A Mensagem de Ano Novo dirigida ao país por Cavaco Silva repete, no essencial, os temas já abordados em mensagens anteriores, como, aliás, o próprio se encarregou de sublinhar e podem resumir-se: à chamada de atenção para a situação económica difícil que o país atravessa, traduzida no aumento do desemprego, no nível excessivo do endividamento externo e no desequilíbrio das contas públicas (situação que, mesmo assim, é menos grave que a de outros países da União Europeia, como se sabe); e a uns tantos recados dirigidos à população em geral ("Quando gastamos mais do que produzimos, há sempre um momento em que alguém tem de pagar a factura") e, em particular ao Governo e às forças políticas da oposição.
Ao contrário, porém, do que já vi escrito, não me parece que Cavaco Silva tenha sido duro para com o Governo, embora reconheça que Cavaco Silva se esqueceu de dizer, como lhe cumpria em nome da seriedade política, que, em grande medida, as dificuldades que o país atravessa são fruto da crise económica mundial. Ressalvado este aspecto, atrever-me-ia até a dizer que os recados de Cavaco Silva tiveram como principais destinatários os partidos políticos da oposição parlamentar, ao acentuar que o Governo tem toda a legitimidade para governar; ao considerar necessária, por parte da oposição, "uma atitude de diálogo e uma cultura de responsabilidade"; e ao afirmar que "seria absolutamente desejável que os partidos políticos desenvolvessem uma negociação séria e chegassem a um entendimento sobre um plano credível para o médio prazo, de modo a colocar o défice do sector público e a dívida pública numa trajectória de sustentabilidade".
Assim sendo, se bem a entendo, a mensagem de Cavaco Silva até seria oportuna. Duvido é da sua eficácia, porque Cavaco Silva perdeu, entretanto e por razões sobejamente conhecidas, a autoridade e a credibilidade que dariam sustentação às suas palavras para que elas fossem aceites pelas forças políticas em presença.
De facto, não custa reconhecer o quão pertinente é dizer que "o exemplo deve vir de cima" e que "o País real (...) espera que os agentes políticos deixem de lado as querelas artificiais". Só que tal discurso esbarra com o exemplo que do mais alto tem vindo, ou seja, da Presidência da República, pois é evidente, para qualquer observador que, em matéria de "querelas artificiais" e mesmo de intrigas, a Presidência não recebe lições de ninguém. Aliás, por paradoxal que possa parecer, a mensagem presidencial até pode ser invocada a este propósito. Ao acentuar, no actual contexto político, o "valor da família" a mensagem arrisca-se, neste ponto, a ser considerada como negação da atitude que aos outros agentes políticos se recomenda. Com efeito, tal referência, tendo em conta recentes tomadas de posição por parte de Cavaco Silva a propósito do agendamento na Assembleia da República da discussão sobre a legislação relativa ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, tenderá a ser vista como mais uma alfinetada. Bem dispensável, por certo, em nome da pacificação entre forças políticas e, o que é mais importante, entre órgãos de soberania.
A garantia de Cavaco Silva de que nunca se afastará dos seus deveres e dos seus compromissos, vale o que vale: quando os actos não correspondem ao discurso, são os actos que valem. As palavras, essas leva-as o vento.
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