terça-feira, 1 de dezembro de 2009

O "pântano" revisitado

A experiência com anteriores governos sem apoio maioritário na Assembleia da República não era de molde a suscitar grandes esperanças no que respeita à estabilidade governativa do país. Estamos ainda todos lembrados da figura do "pântano", porque dela somos com frequência recordados pelos interessados em denegrir o seu autor, António Guterres (para mim, o primeiro-ministro mais sábio e dialogante dos que já conheci). Tal expressão, no entanto e como é bom de ver, não passa da constatação, por parte de alguém que não pode ser acusado de autismo, nem de arrogância, da extrema dificuldade que é governar sem o apoio de uma maioria parlamentar.
A preocupação com a instabilidade governativa está de novo na ordem do dia, com a recente aprovação, na Assembleia da República, por parte dos partidos da oposição, de uma série de diplomas que, pelas contas do Governo, se traduzem num desequilíbrio das contas do Estado da ordem dos dois mil e trezentos milhões de euros.
Que tal preocupação tende a difundir-se na sociedade portuguesa, parece evidente para as várias personalidades (da vida política, económica e cultural) ouvidas pelo jornal i, que publica, na sua edição impressa de hoje, várias peças sobre o tema (algumas retomadas na edição on line do mesmo diário, aqui e aqui). Tais personalidades, umas mais pessimistas, outras nem tanto, dão-nos conta das suas perplexidades, mas avançam também com sugestões e ideias para ultrapassar as actuais dificuldades.
Não me vou pronunciar sobre a bondade das medidas sugeridas até porque considero que a sua concretização depende, antes de mais, do que venha a ser o comportamento futuro das forças políticas da oposição com representação parlamentar que, com a aprovação dos diplomas a que acima se fez referência, deram provas de pouca responsabilidade, de alguma incoerência e da falta de bom senso.
Falo de pouca responsabilidade porque não me parece muito curial que a oposição deixe passar, na Assembleia da República, por via da não apresentação de qualquer moção de rejeição, o Programa que o Governo apresentou, para, passados poucos dias, vir forçar o Governo a executar, não o seu programa, mas as medidas avulsas da coligação negativa formada pelas oposições, coligação que, sendo negativa, bem pode também ser qualificada como "Desgoverno", pois se limita a desfazer aquilo que o Governo já fez ou se propõe fazer.
Não parece, por outro lado, que se possa questionar a alegação de incoerência quando é certo que as propostas agora aprovadas pelas oposições se traduzem num agravamento do défice das contas públicas, défice que, no entanto, tem sido severamente criticado pelas mesmas forças políticas, esquecidas, ao que parece, que tal se deve, antes de mais, à crise económica mundial que também nos atingiu e à qual se ficam a dever, ao mesmo tempo, o decréscimo nas receitas arrecadadas, dado o arrefecimento da economia e o aumento das despesas sociais, originado sobretudo pelo agravamento do desemprego, consequência inevitável da diminuição da actividade económica.
Não me reclamo de original ao mencionar a falta de bom senso, pois já outros fizeram notar que não faz nenhum sentido a aprovação de diplomas com reflexo nas contas públicas, fora do âmbito da discussão do Orçamento de Estado, por falta do devido enquadramento. Tal é bem evidente para quem tenha alguma ideia do que seja um Orçamento. A discussão deste diploma é, com efeito, o momento oportuno para apresentar propostas, quer relativas à receita, quer à despesa, porque só nessa altura é possível ter uma visão de conjunto capaz de permitir uma avaliação sobre a compatibilidade da proposta apresentada pelo Governo com as das oposições e é também a altura adequada para entabular negociações entre o Governo e a bancada parlamentar que o apoia, por um lado e as várias oposições, por outro.
Como essa discussão não tarda, aproxima-se a hora de tirar conclusões sobre qual irá ser a atitude das oposições e, consequentemente, sobre a viabilidade da actual solução governativa.
A aprovação ou rejeição do Orçamento será a prova dos nove quanto à possibilidade de ultrapassar o actual clima de impasse, clima que não é favorável, nem ao investimento, nem à superação das dificuldades da economia, ponto sobre o qual parece não haver divergências entre economistas e gestores. Até para o vulgar cidadão é evidente que ninguém consegue viver durante muito tempo no "pântano". O país, digo eu, também não.
(Post também publicado em "A Regra do Jogo", blogue onde, a partir desta data, passo a colaborar)

10 comentários:

mdsol disse...

Que boa aquisição fez a regra do jogo.

Parabéns e continuação de bons posts.

:))

Francisco Clamote disse...

MDSOL:
A amizade, está visto que não é boa conselheira.Fico, no entanto, grato pela amabilidade. Abraço.

Anónimo disse...

Inspirada na tua fotografia invernosa do post anterior,e na imagem que guardo de António Guterres, faço uma proposta, de todo diferente, não menos oportuna e actual:
É Dezembro, está frio, apetece um ABRAÇO; mês do NATAL, dos diferentes natais,e a propósito DAVID MOURÃO FERREIRA escreveu um dos seus mais belos e tocantes poemas:

NATAL, E NÃO DEZEMBRO

Entremos,apressados, friorentos,
numa gruta, no bojo de um navio,
num presépio, num prédio, num presídio,
no prédio que amanhã for demolido.

Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos, e depressa, em qualquer
sítio,
Porque esta noite chama-se Dezembro,
porque sofremos, porque temos frio.

Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, duzentos milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
a cave, a gruta, o sulco de uma nave...
Entremos,despojados, mas entremos.
Das mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvel universal a consoada.

Lídia, Ginginha...todos os nomes, todos os que estiverem dispostos a pôr-se a caminho...

Francisco Clamote disse...

Belo poema, sem dúvida. Beijos.

Quint disse...

Mais que a coligação negativa, o que preocupa é que se esteja aparentemente a querer optar por medidas avulsas que vão respondendo aos interesses momentâneos dos partidos e clientelas; adiar por um ano a entrada em vigor do Código Contributivo exige, em meu entender, que se apresente a breve prazo uma proposta alternativa, por exemplo.
A repetir-se no futuro e com inusitada frequência semelhante opção de governar não governando, penso que o melhor seria José Sócrates apresentar a demissão do Governo.

Anónimo disse...

Viva! Lídia, Ginginha, qualquer nome...Lê-la aqui é sp um prazer!
Qto à sua proposta, sigo-a. Já somos dois.
Um amigo

Anónimo disse...

Olá, Lídia!Mesmo sabendo que é pura utopia,dizer ingenuidade seria ofensivo, sigo-te.E somos quatro(não,não é erro matemático).
Uma amiga

Anónimo disse...

Que lindo poema! Sugiro que, com ele, façamos cartazes gigantescos e os espalhemos pelas ruas da nossa cidade.
Uma amiga

Anónimo disse...

Viva, Lídia. Também marco presença nesse apelo à solidariedade e, já agora, no encantamento perante poesia tão bonita e tão cheia de sentido.

Manuela

Anónimo disse...

Avisaram-me e vim espreitar! Uma doçura de poema !Lindo..
Ana