segunda-feira, 28 de julho de 2008

Nem só o preço conta...

Peço desculpa por vir aqui meter o bedelho, mas julgo que o caso não tem apenas a ver com os preços. O que, a meu ver, está em causa é a qualidade do serviço prestado e a segurança jurídica.
O Governo entendeu, nuns casos bem e noutros muito mal, desformalizar os actos sujeitos a registo predial e a registo comercial e fê-lo, exactamente, depois de ter desfuncionarizado o notariado público que funcionava mal, não por culpa dos notários, que trabalhavam a horas e a desoras, mas sim porque o Estado português, durante longos anos, encarou o notariado, menos como um serviço prestado aos cidadãos, e mais como uma fonte de receita do Cofres do Ministério da Justiça, onde ia buscar dinheiro para fazer face às despesas com os tribunais, dispensando praticamente o recurso ao Orçamento de Estado.
Uma vez desfuncionarizado o notariado, o Ministério da Justiça viu-se sem essa receita e, sem qualquer consideração pelos profissionais que pouco antes tinham sido forçados a fazer grandes investimentos em instalações e equipamento para continuarem a exercer a sua profissão, agora como profissionais liberais, vá de dar continuação à política desastrosa do ministro António Costa [que tinha atribuído competência para a realização de actos notariais a toda uma quantidade de gente (advogados, solicitadores e outros) sem qualquer controlo e sem qualquer preparação] e toca de, na prática, acabar com as escrituras para tudo quanto é acto sujeito a registo e de transferir para as Conservatórias do Registo Comercial e do Registo Predial a realização de actos até agora da competência dos notários, elevando, naturalmente, os custos dos registos.
É comummente reconhecido que, após a desfuncionarização do notariado, este serviço conheceu uma melhoria assinalável (lembro, a título de exemplo, uma peça de Miguel Sousa Tavares publicada no "Expresso", em data que não posso precisar), pelo que é incompreensível que, em termos de serviço prestado ao público, o Governo, continuando a política de António Costa (que deixou no Ministério, pelos vistos, fiéis seguidores e, como ele, de vistas curtas) tenha vindo, na prática, a extinguir um serviço, logo agora que funcionava bem, atitude que, assinale-se é claramente contraditória com a política de redução dos efectivos na função pública e que vai custar caro ao país e aos utentes dos Registos.
Explico porquê.
É evidente que para as Conservatórias poderem prestar ao cidadão o serviço antes prestado pelos notários é forçoso que se ampliem os quadros de pessoal das Conservatórias, por muita informática que se meta no meio. Quanto à qualidade do serviço, é sabida a dificuldade com que as Conservatórias se debatem, sendo comum a queixa de que nem formação adequada tem sido prestada aos funcionários, e só quem não tem olhos é que não vê que nem sequer existem instalações capazes. O mais grave, no entanto, é o que, com toda a probabilidade, se irá passar em matéria de segurança jurídica. Até agora, a maior parte dos actos sujeitos a registo era submetido ao escrutínio de um profissional (o notário) que, por obrigação legal, tinha de verificar a legalidade do acto e a sua conformidade com a vontade das partes. Com a nova legislação, para ingressar no registo, qualquer acto que não seja formalizado na própria Conservatória (melhor seria chamar-lhe, face às novas funções, Cartoservatória) basta que o documento que titula o acto tenha sido autenticado, autenticação que qualquer das pessoas acima mencionadas pode efectuar, sem necessidade de verificação da legalidade, nem obrigação de auscultar e conformar a vontade das partes. Ou seja, nestes casos, nem há controlo de legalidade, nem há verdadeira verificação de conformidade com a vontade das partes, pelo que não me surpreenderá que os tribunais (que têm pouco que fazer!) venham a ser inundados com processos originados em contratos nulos, anuláveis e falsos.
Resumindo e concluindo: O governo, com a mentalidade de merceeiro (que, ainda por cima, não sabe fazer contas), além de contrariar a sua própria política em matéria de recursos humanos; de não ter em conta a qualidade do serviço prestado ao cidadão; e de não se portar decentemente perante profissionais que desfuncionarizou, acaba por mandar, por meia dúzia de lentilhas, toda a segurança jurídica às malvas.
É obra!

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