.
O simplismo argumentativo do "não há dinheiro" substitui-se à anterior exigência de racionalidade na decisão; em vão se perguntará pelos estudos que levam à destruição de projectos, ao auto-de-fé de ideias, à negação da esperança. A resposta é sempre a mesma: "Não há dinheiro". E todos sabemos que ela é não só falsa como errada. Falsa porque há fundos externos por utilizar e já em pousio perigoso. Errada porque a negação representa perdas: em parte directamente monetarizáveis, como as indemnizações compensatórias por danos emergentes, as perdas de receita esperada como lucros cessantes, o desemprego, o tempo perdido, a retracção do investimento, a redução do crescimento das exportações, a redução da receita fiscal; bem como alguns intangíveis: a perda de iniciativa, a credibilidade atingida, a depressão dos agentes, a doença e a morte prematuras. Onde estão, então, esses estudos, os que levaram à anulação de projectos? Se não existem, quais os argumentos pelos quais forma dispensados? Quem responde, daqui a anos, pelo País de sombras e de zombies que se está a promover?
(...)"
António Correia de Campos; O custo-benefício (extracto) (in "Público", edição impressa de hoje)
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