terça-feira, 9 de abril de 2013

Democrata, mas pouco

"Pedro Passos Coelho não gostou da decisão do Tribunal Constitucional que chumbou quatro normas do Orçamento do Estado de 2013. O seu descontentamento era previsível. O que não se esperava era que o primeiro-ministro usasse quase metade do tempo da comunicação que fez domingo à tarde ao país na sequência da decisão do Tribunal Constitucional para criticar o próprio Tribunal Constitucional.
Começou bem e disse o elementar: "É evidente que o Governo respeita e cumprirá as decisões do Tribunal Constitucional. Não podia ser de outra maneira num Estado de direito democrático que preza as suas instituições."
Mas nos dez longos minutos seguintes, o primeiro-ministro demonstrou justamente o contrário.
Tratou o Tribunal Constitucional como se fosse um parceiro com o qual se discute política ao mesmo nível, de igual para igual, escolhendo - num discurso preparado e escrito - um tom de desqualificação em relação ao mais elevado órgão do poder judicial do país que vai para além do incómodo ou do simbólico.
O primeiro-ministro poderia ter pedido desculpa por ter violado a Constituição (muito improvável, embora fosse do agrado de alguns constitucionalistas) ou poderia ter dito que agira em boa-fé e acreditava que nenhuma norma do seu Orçamento era inconstitucional (mas não seria credível). Ou poderia ter optado por falar sobre isso, mas pouco, e usar os 18 minutos de antena para dizer o que vai o Governo fazer na sequência do chumbo do Orçamento.
A estratégia do primeiro-ministro foi radicalmente oposta. Sem brilho, num tom punitivo e revanchista, Passos Coelho desfiou a sua longa lista de críticas. Sobre o Tribunal Constitucional não teve uma ou duas coisas a dizer. Teve 15. É este o rol: o Tribunal Constitucional não tem "grande realismo" nem "uma consciência aguda dos imperativos impostos" pelas actuais circunstâncias; as futuras alternativas "poderão" pôr em causa "valores importantes da Constituição"; a decisão "tem consequências muito sérias para o país"; "torna a posição portuguesa mais frágil" nas negociações com a troika; "introduz incerteza e imprevisibilidade"; "corre em sentido contrário à orientação estratégica de regresso aos mercados"; é "um risco para todo este processo"; "coloca obstáculos muito sérios à execução orçamental de 2013"; "torna problemática a consolidação orçamental para os próximos anos"; deixa a sétima revisão da troika inconcluída; bloqueia a transferência do montante previsto; torna "a vida dos portugueses mais difícil" e "o sucesso da recuperação nacional mais problemático" e, pelo meio, o primeiro-ministro ainda conseguiu deixar a ameaça no ar de que a decisão do Tribunal Constitucional pode vir a contribuir para a saída de Portugal do euro.
(...)
Mais do que se ter revelado como político, Passos revelou o seu entendimento da democracia portuguesa."

(Bárbara Reis, directora do Público; "Sou democrata, mas...". Na íntegra: aqui)

1 comentário:

Anónimo disse...

Quando li o artigo da Bárbara esta manhã, pensei...mas não é possível! Até tu, Babá?