"O folhetim da Sociedade de Reabilitação Urbana do Porto (SRU) parece ter chegado ao fim. Pelo caminho, desde que em 2011 o Governo recusou cumprir com as suas obrigações, escreveu-se uma longa história de irresponsabilidade e baixa política, em que o poder central procurou vergar o poder local. O Porto não cedeu e fez-se justiça. Uma lição para o futuro.
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Ao longo destes últimos anos, procurando perceber se existia um racional na ação do Governo, equacionei três questões que, a meu ver, exigiam respostas claras e que passo a expor.
A missão da SRU foi cumprida e a sua existência deixou de fazer sentido? A esta primeira pergunta, a resposta que encontro é "não". O estado e extensão da degradação do centro histórico do Porto é ainda muito preocupante, apesar do meritório trabalho já realizado. Foram demasiadas décadas sem investimento, com a degradação física dos edifícios e do espaço urbano a induzir também fenómenos de degradação social. Há ainda muito a fazer e o caminho terá sempre de passar por uma conjugação do investimento público com o investimento privado, pelo que a SRU é ainda e por muito tempo um veículo necessário.
O papel e a responsabilidade do Estado na SRU esgotou-se? Também aqui, a resposta é "não". A ausência de políticas de reabilitação e de instrumentos financeiros de apoio está no cerne da degradação dos centros históricos das maiores cidades portuguesas. Convém recordar que a manutenção do congelamento das rendas, decidida centralmente desde o tempo da ditadura, resultou na total incapacidade de os proprietários procederem à mais básica manutenção. Até recentemente, existiam no centro histórico do Porto casas alugadas por valores absolutamente irrisórios. O Estado não pode fugir às suas responsabilidades.
Havia evidências de irregularidades ou má gestão? A esta última questão, a resposta é também "não". Aqui, o poder central recorreu a um dos truques mais infames a que está habituado. Deixou no ar dúvidas sobre a ação de Rui Moreira, presidente da SRU até 2012, e mandou fazer uma auditoria às contas, devidamente acompanhada pelos adiamentos das assembleias gerais da sociedade e mesmo por um chumbo das contas anuais. Auditoria que, não surpreendentemente, não revelou nem más contas, nem má gestão.
Face a estes três "nãos", torna-se difícil compreender a ação do IHRU, acionista maioritário que representava o Estado. Só mesmo um fundamentalismo doentio, de um governo que desde 2011 tudo sacrificou em nome da austeridade, pode justificar tamanha guerra por causa de um par de milhões de euros de investimento.
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(José Mendes ; A lição da SRU . Na íntegra: aqui. Realces da minha responsabilidade)
Obs. Uma lição onde eu colho duas, ou seja, que este governo não só é um fanático da austeridade por ele arvorada em bem supremo, como não olha a meios para atingir os seus fins, incluindo os meios "mais infames".
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