terça-feira, 12 de janeiro de 2010

O Amigo do Povo !

Na defesa do referendo sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo, Jaime Nogueira Pinto desunha-se, hoje, no i na demonstração de que a esquerda é avessa a este tipo de consulta popular e que, ao invés, é atreita a legislar por decretos (ditatoriais, diz ele). Vai daí dá um salto até aos idos da Primeira República para nos dar como exemplos a lei do Divórcio, as leis da Família e a lei da separação da Igreja do Estado, entre outros, e, voando por cima de quatro décadas de ditadura do Estado Novo, aterra no 25 de Abril para citar a descolonização e as nacionalizações e arruma a questão com a lei sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo, nos dias de hoje.
Enfim, uns inimigos do Povo, estes partidos de esquerda !
Esquece, entretanto, o colunista que as alterações introduzidas, no passado, pela legislação citada, constituem, hoje, matéria consensual na sociedade portuguesa e todas elas, com excepção das nacionalizações (entretanto ultrapassadas) são comummente consideradas importantes conquistas civilizacionais. Salvo, naturalmente, para algum saudosista da ditadura que, suponho, ainda os haverá.
Não esquece, mas subestima, o facto de a legislação sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo constar do programa eleitoral de dois partidos que a votaram (PS e BE) e passa por alto o facto de o PS não ter votado idêntica proposta, na anterior legislatura, visto que a matéria não constava do seu anterior programa eleitoral.
Não obstante este "escrúpulo democrático", Jaime Nogueira Pinto não se mostra impressionado e, pelo contrário, só vê, nesta aprovação, oportunismo por parte do PS que, não podendo, diz ele, alinhar com o PCP e o BE, nas questões económico-sociais, tem de dar uma satisfação à sua "esquerda".
Benza-o Zeus. Quem havia de dizer que "o defensor do estadista português António de Oliveira Salazar" era o verdadeiro Amigo do Povo ?
Lamentavelmente, o "Amigo do Povo" esquece-se, uma vez mais, que o último referendo realizado em Portugal (sobre a legalização do aborto) foi aprovado na Assembleia da República, em Outubro de 2006, com os votos favoráveis do PS e do BE, a abstenção do PSD e o voto contra do CDS e do PCP. Do CDS que o não queria de todo e do PCP que defendia a legalização do aborto, sem necessidade de referendo. Esta alternativa foi, no entanto, rejeitada pelo PS, dada a realização de anterior referendo em que o "não" à legalização do aborto saiu vencedor, resultado todavia inconclusivo, dada a insuficiente participação popular para poder legalmente ter força obrigatória. Tal alternativa, convém repeti-lo, foi rejeitada, uma vez mais, por "escrúpulo democrático" e por respeito à vontade do povo.
Temos pois que, em matéria de democracia e de respeito pela vontade popular, o PS, à esquerda, não tem nada a aprender com a direita.
Só quem tem memória selectiva, como parece ser o caso, é que o não sabe.
(Publicado também aqui)

2 comentários:

Miguel Gomes Coelho disse...

Nem vale a pena dizer que subscrevo.
Um abraço.

Quint disse...

Descubro, abismado, que o grande inimigo dos referendos que é Cavaco Silva é um perigoso "vermelho"!