segunda-feira, 3 de maio de 2010

"Padres da vinagreira"

(...) "É um conto exemplar. Muito breve. Chamar-lhe conto até pode ser excessivo, mas merece ser reencaminhado. Começa assim: Jesus Cristo, cansado do tédio do Paraíso, onde pouco tem que fazer, resolveu voltar à Terra. Optou pelo Hospital de S. Francisco Xavier, onde viu um médico a trabalhar há muitas horas e a morrer de cansaço. Para não atrair as atenções, decidiu ir vestido de médico. Entrou de bata, passando pela fila de pacientes no corredor, até atingir o gabinete do médico. Os pacientes viram e comentaram: "Olha, vai mudar o turno..."
Jesus Cristo entrou na sala e disse ao médico que podia sair, dado que ele mesmo iria assegurar o serviço. E, muito decidido, gritou: "O próximo!" Entrou no gabinete um homem paraplégico que se deslocava numa cadeira de rodas. Jesus levantou-se, olhou bem para o homem e, com a palma da mão direita sobre a sua cabeça, disse: "Levanta-te e anda!"
O paraplégico levantou-se, andou e saiu do gabinete empurrando a cadeira de rodas. Quando chegou ao corredor, o primeiro da fila perguntou: "Que tal é o médico novo ?" Ele respondeu: "Igualzinho aos outros... nem exames, nem análises, nem medicamentos... Nada! Só querem despachar..."
(...)
O que mais desejo encontrar nos meios de comunicação - talvez como toda a gente - são revelações do que está a acontecer, em todos os aspectos, no país e no mundo. Devem saber ver e dar a ver, trazendo alguma luz ao quotidiano. Como, neste aspecto, era muito raro ter sorte, tornei-me absentista, procurando outros meios de informação. Julgo que os infindáveis telejornais, tecidos do princípio ao fim quase só por desgraças, ao não servirem com competência a verdade e a liberdade de informação, acabam por se tornar  em agentes de depressão colectiva. Matam de tal modo a sensibilidade dos telespectadores que, como diz o Evangelho, já nada os consegue espantar, nem mesmo "a ressurreição de um morto" (Lc 16, 19-31).
A primeira religião que conheci era uma mistura de catolicismo azedo e de superstições locais. Existia para meter medo. Toda a gente sabia histórias terríveis de aparições medonhas de figuras do mal. Tinha de ir mais gente para o inferno do que para o céu. No Norte, chamavam aos pregadores dessa religião os "padres da vinagreira". Hoje, de certo modo, a "religião" dos telejornais e dos seus sacerdotes também parece que só está interessada em mandar o país para o inferno. Mesmo quando há sinais de que é possível enfrentar as enormes dificuldades com que o país se debate, insiste-se em mostrar que não há saída.
Em sentido muito próximo, mas num panorama mais vasto e englobante, Mário Soares (DN, 27.04.2010) publicou um notável artigo, onde também achou fastidiosas e inúteis as comissões parlamentares de inquérito que têm sido transmitidas em directo pela televisão. Em vez de  prestigiarem o Parlamento como é importante que aconteça - como centro da vida democrática que deve ser -, estão a desprestigiá-lo. A sanha persecutória  dos deputados-inquisidores não é diferente da guerrilha partidária desbocada e interminável. Revestindo aspectos pessoais desagradáveis, cria enfado nos que a seguem, não permite que se debatam os problemas que afligem os portugueses e só desvia as atenções."
(...)"
(Frei Bento Domingues O.P., in  "Público" de 2 Maio 2010, sem link. Os  sublinhados são meus. Idem quanto ao título, formado com a utilização duma expressão transcrita do texto)

5 comentários:

Miguel Gomes Coelho disse...

Belíssimo poste, Francisco !
Um abraço.

Francisco Clamote disse...

O "post" não, Miguel, mas o texto sim. Abraço.

Anónimo disse...

Boa tarde,
Não pude evitar um bom rir, obrigada.

A anedota também mostra como nem o Povo tem consciência do seu verdadeiro estado, a começar pelo paraplégico que começa a andar e nem se apercebe disso.

Nem os circunstantes notam a diferença!

Ou seja estamos tão habituados a chafurdar que quando nos deitam um balde de água limpa nem sequer notamos.

Mas olhe que há certas notícias que vale a pena ler e meditar, como por ex.º aquela do 2º Caderno do Expresso passado, com o título:
"Continua a ser a Burocraca Estúpido" nas pág.s 24/25 sobre a enorme burocracia que continua a existir e exageros e, dão nota de algumas consequências, tais como :

" Falência e suicídio no Algarve"
"Fábrica da HP às urtigas",
"Suíços desistem da Costa Alentejana"

"Eólicas voam de Castelo Branco etc.

Eu estou certa de conhecer mais casos os quais não sucedem por acaso.
O Caso FREEPORT só surgiu porque a burocracia é tanta e SOBRETUDO O PODER EXERCIDO pelos ambientalistas é tamanho que eles fazem o que querem e, quando descambam, era a lei que os punha no centro do poder ao dar-lhes voto em matérias para as quais não deveriam ser chamados: aquilo ali já estava construído ou seja já não era área verde e por isso não deveria ser consentida a sua colher.
É obvio, foram eles que quiseram lá a sua colher, pois isso d´-lhes poder e direito a algo por baixo da mesa...
Sempre a considerá-lo.
Benvinda Silva

mdsol disse...

Muito bem.

:))

Porfirio Silva disse...

Ah ah, Francisco, que tónico apanhar aqui esta reflexão!
Abraço