domingo, 10 de janeiro de 2010

As "crenças" do Ministério Público

O segredo de justiça no processo Face Oculta continua a tratos de polé, como se pode concluir por mais esta notícia, com direito a chamada de primeira página na edição impressa do "Público" e retomada na edição on line, onde nos garantem que o MP acredita que Godinho pagou 25 mil euros a Vara em Junho. Caída a história dos 10.000, surge agora, pela mão do "Público", a novela dos 25.000, novela que, pelo que vem a lume, tem tantas pernas para andar quanto aquela.
De facto, a "crença" do MP baseia-se tão só, neste caso, no cruzamento de duas escutas telefónicas: uma entre Godinho e Vara a 28 de Maio; e a outra entre o empresário da sucata e sua secretária, a 20 de Junho. Na primeira, Godinho pergunta a Vara, numa linguagem alegadamente cifrada e tão cifrada que inicialmente o seu interlocutor nem o entende, se quer para agora "os 25 quilómetros". Na segunda, o empresário, pelos vistos, perito em linguagem cifrada, diz à secretária que precisa de "50 documentos" para dividir por duas pessoas. No mesmo dia, Godinho terá almoçado com Vara e Lopes Barreira.
As explicações dadas por Vara, no sentido de que "quilómetro" é um termo de calão utilizado na banca para se referir a dez mil euros e de que a menção aos "25 quilómetros" estaria relacionada com um depósito de 250 mil euros que Godinho teria que fazer no BCP, como condição para a aprovação de um contrato de factoring, não convenceram o JIC de Aveiro, nem a presença de um filho menor de Vara, no almoço, contribuiu para afastar as suspeitas sobre Vara.
É, todavia, evidente que os indícios recolhidos pelo MP nunca levarão a uma condenação, pois não há nenhum juiz, em seu perfeito juízo, que profira uma sentença de condenação, com tão fracos indícios. Indícios que, em bom rigor, não passam de suposições e "crenças", matéria que, pelos vistos, constitui o "forte" do Ministério Público que temos. Estou a lembrar-me, neste passo, dos "megaprocessos" com dezenas de acusados, que, no final, acabam com meia dúzia de condenações. As "crenças" do "Mano Pedro" dão nisto. Não há que admirar.
Para admirar sim é o facto de Armando Vara ter sido escutado durante meses para recolher tão fracas evidências, a ponto de, a meu ver, se justificar a interrogação sobre a legitimidade das escutas dirigidas a Vara, escutas que, à luz do que hoje se julga saber pelo que tem sido publicado, mais se configuram como uma devassa do que como escutas legalmente admissíveis. Pois, não é verdade que, tendo o processo Face Oculta como figura central o empresário Manuel Godinho, bastaria mantê-lo a ele e aos seus colaboradores directos sob escuta, para provar o que houvesse a provar ?
Acontece, porém, e esta é outra verdade, que as escutas a Armando Vara tinham o aliciante de se saber que este fazia parte do círculo de amizades do primeiro-ministro e talvez resida aí o motivo da coscuvilhice. A prontidão com que foram postas a circular as notícias sobre a existência de escutas incidindo sobre conversas entre Vara e José Sócrates e o empenho manifestado por dirigentes do PSD (com M.Ferreira Leite à cabeça) na divulgação pública dessas conversas dão verosimilhança à hipótese, já aventada por outrém, de que o alvo das escutas não era um, mas o outro.
Dir-me-ão que isto não passa de suposição não fundada. É verdade, sim senhor, mas se o MP e o JIC de Aveiro se dão por satisfeitos com "crenças", porque não eu?
(Também publicada em "A Regra do Jogo")

2 comentários:

PedroM disse...

Nem mais caro Francisco Clamote. Há meses que digo que se as acusações a Vara se revelarem pífias e delirantes, como parece vir a ser o caso, então a tese de que Vara só foi escutado para apanhar Sócrates, fica legitimada. Nesse caso o MP e o juiz de Aveiro devem ser objecto de investigação e, no mínimmo, de punição disciplinar. Acresce que as escutas foram ilegais e como bem lembrou o blog "O Jumento", teria sido certamente possível continuar a ouvir Vara e bloquer a escuta quando a ligação fosse do ou para o Primeiro-Ministro, a tecnologia permite essa flexibilidade.
Este caso dos supostos 25.000 euros é ainda mais desprezível porque se trata de mais uma fuga ao segredo de justiça, quando Vara não se pode defender porque, precisamente está obrigado ao referido segredo de justiça. Isto apesar de já ter pedido para que o dito seja levantado nas matérias que lhe dizem respeito. O MP e o Juiz de Aveiro arrastam os pés quanto a uma decisão sobre esse pedido e entrtanto vão aparecendo estas notícias. VELHACARIA!!

Anónimo disse...

Esta "justiça" é uma grande treta e está, obviamente descredibilizada.

Com gente assim no MP e na judicatura, estamos feitos, nem apanham ninguém, nem se sabem comportar.
Adiante, isto só deitando tudo abaixo e construindo tudo dr novo moutraso mildes.