Segundo rezam as crónicas, (
aqui e
aqui, designadamente) o discurso de Passos/Coelho na Festa do Pontal (agora à porta fechada, que o seguro morreu de velho) não passou de uma desinteressante encenação sem qualquer novidade politicamente relevante. Um discurso "rasteiro" diria eu, tendo em conta os relatos que foi lendo e ao qual nem sequer faltou o habitual plebeísmo, fazendo, desta fez apelo ao "regabofe".
Está enganado quem pense que "o regabofe pode voltar", disse Passos/Coelho. Tem razão o homem, só que o primeiro engano é o dele, pois o "regabofe", manifestamente, ainda não acabou. De facto, basta atentar na quantidade de nomeações dos seus boys e amigos para cargos públicos, para se ter a noção de que o "regabofe" continua. Se não é um "regabofe" é um "fartote", o que vem a dar no mesmo.
O discurso tem, no entanto, o mérito de nos revelar que Passos/Coelho é um fervoroso praticante das virtudes teologais (fé, esperança e caridade) e que é, ao mesmo tempo, um fabricante de enganos.
Diz o homem da esperança “Às vezes gostava que a Constituição fosse outra e não perdi a esperança.” Já se sabia que o homem gostava de rasgar a Constituição e, pelos vistos, apesar de não dispor dos votos para alcançar tal desiderato, face à posição já repetidamente afirmada pelos partidos da oposição e, designadamente, pelo PS, ele mantém a esperança. Em vão, confio eu.
Cheio de fé garantiu que “Estamos mais próximos de vencer a crise e voltar uma das páginas mais negras da história da nossa pátria.” “2013 será o ano da inversão na actividade económica.” “2013 será o ano da estabilização económica e preparação da recuperação.”
Conhecidos que são os últimos dados do INE sobre o desemprego, que continua a aumentar de forma assustadora, com o números a apontar para a existência de mais de um milhão de desempregados e com a degradação da economia a acentuar-se (a decrescer -3,3% no final do 2º trimestre) é preciso ter mesmo muita fé para acreditar na visão de Passos/Coelho, quando se sabe que o crescimento das exportações começa a patinar e que o consumo e, principalmente, o investimento continuam a diminuir e que as condicionantes externas estão longe de ser as mais favoráveis. Às tantas, aquelas afirmações não são uma demonstração de fé. Tudo indica, sim, que estamos perante mais um engano. Não dele, mas fabricado por ele.
“No que é importante, não falhámos. Era importante controlar o défice e fizemo-lo. O país não está a aumentar a dívida, não estamos a endividar-nos mais do que podemos pagar.”
Nesta citação, encontra-se a prova de que Passos/Coelho é, não só uma alma caritativa, mas também um pertinaz criador de enganos.
O mais importante, para Passos/Coelho, é controlar o défice e não a diminuição do desemprego, nem o crescimento da economia.
Não se nega a importância do controlo do défice, mas a menor relevância atribuída ao aumento do número de desempregados só é compreensível do ponto de vista de alguma alma tão caritativa que não pode passar sem os "seus pobrezinhos", ou do ponto de vista de alguém que se afirmou como o paladino do "empobrecimento", título que, aliás, merece, pois só à sua conta os novos "pobrezinhos" são já uns larguíssimos milhares.
Note-se, entretanto, que, porventura, só Passos/Coelho acredita que o governo vai conseguir alcançar o objectivo de reduzir o défice para a percentagem acordada com a troika (4,5%). Perante os últimos dados da execução orçamental, a maioria dos analistas conclui que alcançar um tal objectivo só por milagre, opinião que é partilhada pelos técnicos da UTAO. Se Passos/Coelho acredita no que afirma, está, com toda probabilidade, muito enganado. E muito enganado está também quando afirma que o país não está a aumentar a dívida, nem a endividar-se mais do que pode pagar, porque é do conhecimento público que tais afirmações não correspondem à verdade. Se ele não está enganado, como suponho, é porque está, isso sim, a tentar enganar-nos.
Com tanto engano semeado em tão pouco espaço-tempo, bem se pode dizer que Passos/Coelho pretende que vivamos numa floresta de enganos. Plantada por ele.