"Creio que, num momento em que é preciso definir prioridades e unir esforços, a generalidade dos cidadãos não compreende o tempo e os recursos gastos pela Assembleia da República (AR) com o chamado caso TVI-PT- & arredores. Primeiro, na Comissão de Ética alegadamente se intentou apurar o estado da liberdade de informação em Portugal. Óptimo tema. Só que isso foi feito a partir de "episódios" e pressupostos que não eram, no mínimo, os mais adequados; e num clima, com previsíveis intenções e métodos antes de tudo político-partidários. Por isso, sem fazer disso nenhum alarde nem o tornar público, não aceitei o convite para ser ouvido em tal comissão.
Depois, veio a Comissão de Inquérito para apurar se o primeiro-ministro falara ou não verdade à AR quando disse não conhecer o dito caso. Comissão tão legítima quanto insólita: a AR vai ter muitíssimo trabalho acrescido se constituir tais comissões sempre que houver suspeitas de um político mentir, mesmo sendo o político chefe de Governo e a mentira proferida em S. Bento... Mas adiante.
Então, às dezenas de horas de audições anteriores, outras dezenas se seguiram, de pessoas já ouvidas a dizer a mesma coisa. Ideia generalizada: manter-se-iam as convicções, mas nada de provas. Entretanto, PSD e PCP propõem que sejam pedidas e ouvidas as escutas telefónicas do Face Oculta, um processo-crime que nada tem a ver com a matéria em debate na comissão e no qual Sócrates não é nem suspeito mas foi "interceptado" ao falar com dois dos arguidos.
Ora, sendo eu favorável à existência de escutas - há quem de todo as queira eliminar -, por indispensáveis para combater a grande criminalidade, penso que a nossa lei já vai bem longe na sua admissibilidade; e sei que, claro, apenas podem ser efectuadas nos exactos termos e para os efeitos nela previstos - de resto nenhuma lei penal ou restrição de direitos admite interpretação extensiva.
Assim, seria de uma extrema gravidade, a todos os níveis, utilizar tais escutas num inquérito parlamentar, num inquérito que nem é criminal antes só político. Por isso não deviam ter sido pedidas, e menos ainda enviadas pelo magistrado do Vouga, e com as considerações com que as terá acompanhado. Tê-lo feito, deixa-me preocupado e perplexo. Mas o facto é que enviou e o deputado do PSD, omnipresente multi-comentador, Pacheco Pereira, ainda a elas teve acesso, proclamando o seu carácter "avassalador". Mota Amaral, que à comissão preside com a seriedade e sentido de equilíbrio que se lhe conhece (e também Marques Guedes, como ele do PSD, presidiu bem e com sensatez à anterior comissão), teve a responsabilidade de impedir depois a utilização directa, com a consequente publicitação, das escutas.
Tal constituiria, além do mais, uma gravíssima violação da Constituição, da Lei (em particular do art.° 187, 7, do C. P. Penal, na redacção da Lei 48/2007, de 29/8) e do Estado de Direito. Que o PCP e o PSD o hajam defendido e que alguns deputados não tenham recuado perante nada para atingir os seus fins, é paradigmático de certas mentalidades e justificaria uma mais longa análise de certos comportamentos."
(José Carlos de Vasconcelos, in VISÃO)
(Negritos meus)
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