Para ser franco, também teria preferido que António Costa (AC) não tivesse proferido perante a comunidade chinesa, a propósito da celebração do ano novo chinês, a declaração posta a circular pelo eurodeputado Nuno Melo (um melro com frequência armado em esperto).
Digo que teria preferido, não pelo facto de tal declaração ser politicamente infeliz do ponto de vista dos interesses do partido que lidera, mas apenas e tão só porque, dada a sua aparente ambiguidade, permitiu às hostes da direita (e às da chamada "esquerda da esquerda" que, pelos vistos, fazem questão de continuar a seguir o padrão historicamente comprovado de se aliarem à direita contra a esquerda moderada) o seu aproveitamento para dizer que António Costa (AC) teria implictamente reconhecido que a situação do país era, actualmente, melhor do que a verificada em 2011.
Como é evidente, AC, em momento algum, afirma que a situação do país está melhor e, em boa verdade, uma tal declaração não só colidiria com a realidade dos factos, como não faria sentido na boca de quem, não uma, mas repetidas vezes, tem afirmado que a situação do país é, hoje, em quase todos os aspectos, bem pior do que a existente antes do governo desta gentinha ter entrado em funções.
AC, disse, e sem reparo da minha parte, que a situação do país é "bastante diferente daquela em que estava há quatro anos atrás". Sem reparo da minha parte, insisto, porque a afirmação é inteiramente verdadeira, uma vez que o país não está hoje com a corda na garganta, no que diz respeito ao acesso aos mercados financeiros e à elevada taxa de juros, taxa que tem, efectivamente, vindo a baixar sucessivamente, devido, não à acção do governo passista/portista/cavaquista que, em tal matéria, não meteu, nem prego nem estopa, mas apenas e tão só devido às medidas que, entretanto, o BCE tem vindo a tomar, ponto que não admite sequer contestação. Na verdade, se atentarmos no facto de que a dívida pública portuguesa tem vindo a aumentar sucessivamente desde que este governo (de aldrabões) entrou em funções, torna-se óbvio que o risco de crédito não só não teria diminuído como teria aumentado, se não existissem os "escudos" criados pelo BCE. Temos, aliás, neste caso, a contraprova. De facto, por alguma razão a notação atribuída pelas principais companhias de rating, continuam a remeter a divida pública portuguesa para a categoria de "lixo", o que significa que, se os "escudos" instalados pelo BCE forem ao chão, ou se os mercados chegarem à conclusão que tais "escudos" são inoperacionais, as dificuldades de acesso aos mercados financeiros voltarão a galope.
Dizer-se que a situação do país é diferente não significa, pois, que seja melhor. E, de facto, qualquer que seja o ângulo de análise, com a ressalva antes enunciada, todos os indicadores apontam para uma deterioração da situação do país. Os números fornecidos pelas entidades oficiais, (INE e BdP) não deixam margem para dúvidas: a dívida pública, em vez de baixar, como era suposto, aumentou de 94% em 2010, para 128,7% em 2015; o desemprego quase duplicou, afectando mais de um milhão de trabalhadores; o PIB é actualmente inferior em pelo menos 5% em relação ao final de 2010, o que significa que a riqueza produzida, em vez de aumentar, como era desejável, tem vindo a decrescer; a emigração, em particular de pessoas jovens e altamente qualificadas, aumentou exponencialmente, atingindo números alarmantes, pois contam-se já por várias centenas de milhar as pessoas forçadas a sair do país à procura de meios de subsistência no estrangeiro, realidade sem paralelo desde os tempos do salazarismo-caetanismo; a pobreza é hoje uma realidade bem mais dolorosa do que há quatro anos; a desigualdade aumentou (os ricos estão mais ricos e os pobres mais pobres); a classe média foi severamente atacada, com uma boa parte a ser lançada na pobreza.
Perante este factos que demonstram à saciedade que o resultado da acção deste execrável governo se traduziu num verdadeiro desastre nacional, não admira que a direita, em desespero de causa, use em seu proveito, qualquer pretexto real ou inventado, como neste caso, e lance mão de todos os meios para se defender. A direita usa, pois, este e outros expedientes em verdadeiro estado de necessidade, o que se compreende.
Que a "esquerda da esquerda" siga pela mesma via, já me custa um tanto a compreender. Se calhar, é assim, porque a tradição, neste caso, ainda é o que era. Será?