segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

No país das maravilhas

Alertado por este "post" do Porfírio Silva, fui ver e constatei que o "Público", na sua edição impressa de hoje e também on line, se indigna com o facto de um advogado do IEFP, ter sido transferido da barra dos tribunais para um centro de emprego para ali passar a prestar apoio e aconselhamento a desempregados, sob o pretexto de que o advogado em causa "insistia em manter uma postura de isenção e imparcialidade".
Pergunto-me, perante tanta estupefacção, sobre se o "Público" fará alguma ideia de qual é o papel do advogado e de qual é a estrutura do processo.
Este é configurado como uma lide (salvo quando estamos perante o processo penal, onde o que mais importa é a descoberta da verdade material, ainda que, para assegurar o contraditório, o Ministério Público assuma, formalmente, a posição de parte) cabendo a cada uma das partes, pela mão e pela voz do advogado que a patrocina, apresentar os factos e os argumentos a seu favor. Com esta configuração processual, não passa pela cabeça de ninguém que um advogado, em vez de esgrimir as razões do seu patrocinado, passe a invocar e a fundamentar a argumentação da contra-parte. Nenhum patrocinado, mesmo que seja o Estado, na posição de parte, pode aceitar que um seu advogado proceda como advogado da contra-parte. Seria sempre um advogado de causas perdidas e quem litiga, seja quem for, não o faz para perder, mas para ganhar.
Quem é que se disporia a aceitar ou manter um advogado que, em vez do seu patrocínio, insistisse em "manter uma postura de isenção e imparcialidade" perante a parte contrária? Ninguém, seguramente. Sendo assim, pergunta-se: em que mundo de fantasia vive o "Público"? Será no país das maravilhas?
Diga-se, em jeito de remate, que num mundo ideal, a atitude do advogado seria não só compreensível, mas até louvável, mas no mundo real e face ao ordenamento jurídico que nos rege, o seu comportamento não é aceitável. A sua transferência para um lugar onde pode exercitar, porque não há conflito de interesses, a sua atitude de isenção e imparcialidade parece-me, isso sim, uma excelente solução.
(Publicado também em A Regra do Jogo)

2 comentários:

Anónimo disse...

Nós persistimos em ter um Estado de direito em que cada dirigente de serviço diz o que quer e o que entende ser o sentido da lei.

Por estas e por outras é que nós temos um Estado cuja administração não cumpre certas decisões dos tribunais especialmente os fiscais.

É por isso que temos uma doutrina administrativa, que essa sim, é que diz o que a lei quer dizer...

Aceito, porém, que um jurista do Estado não se ponha a deitar sentenças pela sua cabeça e que que se "arme" em justiceiro.

No entanto, a dirigente, neste caso, também me parece que foi longe demais.

Anónimo disse...

Os advogados têm uma deontologia que estão obrigados a cumprir, seja por conta do Estado, seja por conta de particulares.

Se não gostam de ter "advogados" que contratem juristas que para o que querem certamente servirá.

E para que querem advogados dependentes do Estado se os Serviços públicos pagam fortunas a sociedades de advogados?

Agora ter sol na eira e chuva no nabal é capaz de ser demais.