Face aos antecedentes, não surpreende a reacção dos deputados das oposições presentes na comissão de inquérito ao abortado negócio PT/TVI, perante a decisão de Rui Pedro Soares de se remeter ao silêncio, alegando a sua condição de arguido, reacção traduzida no clamor de se estar perante um crime de desobediência qualificada e no imediato requerimento da participação ao Ministério Público dirigido ao presidente da Assembleia da República a que este deu pronto seguimento, invocando-se para o efeito, a lei dos inquéritos parlamentares que serviu igualmente para concluir que não é aceitável o "direito ao silêncio", invocado por aquele.
Ora, não me parece que essa conclusão seja assim tão evidente, se é verdade que a referida lei também dispõe que "a falta de comparência ou a recusa de depoimento perante a comissão parlamentar de inquérito só se tem por justificada nos termos gerais da lei processual penal". Como é sabido, a lei processual penal reconhece aos arguidos o direito ao silêncio e Rui Pedro Soares é presentemente arguido no processo Taguspark. Tendo em conta que os deputados da comissão requereram ao tribunal o envio de documentação desse processo, tal circunstância torna legítima, a meu ver, a recusa daquele em prestar depoimento na comissão. Diz-se que a ânsia e a sofreguidão deitam muitas vezes tudo a perder e este terá sido mais um caso. Os indignados deputados deverão, pois, começar por bater em si próprios.
Diga-se que até este ponto, o procedimento dos deputados da comissão ainda pode ser levado à conta de uma interpretação admissível da lei dos inquéritos parlamentares. O que já não é aceitável é que se queira atribuir valor ao silêncio, como pretende, o deputado do PCP, João Oliveira, para quem "o silêncio de Rui Pedro Soares pode ser usado como falta de contraditório", explicitando o seu entendimento com esta surpreendente conclusão: "Paulo Penedos disse ontem que tudo o que fez foi a mando de Rui Pedro Soares. Se o ex-administrador da PT não responde e por isso não desmente, vamos dar aquelas declarações e aqueles contactos como provados." E "prontos", como diria o outro!
A proposição do deputado João Oliveira é admitida em processo cível, onde a falta de resposta por uma das partes tem o efeito de dar como provado o afirmado pela contra-parte. Todavia, em processo penal, por cujas normas se rege a comissão de inquérito, não é assim. Como bem sabe, ou deveria saber.
Pese embora o comportamento pouco isento de que, até agora, vários deputados da comissão deram provas, quero crer que a orientação da comissão não venha ser a do deputado Oliveira, porque se tal vier a acontecer, então teremos de concluir que um tal entendimento nem no tempo da "outra senhora", com a possível excepção dos processos políticos. Teríamos de recuar, para encontrarmos, na nossa história, um paralelo para tal, aos tempos da Inquisição. Como teríamos de recuar a esses tempos para encontrar atitudes semelhantes às de alguns deputados que já ditam "sentenças", antes da conclusão do inquérito.
Ora, se bem julgo, quanto maior for a isenção demonstrada pelos deputados, mais provável é a aceitação pública das conclusões a que a comissão vier a chegar e, ademais, suponho que é do seu próprio interesse que se abstenham de fazer julgamentos antes de tempo e de tomar atitudes que comprometam a sua isenção. É que, doutra forma, correm o risco de ser vistos (se é que o não são já) como inquisidores, e não como inquiridores. Pois, como diz o ditado, "quem não quer ser lobo, não lhe veste a pele".
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