quarta-feira, 1 de outubro de 2014

"A mulher de César morreria de vergonha"


"(...)
Nos anos 90, Pedro Passos Coelho já colaborava com a Tecnoforma, a ponto de ser fundador e presidente da ONG da empresa. Este facto foi omitido das declarações à Assembleia da República, de que Passos Coelho era deputado. Não se sabe o que fazia esta ONG; aparentemente, em três anos, nada. O máximo de que Passos Coelho se lembra é de uma universidade em Cabo Verde que nunca chegou a acontecer. Na sua biografia política, Passos Coelho nada diz sobre o Conselho Português Para a Cooperação, que galhardamente dirigia. É legítimo dizer que a sigla CPPC, da caridosa organização, significava sobretudo "Cooperar com o Pedro Passos Coelho". E, claro, com o inenarrável Miguel Relvas: o episódio da formação de inexistentes funcionários para semiexistentes aeródromos da Zona Centro, com o qual a Tecnoforma pôs uns milhões comunitários ao bolso, seria hilariante, se não fosse trágico. É inevitável olhar para aquela cultura empresarial e política e ver nela o catálogo dos nossos mais vergonhosos erros: do desperdício de fundos comunitários aos abusos das redes de influência, das escapatórias fiscais às mentiras e encobrimentos. Passos Coelho foi comparticipante, voluntário e autor de toda essa vergonha.
Pedro Passos Coelho colaborou com uma empresa sem comunicar tal facto ao Parlamento, participou de acções dessa empresa que se destinava a obter fundos comunitários para projectos inexistentes ou, na melhor das hipóteses, seminexistentes e foi presidente de uma ONG de cooperação que nunca cooperou nada que se visse, e que provavelmente nunca teve tal intenção. E isso sem entrar na questão ainda por responder de quanto dinheiro recebeu ele, directa ou indirectamente, por trabalho que parece ter sido pouco mais que nada.
Não se sabe ainda se Pedro Passos Coelho cometeu um crime ou vários, mas sabe-se que participou em algumas das mais perniciosas práticas da política e da economia no Portugal dos anos 90. A mulher de César morreria de vergonha. Qualquer delas."
(Rui Tavares; "A mulher de César, morta e enterrada". In "Público" de hoje - edição impressa, Destaques meus.)

(Na imagem retirada daqui, uma delas: Lívia)

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