Pese embora o facto de o Presidente da República ser, nos termos constitucionais (art. 120º da Constituição da República Portuguesa) o garante do "regular funcionamento das instituições democráticas" os apelos dirigidos a Cavaco Silva no sentido de uma maior intervenção por forma a não ser posta em causa a governabilidade do país, tenderão a cair em saco roto.
À uma, parece manifesto que, provavelmente por estratégia pré-eleitoral, tendo em vista as próximas eleições presidenciais, Cavaco Silva não está interessado em ir por aí. O seu distanciamento face ao Governo é por demais evidente: basta ter em conta as suas recentes intervenções, quer quando afasta o cenário da ingovernabilidade, comparando a actual situação com a que ele viveu como primeiro-ministro de um governo minoritário, como se as situações fossem idênticas, não o sendo (revelando, neste caso, pelo menos indiferença); quer quando desvaloriza as iniciativas do Governo, como sucedeu agora com a decisão de adjudicação do primeiro troço do TGV (facto que lhe serviu não para proferir qualquer palavra de incentivo, mas sim de pretexto para mais um remoque) indicando, por esta forma, que a sorte do Governo não só lhe é indiferente, como faz do actual Governo objecto da sua velada hostilidade.
Esta constatação não constitui, aliás, qualquer novidade, se nos lembrarmos do que foi toda a sua actuação ao longo dos últimos meses da anterior legislatura, em especial nas vésperas do acto eleitoral. O famoso episódio das suspeitas de escutas em Belém e as sequelas posteriores e, em particular, o patético discurso pós-eleitoral revelam que Cavaco Silva, em vez de garante do regular funcionamento das instituições, se transformou, ele próprio, num factor de instabilidade política.
É verdade que o seu comportamento neste caso (a que há que acrescentar os episódios da suspensão de Fernando Lima e simultânea manutenção em funções e posterior promoção) embora seja revelador de pouca lisura, não mereceram das forças políticas a reacção que as circunstâncias exigiam, pois parece indiscutível que, conjugando todos factos, Cavaco Silva não agiu por forma a honrar o cargo que desempenha. Isto digo, para não ir mais longe.
Não obstante, os factos em causa não só afectaram a sua popularidade, como revelam as sondagens realizadas posteriormente, como diminuíram a sua influência sobre os demais agentes políticos, pelo que a sua intervenção também tenderia a revelar-se improfícua.
Bem pode, pois, José Sócrates tentar a dramatização e alegar, com razão, que não é possível governar com dois orçamentos (o do Governo, legitimado pelo voto popular e pela passagem do seu programa na Assembleia da República e o da maioria parlamentar da oposição) pois os seus esforços não comoverão, nem Cavaco Silva, nem as oposições, um e outros mais preocupados com as respectivas agendas. As oposições estão, à primeira vista, mais interessadas em desfazer as medidas tomadas pelo anterior executivo do que em construir novas soluções (a recusa de qualquer de forma de compromisso é claro sinal disso) e Cavaco Silva está mais interessado em promover desde já a sua reeleição, hipótese que, há uns tempos, se apresentava como pouco provável, mas que parece hoje muito possível, face à não emergência de um candidato capaz de mobilizar toda a esquerda.
2 comentários:
Francisco,
é o que se chama "Cavaco escondido com a instabilidade de fora "...
Dali nada se pode esperar.Vamos ter de o aguentar mais ano e meio não é ?
Esperemos que desta vez não apareçam divisões estéreis...
Um abraço.
Gostei de o ver recentemente a recordar que o diálogo faz bem à saúde e se recomenda, lembrando até que ele cultivou essa virtude. Os basbaques do costume logo aplaudiram, mas podiam lembrar-se que Cavaco dialogava quando era obrigado, pois logo que se apanhou com maioria absoluta até os secretários de Estado passaram a ajudantes de campo!
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