quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Será que estou a ver mal ?

As razões aduzidas pelo Procurador-Geral da República para não divulgar os despachos lançados nas certidões com a transcrição das escutas telefónicas no âmbito do processo Face Oculta relativas a conversas entre Armando Vara e o primeiro-ministro são óbvias. Tendo o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça proferido, no uso de competência própria e exclusiva, a decisão de julgar nulos os despachos do juiz de instrução (que validaram a extracção de cópias das gravações) e de não validar as gravações e transcrições, ordenando, em consequência, a destruição de todos os suportes, é evidente que, por respeito a tal decisão, juridicamente vinculante, também o PGR não pode divulgar os despachos por ele proferidos, "uma vez que nos mesmos se encontram transcritas partes dos relatórios referentes às gravações em causa, já que não seria possível fundamentar os despachos sem referir o que foi escutado". É, como diria o outro, o "óbvio ululante".
Os despachos proferidos pelo PGR, não deixam, no entanto, de me causar alguma perplexidade, pois não entendo qual a sua utilidade e, logo, a sua necessidade. Não é verdade que, tendo sido declaradas nulas as escutas e ordenada a sua destruição, por quem de direito, elas, ainda que materialmente existam, juridicamente estão mortas e enterradas e, como tal, nunca poderiam justificar a abertura de qualquer inquérito? Os despachos serviram, nesse caso, para quê ? E que necessidade havia de transcrever fosse o que fosse do relatório das gravações, quando a nulidade decretada seria mais que suficiente para justificar a não abertura de qualquer inquérito e quando, em bom rigor, nem ele, PGR, pode fazer uso das gravações seja para que efeito for?
Mas, em matéria de perplexidades, aqui fica mais uma: o PSD não ignora que foi ordenada a destruição das escutas e que o seu valor jurídico é nulo. Ao insistir em conhecer os despachos e ao pretender, por essa via e graças à inabilidade do PGR, conhecer o teor (ainda que parcial) das escutas, o PSD mostra que tem em pouca conta as regras do Estado de direito, pois insiste na sua violação.
Será que sou eu que estou a ver mal, ou será, antes, o PSD a persistir no caminho que tem vindo a seguir no sentido de minar a confiança nas instituições da República, sem olhar a meios ? Ressalvada a Presidência, claro está.
(Também publicado em A Regra do Jogo)

1 comentário:

A. Moura Pinto disse...

Claro que não estás a ver mal. Mas este PRG gosta de alimentar confusões, quase por vezes parecendo dar o dito por não dito. Bom seia que falasse menos, ou nada. Para decidir e intervir não é necessária tanta tentação pelos microfones...
Feliz Natal.
Um braço