O debate quinzenal que hoje teve lugar na Assembleia da República fornece-se-nos alguns bons exemplos da pouca seriedade com que o debate político vem sendo travado entre nós.
Nem sequer falo de Manuela Ferreira Leite cuja intervenção no plenário só veio demonstrar, mais uma vez, que a líder do PSD é portadora duma agressividade (que só pode ser fruto de muita frustração) duma ignorância confrangedora sobre qualquer assunto (de que dá provas ao recusar-se a responder às questões suscitadas no debate) e duma pobreza de discurso que não consegue ir além da questão do endividamento do país. Questão a que o primeiro-ministro respondeu (e bem) chamando-lhe a atenção para a incoerência entre o discurso e os actos. Não se compreende, na verdade, como é que alguém tão preocupado com o endividamento do Estado, contribui, com o seu recente voto e do partido que lidera, para diminuir as receitas do Estado em 800 milhões de euros.
Refiro-me antes às intervenções de Francisco Louçã (BE) e de Jerónimo de Sousa (PCP).
Além de outros temas, Francisco Louçã, abordou também o do relacionamento entre o PS e o Presidente da República, criticando algumas recentes tomadas de posição de dirigentes do PS, que considerou injustificadas, a propósito de declarações de Cavaco Silva relacionadas com a aprovação da proposta de lei sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Se bem que esteja no seu direito de ter o julgamento que muito bem entenda sobre o caso, dificilmente se compreende, numa perspectiva de seriedade, que tenha trazido o incidente ao debate e insistir nele, porque, ao fazê-lo, contribuiu para agravar o clima de crispação que se vive entre os vários órgãos de soberania, o que, claramente, contraria a sua alegada preocupação com a situação. Preocupação (?) que vai ao ponto de tomar a defesa de Cavaco Silva, como se da parte deste nada houvesse a censurar e como se o PR não pudesse ser objecto de crítica política. Com a defesa da posição de Cavaco Silva até parece que este foi eleito para a Presidência da República com os votos do Bloco e que este se prepara para apoiar a sua eventual recandidatura! Tudo leva, pois, a concluir que o caso serviu apenas de pretexto para Louçã desferir mais um ataque ao seu inimigo de estimação, o PS. Isto, porém, de sério nada tem.
Como não é sério, por parte de Louçã e de Jerónimo de Sousa, aproveitar o recente conflito suscitado pela proposta apresentada pela Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED), admitindo a hipótese de o período normal de trabalho poder ser aumentado até às 60 horas semanais, para, sob falsa argumentação, pôr em causa o actual Código do Trabalho. Digo falsa argumentação, porque se dá a entender que o aumento pode ser imposto pelas entidades patronais (o que, a ser verdadeiro, seria realmente intolerável) quando, de facto, assim não é, pois tal aumento só pode concretizar-se por acordo entre as entidades patronais e os trabalhadores. Escamotear a verdade, com a finalidade de enganar a opinião pública e atacar legislação aprovada no anterior Governo, não é sério. Admito que o Código do Trabalho contenha disposições merecedoras de crítica. O que não releva da seriedade política é criticá-lo, usando argumentos não verdadeiros.
Finalmente, a meu ver, também não dignifica o debate político a prática seguida pela Assembleia da República de transformar a agenda de cada debate em simples pretexto para discutir tudo e mais alguma coisa, como aconteceu mais uma vez, o que acaba por inviabilizar um debate sério sobre as matérias agendadas, transformando-se, muitas vezes, o debate em simples duelos verbais em que cada interveniente parece mais interessado em ouvir a própria voz do que em apresentar ideias e soluções para os problemas do país. O debate arrisca-se assim a tranformar-se num espectáculo. Ora, isto, salvo o devido respeito, também não é sério. Acho eu.