Num notável artigo intitulado 'Ainda o "bei" de Tunes' publicado aqui, António Monteiro Fernandes Professor no ISCTE e Especialista em Direito do Trabalho, analisa a acção do actual governo, caracterizando-a desta forma:
"(...) Desenhada a traço grosso nos documentos fundamentais que são o memorando da "troika" e o Programa do Governo, ela desenvolve-se em dois planos sobrepostos.
Num plano superior e mais visível, está a política de "cortes" no chamado "sector público". Toda a gente "percebe" facilmente que os défices das contas do Estado têm que ser reduzidos ou eliminados e que isso implica, entre outras coisas, reduções de despesa. As violências que assim se legitimam – reduções de salários já congelados há anos, reduções de pensões de aposentação e reforma, "corte" total ou parcial dos chamados "subsídios" de férias e de Natal – são, certamente, discutíveis na sua licitude, mas sabe-se para que servem.
Num outro plano, desenvolvem-se as medidas de "austeridade laboral", umas definidas no memorando da "troika", outras concebidas pelo governo – todas no mesmo sentido: fazer as pessoas trabalhar mais tempo por menos dinheiro, com menos segurança e maior sujeição à vontade de quem as emprega. Elas não são compreensíveis no quadro de uma resposta eficaz à crise económica e financeira. São tributárias da ideia (reconhecidamente errada) de que o crescimento da economia se fará em Portugal pelo lado do trabalho barato e dócil. As indústrias que sobreviveram e que prosperam em Portugal mostram como é. Mas quem promove essas medidas actua em nome de uma fé inabalável que produz a cegueira e a surdez. São os sacerdotes da economia mística. E o seu credo impõe-lhes a convicção de que as concepções e as regras condicionantes do livre uso do factor trabalho, construídas em Portugal ao longo das três últimas décadas, têm que ser metodicamente desmanteladas – e quanto mais cedo melhor.(...)"
E conclui:
(...)Por outras palavras: a chamada "austeridade laboral" não é explicável pelas necessidades do combate à crise e do relançamento económico.
Ela tem, decerto, um lado pragmático: a "troika" (em nome do mesmo credo) simpatiza com actos de maceração, de flagelação do povo assalariado, toma-os como sinais de bom comportamento dos governos – e é preciso agradar à "troika". Por outras palavras: é preciso mostrar aos credores que somos capazes de fazer sofrer para lhes ganhar os favores.
De resto, mesmo sem "troika", e a título "preventivo", o mesmo se passa na Espanha (com 50 reformas laborais em trinta anos), na Itália e na Grécia, sempre com resultados económicos nulos e consequências sociais nefastas. Os direitos laborais são um pouco como o "bei" de Tunis de que falava Eça de Queiroz: quando não se sabe o que fazer, dá-se-lhes uma coça.
(...) Mas não é tudo. A pretexto da crise – uma magnífica "janela de oportunidade" -, o que está em marcha é mais complexo e articulado, uma verdadeira "reforma estrutural": um processo de retorno ao "statu quo" dos anos sessenta do século passado. As matérias sobre que têm incidido as medidas em causa são disso sintomas: tempos de trabalho, tempos de descanso, retribuições, despedimentos, contratação colectiva – os temas-chave em torno dos quais, em cada momento histórico, avança ou recua a fronteira entre a civilização do trabalho e a lei da selva."
(Bold meu)
(Concordando, digo eu que, de facto, o que o governo pretende é a instauração da lei da selva, ou seja, a lei do mais forte. Há, porém, limites para tudo, como se está a ver na Grécia. Em Portugal, apesar dos alegados "brandos costumes" não será diferente. O "custe o que custar" pode, espero, vir a custar-lhes caro. Depois, admirem-se!)
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