Não me parece ser difícil concordar com José Saramago quando afirma que a Bíblia é obra puramente humana, e estou certo que ateus, agnósticos e até muitos crentes comungam dessa opinião, pois para ser obra inspirada por Deus (por definição, na visão bíblica, infinitamente perfeito) a Bíblia é demasiado imperfeita. Como também ninguém, suponho, contesta o direito de José Saramago escrever sobre o que muito bem entenda e de expressar a sua opinião sobre a Bíblia. Eu, pelo menos, não contesto. Tal, no entanto, não significa que as opiniões que emite, como as de qualquer outra pessoa, não possam também ser objecto de apreciação crítica, sobretudo quando, como foi agora o caso, a sua opinião, independentemente de qualquer consideração religiosa, mostra ser extremamente redutora.
Na verdade, considerar a Bíblia tão só como "um manual de maus costumes, um catálogo de crueldade e do pior da natureza humana" só pode ser levado à conta, ou de uma infantilidade, ou de um golpe publicitário. Em todo o caso, a afirmação não acrescenta nada ao prestígio de que goza o seu autor. Pelo contrário só o diminui.
Com efeito, para quem já a leu, se não no seu todo, pelo menos em parte, a Bíblia, mesmo pondo de lado o aspecto religioso e moral, é um documento com interesse histórico e um monumento literário de primeira grandeza. Nem é preciso conhecer o Cântico dos Cânticos, ou os Salmos, para chegar a tal conclusão. A própria narrativa da Criação, no Livro do Génesis, é uma peça literária de grande beleza. Causa, pois, alguma admiração que o escritor Saramago, que deve ter lido o Génesis, para escrever o "Caim", não se tenha sentido sensibilizado pela beleza literária da narrativa.
O preconceito, já se sabe, tem destas coisas e Saramago não foge à regra. É pena.
Adenda:
Pior a emenda que o soneto.
2 comentários:
Os portugueses e as suas idiossincrasias... O J. Saramago atacou e um tuga saiu-lhe ao caminho... Este quer visibilidade, o outro já a tem e não precisa de boutades para se mostrar.
E tem direito a não gostar da Bíblia.
Tudo teria passado sem grande espavento se a Conferência Episcopal Portuguesa não tivesse vindo lesta a terreiro ...como veio, é o que vê.
Alias, como manobra de marketing foi muito bem pensada.
Minha esposa já ameaçou que vi comprar "Caim"!
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