sexta-feira, 5 de abril de 2013

Uma decisão salomónica

É óbvio que a decisão do Tribunal Constitucional (TC), referida nesta notícia, ao declarar como inconstitucionais algumas normas da Lei do Orçamento do Estado não facilita a vida ao governo de Passos Coelho, mas esperar o contrário seria pura estultícia, tão evidente era a enfermidade de que algumas dessas normas padeciam.
Em todo o caso, parece-me também evidente que o TC não foi tão longe quanto seria de esperar, o que, do meu ponto de vista, só pode ter uma explicação: o TC não se limitou a fundamentar a sua decisão em argumentos puramente jurídico-constitucionais, mas deu, sem dúvida, acolhimento a alguma argumentação de outra natureza. De base política, designadamente. 
Explico-me:
Se, por um lado, considerou como inconstitucional a suspensão dos subsídios de férias dos funcionários públicos, trabalhadores do sector público e reformados, fê-lo, porque, em boa verdade, não podia, em coerência, tomar outra decisão, face à doutrina já firmada no acórdão sobre a mesma matéria em relação ao Orçamento de Estado para 2012. E bem se compreende que, desta feita, o TC não tenha limitado os efeitos da decisão, ao abrigo do nº 4 da Constituição, atento o desrespeito do governo pela doutrina anteriormente assente, desrespeito bem evidenciado pela reincidência governamental sobre a matéria.
Mas, por outro lado, é surpreendente que o TC tenha considerado como conformes à Constituição outras normas que os constitucionalistas consideraram, quase unanimemente, com feridas de inconstitucionalidade,  como é, por exemplo, o caso da norma relativa à contribuição extraordinária de solidariedade (CES) incidente sobre as reformas acima de 1.350 €, norma que, a crer nas teses defendidas pela generalidade dos constitucionalistas, fere frontalmente o princípio da igualdade. E, assim sendo, não se vê, de facto, como é que, neste caso, a decisão pode ser explicada com base em argumentação puramente jurídica. Ainda que, naturalmente, não venham a ser explicitadas como tal, a decisão só pode compreender-se, cabalmente, à luz de considerações de outra natureza. 
Recordo, a propósito, que, aquando da conferência de imprensa dada por Filipe Pinhal como representante de um grupo de ricos reformados (ou reformados ricos) a contestar a referida medida, não faltou quem tivesse afirmado que Pinhal, titular de uma reforma verdadeiramente milionária, estava a prestar um mau serviço à grande maioria dos reformados. Suponho que a decisão do TC sobre a matéria acaba de razão a quem fazia tal vaticínio. O risco de o TC poder ser visto como defensor dos interesses de reformados como Pinhal, pesou, sem dúvida, na decisão sobre a matéria. 
É mais um caso em que paga o justo pelo pecador. 

1 comentário:

Anónimo disse...

Concordo com a tua análise e parece-me que o Cavaco a esta hora deve estar a dizer à Maria: se eu soubesse que era para isto não tinha pedido a ajuda do TC.
De qualquer modo, mesmo concordando que o TC ponderou alguns factores não constitucionais, a decisão pareceu-me equilibrada. Vamos lá a ver como é que o governo desclaça a bota...